UMA PALHAÇADA

08 Sep. 2020 V E Editorial

Vamos directos à questão. Tudo o que sabe, até hoje, sobre o ‘caso 900 milhões’ de São Vicente sugere que as autoridades angolanas tudo fizeram, até agora, para proteger o genro de Agostinho Neto. Só isto explica que o poder político e a justiça tenham ignorado novecentos milhões de provas para anexar mais um caso à sua duvidosa cruzada contra a corrupção e a impunidade. E, mais do quaisquer outros factos, os paralelos falam por si.

Carlos Panzo foi indiciado na Suíça por branqueamento de capitais, a propósito de um alegado esquema de corrupção da Odebrecht em que terá beneficiado de 11 milhões de dólares. João Lourenço não perdeu tempo e afastou-o da posição de seu assessor para os assuntos económicos, apenas duas semanas depois de o ter nomeado. A Procuradoria-Geral da República também abriu inquérito e confirmou oficialmente trocas de cartas rogatórias com as autoridades suíças. Com o caso a transitar para Espanha, onde Panzo foi detido, a PGR chegou a pedir a sua extradição para Angola. Repita-se: por 11 milhões de dólares, a PGR abriu processo, comunicou-o à sociedade angolana e ao mundo e moveu-se para ver Panzo extraditado para Luanda. Mas, por 900 milhões de dólares congelados (mais de 4% do OGE) e com São Vicente acusado do mesmo crime que Panzo na Suíça, a PGR mantém-se surda e muda: não fez comunicado, não se pronunciou sobre o processo e não se sabe de nada. A única certeza é que São Vicente até ‘corre o risco’ de ver os seus dinheiros liberados, caso Angola não questione a legitimidade desses valores nos prazos certos. 

Há outras comparações, em termos numéricos, que mostram como a PGR e o poder agem descaradamente para proteger São Vicente. Desde logo, nenhum outro caso de suspeita de alegados desvios de recursos públicos ficou perto dos 900 milhões de São Vicente em conta corrente. Os valores que têm sido referidos nos casos em que Isabel dos Santos é citada não servem de exemplo, porque não passam de meras extrapolações. São números tão imaginários que a própria PGR começou por colocá-los em pouco mais de mil milhões de dólares, saltou num ápice para mais de cinco mil milhões de dólares e, a dado momento, chegou a referir mais de dois mil milhões de dólares. E o ‘caso 500 milhões’, excluindo todos os factos que o tornam falacioso e que revelam uma actuação orientada da justiça, na opinião da defesa, os dinheiros acabaram regressados ao país. Dir-se-á o mesmo de Augusto Tomás, que acabou condenado sem que ficasse efectivamente provado, em Tribunal, que se beneficiou dos desvios de que foi acusado. Isto está mesmo muito próximo de uma palhaçada.