Repatriamento de capitais ilícitos à espera da aprovação do Parlamento
PROPOSTA DE LEI. Possibilidade de os detentores de capitais desviados serem membros do partido no poder deixa jurista céptico sobre a aplicabilidade da futura lei.
A proposta de Lei de Repatriamento de Capitais encontra-se já na Assembleia Nacional para discussão e aprovação do diploma, que, em seguida, deverá entrar em vigência. O Governo, que pretende reaver dinheiros públicos desviados para o exterior, espera celeridade na apreciação do documento por parte dos deputados.
Entretanto, os juristas Vicente Pongolola e Pedro Kaparakata divergem em relação à aplicabilidade da futura Lei de Repatriamento de Capitais. Para o primeiro, o projecto terá sucesso, enquanto o último acha que o diploma corre o risco de se transformar em ‘lei morta’.
Pedro Kaparakata, que se mostra céptico à intenção governamental, argumenta que “provavelmente todas as pessoas envolvidas são ex-governantes e membros do partido que suporta o Governo, sendo que esse facto, por si só, já dificulta a aplicação da lei”.
O jurista alertou para a possibilidade de os capitais públicos desviados estarem já investidos em negócios “bem-sucedidos” no exterior, o que poderá dificultar ainda mais a pretensão de os repatriar. “A Lei angolana pode entrar em conflito com o ordenamento jurídico de França, por exemplo, no que toca ao repatriamento de capitais, caso esse dinheiro esteja investido”, explica.
Por ouro lado, Pedro Kaparakata afirma que, além da elaboração do diploma, o Governo devia já identificar os indivíduos que estejam nesta situação e notificá-los, sem esquecer a responsabilização criminal dos envolvidos. “Aí é que teríamos, de facto, um combate ao desvio de capitais públicos”, afirma.
No entanto, o jurista Vicente Pongolola discorda da opinião do seu colega de profissão, afirmando que a futura Lei “tem tudo para funcionar”, tendo em conta “as boas relações de cooperação que Angola tem com diferentes Estados”.
“Actualmente, o mundo está atento à circulação de capitais, em função dos perigos que existem no que toca ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo”, observa. Aliás, continua o jurista, já há países que, há anos, têm estado a condicionar a movimentação desses valores, por ausência de explicações da sua origem. “Por isso, não acho que será difícil reaver esse dinheiro.”
Em relação à não responsabilização criminal, Vicente Pongolola vê com ‘bons olhos’ a medida do Governo e entente que se trata de uma “amnistia financeira ou económica” para incentivar os indivíduos envolvidos a repatriar, de forma pacífica e dentro dos prazos legais. “Porque o mais importante agora é recuperar os dinheiros, de que o país precisa muito.”
Aprovado em Conselho de Ministros, na semana passada, a proposta de Lei visa permitir que os cidadãos nacionais residentes e as empresas com sede no país e que tenham recursos financeiros no exterior possam, voluntariamente, repatriá-los para serem investidos em Angola.
O governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, explicou que a proposta de Lei cria um conjunto de incentivos para que esses recursos possam ser livremente repatriados. O dispositivo legal deverá criar também instrumentos para, no caso de recursos ilícitos retidos no exterior do país, possam ser igualmente retornados, tendo-se concedido um período de 180 dias para que esse processo aconteça, sem que, por parte das autoridades, seja exercido qualquer poder criminal, judicial ou de qualquer outra natureza.
“Concluído o período de 180 dias, e naqueles casos de recursos ilícitos se mantenham no exterior do país, as autoridades vão então fazer recurso a todos os meios que têm à sua disposição para, nos termos da lei, assegurarem o seu repatriamento para o território nacional e serem integrados na nossa economia e apoiarem o esforço de desenvolvimento”, avisou o governador do BNA.
Em relação aos capitais lícitos, Massano frisou que “o processo é voluntário” e quem tem recursos no exterior e os queira trazer pode fazê-lo livremente. “Durante os primeiros 180 dias de vigência da lei, quer sejam os recursos de forma lícita como de forma ilícita, não será feito qualquer questionamento, posteriormente volta-se ao quadro de normalidade, no âmbito das regras de ‘compliance’ que serão aplicadas”, observou.
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