OS IMBRÓGLIOS DO REPATRIAMENTO
É sintomático de algum desnorte ou de alguma motivação política que, a um mês do prazo para o repatriamento voluntário de capitais “ilícitos”, a lei aprovada na Assembleia Nacional com carácter de urgência não esteja regulamentada. Mais extraordinário do que isso, é a confirmação de que, até ao momento, ninguém é capaz de assegurar, de forma peremptória, se a lei deve ou não ser aplicada, na ausência de regulamentação.
No último número, o VALOR ouviu várias vozes. Pelo Procurador-Geral da República Adjunto veio a indicação de que ainda não tinha estudado o diploma no seu todo. Não foi, por isso, capaz de assumir se a lei deve ou não ser aplicada sem regulamento. Mota Liz referiu-se apenas a princípios genéricos de leis susceptíveis de serem aplicadas, sem regulamentação, mas sem mencionar especificamente a do repatriamento de capitais “ilícitos” domiciliados no exterior. Os diferentes especialistas consultados não argumentam o suficiente para fundamentar a possibilidade de aplicação ou não da lei sem regulamento.
Esta semana, o VALOR voltou ao tema, ouvindo os dois principais partidos na Oposição. A Unita e a Casa-CE convergem no sentido de que a lei devia ser de facto, regulamentada, antes de ser efectivada. André Mendes de Carvalho, um dos vice-presidentes da Casa-CE, até chega a levantar questões tão básicas quanto sérias para evidenciar o quão problemática é a falta de regulamentação da lei. O vice de Abel Chivukuvuku recorda que, por esta altura, é muito provável que as pessoas, eventualmente na condição de repatriar capitais, não saibam sequer como fazê-lo. Isto para não mencionar os bancos que não sabem responder como proceder em caso de algum interessado pretender trazer eventuais dinheiros ilícitos de volta. E se os bancos não sabem responder é porque ainda não receberam instruções do Banco Nacional de Angola. Foi, aliás, há poucas semanas, que o governador do Banco Central, José de Lima Massano, lembrava, na rádio pública, que ainda não tinha avançado qualquer orientação aos bancos, porque continuava à espera que a lei fosse regulamentada.
Somados todos esses factos, muito facilmente se conclui que não estão realizadas as condições legais e materiais para que o processo de repatriamento ocorra, com as garantias prevenidas na lei. E isto leva necessariamente a duas conclusões: ou o Governo agiu com alguma precipitação na determinação dos prazos para se garantir a execução da lei com lisura e eficácia, ou o Governo decidiu propositadamente complicar o processo para não facilitar a vida a certas pessoas que tenham recursos para repatriar. Sendo mais grave a segunda do que a primeira, qualquer uma das duas opções, em última instância, não serve o interesse nacional.
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