PRIORIDADES INVERTIDAS
Uma das matérias que faz capa desta edição informa sobre uma compra absolutamente estranha do Governo, em tempos de verdadeiros apertos financeiros. Revelou, em primeira mão, a agência financeira Bloomberg que o Governo pagou 400 milhões de dólares a um grupo privado por uma mina de ferro paralisada, na Huíla. Qualquer ponta em que se pegue a história levanta questões incompreensivelmente graves sobre a decisão governamental. Mas duas referências podem ser suficientemente esclarecedoras. Em primeiro lugar, o Governo está com limitações sérias para honrar compromissos básicos, incluindo os serviços essenciais de saúde. A explicação é, claro, o afunilamento das contas do Estado, por conta da derrapagem do valor do petróleo que reduziu para abaixo da metade as receitas públicas. Em segundo lugar, o negócio das minas, e especificamente o segmento das minas de ferro, está em baixa nas praças internacionais e as expectativas de recuperação não são expressivamente animadoras. As contas apontam que, de Abril para cá, a queda do minério de ferro atingiu os 27%, caindo dos 70 dólares por tonelada métrica. Hás duas semanas, o presidente da Ferrangol, numa entrevista exclusiva ao VALOR, lembrava, aliás, que uma das condicionantes ao arranque dos projectos, com níveis de prospecção avançados, é precisamente o preço.
Ora, quer em termos de prioridades, face às alternativas recusadas, quer em relação às condições de mercado, a compra do Governo é, no todo, questionável. A explicação oficial das autoridades está muito longe de desfazer dúvidas. Diz o Decreto Presidencial que justifica a compra que se colocou a necessidade de reestruturação do projecto integrado minero-siderúrgico de Kassinga e Kassala-Kitungo. E acrescenta que o processo é parte da estratégia de intensificação da actividade de prospecção e exploração de minerais. O que o Governo se esqueceu de explicar é em que medida esses objectivos precedem o combate aos vários surtos que, há mais de seis meses, transformaram os hospitais do país em verdadeiros centros de carnificina, por incapacidade generalizada de respostas. Ainda que num prisma diferente, não seria de mais mencionar situações como a que relata o texto que faz a manchete sobre o risco de o país ser confrontado com processos judiciais, fora de portas, por conta de dívidas acumuladas com a realização do Censo Geral da População e Habitação de 2014. A julgar pelos números que apontam valores à volta dos 70 milhões de dólares, faz sentido questionar o custo de oportunidade. Entre resolver um conflito, com o potencial de agravar a mancha do país fora de portas, e oferecer lucros fabulosos a um privado, através de um projecto não prioritário. Em qualquer país normal e numa situação de aperto como a que se vive hoje, qualquer opção de gastos públicos, com rosto do absurdo, tinha de ser obrigatoriamente explicada. E se o Governo não se adiantasse a fazê-lo, estaria aí o parlamento para o exigir. Afinal é eleito, sobretudo, para isso.
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