O PROBLEMA DO DISCURSO
Combater a corrupção e promover a atracção do investimento privado não são tarefas antagónicas. Muito pelo contrário. No caso angolano, é possível e recomendável fazê-lo em simultâneo, porque, se não são mutuamente complementares, uma necessariamente completa a outra. Nas economias abertas ou que se desejam abertas, a transparência é um pressuposto decisivo à garantia do interesse dos investidores. É uma regra a qual ninguém ousa atrelar excepções.
Angola serve mais uma vez de exemplo. Por anos a fio, entre todas as razões que condicionaram o interesse mais acentuado do capital estrangeiro no país, destacavam-se a corrupção e a falta de transparência institucionalizadas. O MPLA até teve de ceder a uma leitura realista dos factos para instituir um lema de campanha eleitoral que mantivesse alguma chama acesa. O Presidente da República não pode e não deve, por isso, ser questionado pela manifesta intenção de travar as práticas que lesam e lesaram gravemente o erário.
Nesta matéria em particular, o que é questionável em João Lourenço é, sobretudo, o tipo de discurso que elegeu como marca. O recurso sistemático e selectivo a termos como “destruir” e “neutralizar”, por muito que lhe pareça estrategicamente justificado, dá azo inquestionavelmente ao fantasma da instabilidade que não pode ser relativizado. Há várias razões para isso, entre as quais o contexto continental e o seu pesado passivo histórico.
Angola carregará ainda por muitos anos o fardo de ser um país africano, percepcionado externamente como quase todos os outros países africanos são encarados: um país que se pode degenerar num repente e deixar-se engolir pela instabilidade política grave. Nas contas de qualquer investidor estrangeiro informado, até que o processo político angolano se torne indubitavelmente sólido, esse é dos riscos que jamais será colocado fora da equação. Mais grave ainda será para os investidores mal informados e de países que mal nos conhecem. Voltamos à ideia de entrada. João Lourenço terá certamente o apoio popular para manter o combate à corrupção, mas só até ao ponto de a agressividade do seu discurso se tornar visivelmente contraproducente, face aos objectivos que ele próprio persegue.
Finalmente, uma palavra incontornável sobre o uso do humor na visita de Estado efectuada a Portugal. A referência ao fogo que consumiu a Califórnia, em analogia à gestão do “fogo” que está ‘ateado’ em Angola, é, no todo, um recurso descuidado. E a explicação é simples: não é elegante fazer-se humor com uma tragédia humana que já enlutou quase uma centena de famílias, quando mais de cinco centenas de vítimas continuam desparecidas. Ao nível de um chefe de Estado, é muito pior.
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