O QUE ESTÁ EM CAUSA
A controvérsia persistente na forma como se combate a corrupção e a impunidade é prova material de que a agenda reformista de João Lourenço continua longe de gerar consensos. No espaço mediático, as opiniões mantêm-se divididas, entretanto com uma tendência clara de deturpação do discurso crítico à actuação do novo poder. Isso ficou demonstrado, mais uma vez, pela interpretação genericamente equivocada das críticas de Adalberto Costa Júnior. O presidente da Unita disse o que a generalidade dos críticos vem dizendo. Isaías Samakuva, em ocasiões distintas, fez o discurso que o seu sucessor repete agora. Em 2019, na abertura das actividades arroladas nas exéquias de Jonas Savimbi, Samakuva chegou a afirmar que “a luta contra a corrupção é selectiva, incompleta e mal direccionada”. Abel Chivukuvuku alertou também várias vezes que não se deveria confundir o combate à corrupção com o combate à impunidade, justificando que o processo ignorava o que se passa hoje na governação. O problema, portanto, não está na luta contra a corrupção, mas antes na forma inequivocamente selectiva como esse combate é empreendido.
Os exemplos amontoam-se e o caso de Augusto Tomás é dos mais ilustrativos. Angola constou e continua a fazer parte dos países mais corruptos do mundo. E o rosto dessa corrupção continua a ser a elite do MPLA que, desde que o país soberano existe, preencheu as funções e os cargos de generais, de ministros, de governadores e de gestores das empresas e institutos públicos, apenas para referir os mais relevantes. A maioria esmagadora dos empresários que acumulou fortunas, nos momentos de bonança, também é do MPLA. E muitos destes, directa ou indirectamente, acabaram por somar dezenas e centenas de milhões com negócios que lesaram o Estado. Não se pode compreender, por isso, que, mais de dois anos após o lançamento do proclamado combate à corrupção, apenas um ministro tenha sido julgado. É preciso referir que um dos argumentos que pesou na condenação do ex-ministro dos Transportes foi a alegada violação sistemática e continuada da lei do Orçamento, o que, seguramente, foi prática corrente nos ministérios e governos provinciais.
O caso de Augusto Tomás destapou, aliás, outro debate que os entusiastas de circunstância ignoram. O novo poder não foi capaz de explicar a retroactividade desse processo e, com isso, continua por se entender por que razão apenas o Ministério dos Transportes foi dissecado até ao tutano, num universo de mais de 30 ministérios. É preciso lembrar que, com excepção do caso da ex-ministra das Pescas, desencadeado na Namíbia, não há conhecimento público de qualquer outro ex-ministro que esteja a ser investigado na condição de ex-ministro. O processo contra Higino Carneiro está relacionado com a sua passagem por Luanda, ao passo que o caso de Manuel Rabelais se refere ao seu consulado no extinto Grecima.
Há quem evoque os próximos processos, que se seguirão ao ‘caso Isabel dos Santos’, como prova de que a justiça está a actuar de forma indiscriminada, mas há poucas dúvidas de que os próximos visados sejam figuras, de alguma maneira, próximas ao ex-Presidente.
Outro exemplo expresso de que o combate é para ser selectivo está na relutância do poder em avançar com a revisão da lei que regula a declaração de bens dos titulares de cargos públicos. Não se compreende que se queira combater a sério a corrupção, ocultado hermeticamente o património com o qual os ministros e governadores do novo poder entraram em funções. É isso o que está em causa.
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