ANGOLA GROWING
“ISENÇÕES FISCAIS PODEM BAIXAR” PREÇOS DAS PROPINAS NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

Universidades privadas defendem apoio do Estado

FORMAÇÃO.Com arranque das aulas no ensino superior marcado para 1 de Março, o VALOR levanta um tema, habitualmente, fora das discussões sobre a qualidade do ensino: a dimensão do negócio. Gestores ligados ao sector avançam que construir uma universidade pode custar mais de 50 milhões de dólares. Quanto aos lucros, a média dos últimos cinco anos ficou-se abaixo dos 10%.

 

Instituições privadas do ensino superior, em Angola, são ‘famosas’, fundamentalmente, pelos preços de emolumentos e propinas mensais que cobram (consideradas exorbitantes) do que pela qualidade de serviço que prestam.

Mas o que publicamente não se debate são as motivações que estão na origem da elaboração das ‘contestadas’ tabelas de preços. Aliás, o objecto social das universidades (formação de quadros), geralmente, acaba por omitir o lado empresarial destes empreendimentos.

No entanto, investidores e reitores ‘lembram’ que abrir uma universidade também é fazer negócio, embora ressalvem que se trate de um ‘business estratégico’ para o desenvolvimento de qualquer Estado, desmistificando a ideia de que esse empreendimento é de ‘alta’ rentabilidade, cifrando-se o lucro anual abaixo de 10%. Aliás, defendem isenções fiscais com o intuito de reduzir o custo da formação superior no sector privado.

Nos últimos dez anos, o empresariado privado vem erguendo ‘grandes infra-estruturas’ com ‘olhos postos’ na formação superior. Os edifícios que albergam as universidades Católica de Angola, Independente, Lusíada, Gregório Semedo, Óscar Ribas, Metodista de Angola e IMETRO, por exemplo, ilustram bem o ‘pesado’ investimento dos promotores deste sub sistema de ensino. As construções destes ‘prédios universitários’ são, geralmente, conseguidas com recurso a créditos bancários, chegando cada projecto a ultrapassar os 50 milhões de dólares. “Hoje, praticamente não consegue-se ter uma universidade qualificada com menos desse valor”, comparou, em anonimato, um promotor.

“Nós fomos felizes, porque tivemos uma parceria com o banco BIC, que financiou, em mais de 40 milhões de dólares, uma infra-estrutura que está visível à comunidade”, regozija-se o reitor da Universidade Óscar Ribas, Eurico Wongo, acrescentando que “o edifício já está equipado e, por causa da variação cambial, os prazos para a devolução (cincos anos) terão de se alagar”.

Questionado se o banco deu tratamento diferenciado por se tratar de investimento no ensino, respondeu que “a diferenciação é um elemento a ser ganho pelas instituições, não é que, de antemão, os bancos criem vantagens para uma instituição em detrimento de outra”.

Já com as verbas e depois de construídas e apetrechadas as universidades, as contas dos promotores viram-se para os valores e prazos de reembolso dos créditos. Há casos em que se mostram com dificuldades de cumprir os termos contratuais. Aliás, de acordo com fontes bancárias, no crédito mal-parado, que a banca vem reclamando, estão também envolvidos financiamentos para a construção de infra-estruturas privadas de ensino superior.

Há investidores, que construíram as ‘escolas’, começando a leccionar sem estarem devidamente autorizadas pelo Ministério do Ensino Superior, pelo que foram obrigados a encerrar os estabelecimentos. O Instituto Superior São Francisco de Assis, localizado na via-expressa, em Luanda, é um exemplo de promotores que não tiveram retorno do investimento, pelo menos através de mensalidades dos estudantes. A instituição foi encerrada por ordem governamental, ‘mal’ começou a funcionar.

DESPESAS OPERACIONAIS

As reitorias das instituições evitaram apontar os números reais dos custos operacionais, mas alistaram os ‘itens’ em causa, que vão desde a manutenção de equipamentos aos salários de funcionários. A Universidade Gregório Semedo (UGS), situado no Morro Bento, em Luanda, por exemplo, tem de custear diariamente a manutenção de cerca de 50 salas de aulas, um anfiteatro, um auditório, uma sala de audiência, gabinetes, uma biblioteca, oito laboratórios informáticos e um parque de estacionamento de viaturas.

A administração da UGS tem ainda de desembolsar valores para o combustível e assistência técnica de três grupos geradores, um sistema de captação de água e cinco centrais de ar condicionado.

