Quando as semelhanças não são coincidências
Ao ocaso do Império Romano, formalmente reconhecido em Setembro de 476, quando o Rômulo Augusto foi deposto por Odoacro, um líder germânico, é associada a metáfora segundo a qual enquanto essa unidade política e territorial se esfarelava, a sua elite, decadente e alienada, organizava grandiosos bailes e festanças, aparentemente alheia a um poder que já estava em irreversível declínio.

É da História que a decadência do Império começou no século III, quando as elites romanas se foram gradualmente afastando dos deveres cívicos e militares que outrora sustentaram o império. Ao invés de se concentrarem na defesa e administração do vasto território romano, as elites passaram a privilegiar os prazeres pessoais, organizando festas luxuosas, orgias e banquetes caracterizados pela opulência. Com essas festas, as elites romanas não apenas fingiam ignorar o declínio do império, como também julgavam demonstrar poder e status que, na verdade, já lhes escapava.
Enquanto dançavam em faustuosos bailes, fingiam indiferença e negação da realidade em que viviam. As festas, regadas a vinho e extravagância, eram uma forma de escapar da dura realidade das fronteiras cada vez mais vulneráveis, das crises económicas e dos constantes conflitos internos. Os líderes e os ricos dançavam e embriagavam-se, aparentemente alheios ao desmoronamento das estruturas que sustentavam a sua própria existência. Eles comportavam-se como se nada estivesse errado, como se o império fosse eterno, ignorando os sinais evidentes de declínio.
Mas não foram apenas as elites romanas que imitaram a atitude da avestruz, que enfia a cabeça na areia para não ver a realidade circundante, sobretudo se ela configurar algum perigo. A avestruz teve seguidores noutras civilizações, que enfrentaram declínios semelhantes.
Em todas elas, as elites, protegidas pela sua riqueza e privilégios, frequentemente permaneceram alheias às pressões que corroíam e levavam à queda de todo o sistema.
Em suma, as festas e celebrações podem ser vistas como uma metáfora para a desconexão entre a liderança e o povo, um sintoma de um sistema que já não funciona, mas onde os poderosos continuam a usufruir dos seus privilégios até ao último momento.
Em Abril deste ano, e enquanto pelo menos 11 milhões de angolanos não têm o que comer diariamente, segundo dados do insuspeito Fundo das Nações
Unidas para a Alimentação (FAO), o Presidente da República de Angola foi a Portugal participar dos festejos do 50º aniversário da Revolução dos Cravos à testa de uma numerosa delegação, que incluiu músicos, apresentadores de televisão, políticos e respectivas parentelas, todos eles transportados, ao que consta, em mais do que três aeronaves.
A festança, organizada na Quinta do Mocho, teria consumido largas centenas de milhares de euros.
Desde Abril, o Presidente da República praticamente não parou de viajar. Rara é a semana em que não arranja pretexto para se deslocar ao estrangeiro, aparentemente alheio à cruel realidade do país que governa.
Reunido, como habitualmente, sob presidência do Titular do Poder Executivo, o Conselho de Ministros deu, a semana passada, mais uma demonstração do quão desfasado anda da realidade do país.
Tal como as elites de Roma se inebriavam em grandes festanças para não verem a dura realidade, o Conselho de Ministros, sob a “sábia” condução do Presidente João Lourenço tomava uma decisão que dá de Angola a imagem de um país que já ultrapassou problemas elementares, como falta de água, energia, comida, medicamentos, saneamento básico e outros. Num “rasgo” de país do primeiro mundo, o Conselho de Ministros
aprovou sexta-feira, 30 de Agosto, a Estratégia do Executivo para a Electromobilidade, documento que define as regras para a aquisição, uso, manutenção e carregamento de veículos eléctricos e impulsiona a sua massiva adopção em substituição dos veículos convencionais, com o que se promoverá a protecção do Meio Ambiente e a redução das emissões de gases com efeito estufa.
Será essa a prioridade de Angola? A energia hídrica, que Angola pode produzir em grande quantidade, é inimiga do meio ambiente?
Repete-se: o que se está a passar em Angola é réplica do que já se passou em outras paragens e civilizações que enfrentaram declínios semelhantes.
Protegida pela sua riqueza e privilégios, a elite angolana, “lucidamente” conduzida pelo Presidente João Lourenço, permanece alheia às pressões que levam à queda de todo o sistema. As festas e celebrações, as estratégias para a electromobilidade e outras são manifestações de desconexão entre a liderança e o povo. Isso significa que, o embora o sistema já não funcione, os poderosos
continuam a usufruir dos seus privilégios até ao último momento.
Enquanto a generalidade dos cidadãos vegeta na miséria, a moeda se desvaloriza diariamente, a corrupção atingiu níveis pornográficos, a instabilidade política já não é possível de disfarçar, a elite finge ignorar os sinais da decadência e favor de uma vida de prazer e de excessos.
A queda da Império Romano deveria ser tomada como uma lembrança amarga de que a riqueza e o poder, sem a responsabilidade e a conexão com a realidade, não podem sustentar uma civilização. O ocaso do Império Romano resultou, sobretudo, de uma falha interna da liderança, que escolheu ignorar as realidades em favor de um hedonismo fugaz.
Gerir bem os autocarros ou substituir os comboios, não! Queremos metro...