“Os municípios, depois das autarquias, vão entrar em situação de crise”
ENTREVISTA. Céptico em relação à forma como serão implementadas as autarquias, Luís Jimbo critica o Governo por querer “substituir-se” ao Parlamento, chama a atenção para muitos administradores não terem capacidade para prestar contas quando houver um poder local e lamenta a impossibilidade de um cidadão candidatar-se às eleições autárquicas, de forma individual.
As propostas do pacote legislativo autárquico já foram apresentadas. O que acha?
O Executivo, quando vem dizer que está a trabalhar na proposta de leis das autarquias, incorre no risco de fazer aquilo que não tem poder de o fazer. O artigo 164 da Constituição, na alínea d), diz que é à Assembleia Nacional que compete legislar, com reserva absoluta, sobre as matérias de eleições, estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, do poder local e dos demais órgãos constitucionais. Há tarefas específicas que estão associadas ao poder executivo, há tarefas que estão associadas ao legislativo. Há tarefas que são da sociedade civil, tanto como individuais ou organizações institucionais. É aqui, na divisão de tarefas, que há uma opção política do Executivo que não permite uma maior inclusão. O Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado apresentou propostas do sistema eleitoral, no entanto, isto é uma competência absoluta do Parlamento.
E o que é que se reserva à Comissão Nacional Eleitoral?
A Comissão Nacional Eleitoral foi excluída. Porque a estratégia do Executivo foi fazer das autarquias como se se tratasse de um resultado do programa de descentralização. Não. São duas coisas diferentes. A descentralização é um programa político-administrativo, enquanto as autarquias são uma tarefa jurídico-constitucional.
Mas tem confiança no processo de implementação?
A primeira questão a reter é que a implementação das autarquias é a terceira maior reforma política de Angola enquanto Estado. A primeira foi a independência e a segunda foi a constituição do multipartidarismo. A implementação das autarquias deve ser diferente do processo da independência, em que os três partidos, na altura movimentos de libertação, FNLA, MPLA e UNITA, se intitularam únicos e legítimos representantes do povo. Por isso é que esse processo de preparação tem de ser mais inclusivo.
Concorda com o modelo de candidaturas às eleições?
Na forma como se coloca, os partidos políticos partem em vantagem para apresentar listas. Sendo assim, todos aqueles membros de comités municipais dos partidos serão transformados em autarcas e secretários de autarcas. A UNITA e o MPLA ainda não conseguem chegar a consensos políticos no Parlamento para aprovar leis. Acreditamos que vão coabitar num contexto de, um ganha tudo e outro não tem nada. Os municípios não têm estruturas de associações locais, mas têm organizações partidárias e os comités de acção. Se fizermos uma sondagem de potenciais candidatos para as autarquias, tenho a certeza de que actores individuais da sociedade civil aparecem na primeira lista. Mas o nosso sistema não permite candidaturas individuais.
Quais serão as consequências?
A primeira é que vamos ter um retrocesso muito grande no que concerne à participação cívica. Vão perder-se as esperanças de que um angolano, enquanto cidadão, pode participar na política. Uma outra consequência é que não se vai realizar o princípio da autonomia administrativa e política.
Não acha que as autarquias vão fazer surgir várias associações locais?
Não necessariamente. Isso vai depender muito da dinâmica local. Há realidades em que o autarca pode dinamizar o surgimento de associações, mas há outras em que ao autarca não interessa dinamizar, porque é um contrapoder. Pela nossa realidade, as autarquias não vão estimular o surgimento das associações locais. O exemplo é o do poder central que, na sua forma, não estimula o surgimento de associações e organizações.
Que leitura faz sobre a questão da autonomia financeira?
O que vai acontecer é que, com a implementação das autarquias, vamos viver um período de ‘cair na real’. Alguns vão sobreviver e outros não. É a dinâmica da vida. Alguns estão entusiasmados que serão autarcas. Pode ter 30 anos de experiência de administrador municipal, mas não tem experiência de prestar contas. A realidade é completamente diferente. Até ‘cair na real’, ou o município fica na desgraça, ou será obrigado a pedir demissão.
Refere-se a uma crise de gestão?
Espero que percebam isso, no sentido real, do que eu quero dizer. Os municípios, depois das autarquias, vão entrar em situação de crise, porque vão viver novas realidades. Por isso é que a implementação das autarquias tem de ter uma abrangência além dos partidos políticos para que, em momento de crise, todos se sintam responsáveis para superar. Não me refiro só à crise financeira, mas à crise de maneira de estar, de que tudo aquilo de que se tinha esperança de que Luanda vai resolver. A esperança vai morrer no município, se o autarca ou o conselho não tiver capacidade de resolver.
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