Os comerciantes driblaram o chefe e marcaram Golo
Quando, a 3 de Setembro de 2018, disse que “as petrolíferas haviam driblado o chefe”, autoconvenci-me de que isso não voltaria a acontecer. Ninguém mais haveria de o fazer. Porém, voltou a acontecer, e com vingança. Só que, desta vez, não foram as petrolíferas: foram os comerciantes, esse “bando de sanguessugas” que “engordam” à custa de quem produz.
Quando, a 1 de Outubro, se iniciou a cobrança do IVA em Angola, não foi o público em geral a protestar, mas os comerciantes, as associações e agremiações à volta das quais eles se agrupam para defenderem os seus interesses específicos. E os contabilistas por eles pagos a peso de ouro. Esses grupos de interesses preocuparam-se com tudo e dispararam todas as armas ao seu dispor para deitar abaixo o propósito do Governo. Alegaram tudo o que havia por alegar, e até inventaram alegações que nada têm que ver com a nossa realidade. Houve quem do alto da sua cadeira imoral até dissesse que o executivo era surdo.
E, embora eu não tenha argumentos para dizer que não o é, levantei sérias perguntas às intenções de quem esperneava pornograficamente contra o IVA. Afinal de contas, há muita gente em Angola que não gosta de pagar impostos. Não gosta de pagar impostos e, não estando habituada a pagar, acha que é um sacrilégio ter de os pagar. Essa boa gente não consegue entender que, nos países onde se vive bem, se vive bem porque o cidadão desses países paga impostos. Impostos muitas vezes elevadíssimos. E é por pagar impostos elevados que esses cidadãos têm o direito de reclamar e exigir bons serviços públicos aos seus governos. Isso reflecte-se na qualidade de vida de suecos, dinamarqueses, noruegueses, suíços, australianos, entre outros. Em países como os Estados Unidos onde a indexação de impostos é baixa, a qualidade de vida é sofrível e, em certos aspectos, deixa mesmo a desejar. Por outras palavras, a qualidade de vida melhora com o aumento dos impostos. E nós, que pagamos tão pouco, a que qualidade de vida temos direito? Será que é por pagarmos tão pouco em impostos que temos de mandar os nossos filhos estudar onde os outros pagam impostos altos?
O executivo decidiu duma maneira “leviana” reduzir o IVA sobre alguns produtos da cesta básica por altura do seu segundo aniversário. Os comerciantes e seus pares conseguiram, desta forma, “derrotar” o Governo na sua intenção de melhorar as receitas. O Governo cedeu porque, segundo os comerciantes, o IVA aumentara o custo de vida dos angolanos. Mas foi mesmo o IVA o grande culpado pelo aumento do custo de vida? A mim parece-me que não.
Através deste exemplo, vemos que o preço de base destes productos da cesta básica, na sua origem, não aumentou mais do que cinco por cento nos últimos 4-5 anos à excepção do feijão. O que aumentou mais do que o sêxtuplo foi o preço em kwanzas. E isto não tem nada que ver com a introdução e cobrança do IVA. Isso é resultado dos cofres vazios e consequente desvalorização da nossa moeda. Exactamente por causa desta desvalorização, as receitas do estado em moeda real tornam-se menos significativas e daí a necessidade de, diria eu, aumentar os impostos para se tentar manter o nível.
Ora, isso só se resolve aumentando a produção interna dos produtos da cesta básica de modo a que o preço interno não sofra com o câmbio financeiro. E, para isso, é ainda preciso que os produtores internos não especulem nem indexem os seus produtos ao dólar. Não há razão nenhuma para que o feijão produzido no Cuanza-Sul seja vendido pelo mesmo preço que o feijão importado. Porém, os gurus do comércio, especuladores por natureza, aproveitam-se para melhorar o seu lucro. O camponês produtor de feijão no Cuanza-Sul de certeza absoluta que não aumentou o preço do seu feijão. Nem do milho. Pelo menos ao nível do aumento do preço dos produtos à venda nos centros urbanos. Quem aumentou o preço foram os comerciantes.
Só que, estando em campanha eleitoral, o general perdeu a coragem e acabou driblado pelos comerciantes que acabaram por marcar um golo, apesar de em ‘fora de jogo’. Numa jogada agradável de se ouvir, o general anunciou a diminuição parcial do IVA e lançou o caos aos operadores de contabilidade que, a partir de agora, têm a obrigação de separar os produtos e distinguir os valores a depositar nas contas da AGT. Por sua vez, a AGT vai ter de modificar a sua máquina operativa a partir do último trimestre do ano. Walalá, gritariam os meus contemporâneos ao assistirem a este drible mesmo não sendo do nosso Bangu.
E como fica a situação da receita que seria recolhida com o imposto agora retirado? O mais óbvio seria eliminar algumas das despesas extravagantes que o executivo tem em mãos. Desta maneira, o Governo deveria desfazer-se da frota automóvel. Pelos vistos, o nosso Governo é dono da maior frota automóvel de luxo do mundo, comprada aos preços mais altos de qualquer mercado, muitas vezes, com fundos emprestados e, como tal, a atrair juros muitas vezes elevados. O Estado, ao desfazer-se dessa frota, desfar-se-ia não só desses activos, mas também dos elevadíssimos custos da sua manutenção. E, a trabalhar para melhorar a colecta de receitas, vai sendo altura de aumentar substancialmente os impostos dos que auferem montantes elevadíssimos. Assim sendo, eu sugiro que todos os cidadãos deste país que auferem um salário igual os superior ao do comandante-geral da Polícia passe a pagar no montante em excesso entre 50% e 70% de imposto. Chamemos a este imposto de “contribuição de ganhos excessivos”. É preciso corrigir o que está mal e ganhar tanto pelo tão pouco que fazem precisa de ser corrigido. E, ao tomarmos esta medida correctiva, certamente estaremos a melhorar o que está bem. Afinal de contas, Sr. General, foi isso que o senhor prometeu durante a última campanha eleitoral. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.
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