Alojamento para docentes, principalmente estrangeiros, uma rede informática de fibra óptica, que suporta 400 computadores, um sistema de comunicação interna, uma reprografia e contrato com empresas de limpeza, jardinagem, logística e protecção física estão também na folha dos custos operacionais daquele complexo universitário, sem esquecer o pagamento de salários de mais de 600 funcionários.

A promotora da UGS é a Intellectus, que tem de suportar os mesmos custos fora de Luanda, tendo em conta que também ´promove’ o ensino universitário na Huila e no Namibe. As despesas de funcionalidade assumidas por este promotor é, basicamente, igual a de outros, embora as instituições de ensino superior sejam diferentes em termos de dimensão.

Por exemplo, a Universidade Óscar Ribas (UOR), localizada em Talatona, em Luanda, tem, pelo menos, 25 professores estrangeiros. Para cada um, só em residência, assistência médica e transporte, a UOR desembolsa cerca de 500 mil kwanzas (quase três mil dólares) por mês. No geral, o valor sobe para cerca de 75 mil dólares apenas para os três itens mencionados. Globalmente, a universidade tem 121 funcionários entre docentes e não-docentes (pelos menos, cem são professores). Estes cálculos são os que, seguramente, estudantes não querem fazer, mas, reflecte-se no seu bolso.

RETORNO DO INVESTIMENTO

A cobrança de emolumentos e propinas mensais é a única fonte de receitas das instituições privadas de ensino superior e, por conseguinte, a garantia de reembolso do financiamento cedidos pelos bancos. Por exemplo, das mensalidades pagas pelos cerca de três mil estudantes da UOR, uma parte é encaminhada para a devolução (com juros) dos 40 milhões de dólares que o promotor desta universidade pediu de crédito bancário, para a construção de uma nova infra-estrutura.

Os preços das mensalidades vão de 27 mil a 40 mil kwanzas. Cursos de engenharias e medicina são os mais caros. Na Universidade Lusíada, para todos cursos passou-se a cobrar um preço único de 39 mil kwanzas. Os investidores têm prazos a cumprir no processo de devolução do dinheiro emprestado pelos bancos, pelo que são penalizados em casos de incumprimento, segundo os entrevistados.

As universidades também penalizam os estudantes quando não pagam as mensalidades nos ‘timings’ acordados. Fontes bancárias avançaram que várias universidades, além do crédito de investimentos, recorrem também ao crédito bancário para o pagamento de salários, tendo em conta que cerca de 30% dos estudantes não pagam as propinas dentro dos prazos contratuais.

Ainda de acordo com as fontes bancárias, este facto, ‘empurra’ as instituições privadas do ensino superior no grupo de potenciais clientes dos bancos. A UGS, segundo dados da sua reitoria, desde 2014, cerca de oito mil candidatos a estudantes inscrevem-se nas suas instalações em Luanda, Huila e Namibe.

Deste número, um pouco mais de um terço dos estudantes deixa de pagar propinas e abandona a instituição antes do final do primeiro semestre. Mas a administração é ‘obrigada’ a manter, ao longo de todo o ano, os custos operacionais que são assumidos para a prestação dos serviços educativos contratados a todos os estudantes inscritos no início do ano. Este comportamento também se regista em outras universidades. Em países mais desenvolvidos, as instituições do ensino universitário, além da formação, desenvolvem várias investigações científicas, em parceria com empresas, diversificando, deste modo, as fontes de receitas.

De acordo com a vice-reitora para os assuntos académicos da Universidade Católica de Angola (UCAN), Maria Helena Miguel, o ensino superior angolano também deverá caminhar para este modelo. “Existe um certo receio de empresas em contratarem as universidades locais. Mas já existem, no país, universidades que podem dar respostas às necessidades das empresas sem o luxo de contratar no estrangeiro. A UCAN tem feito isto”, apontou.

Já o reitor da OUR, Eurico Wongo, reforça, avançando que “tem havido algum contacto com o Governo, no sentido de identificar soluções para determinados problemas. “É lógico que temos de ampliar os espaços de consulta. Por exemplo, temos um projecto com o Angola LNG, de formação de pessoal.

Isto mostra que as universidades já começam a ser vistas como produtoras de conhecimento”, sublinha o professor doutor, acrescentado que têm a missão de sensibilizar as empresas que as universidades são, de facto, o centro da promoção dos conhecimentos que dinamizam as empresas.

REDUÇÃO DE IMPOSTOS

Por se tratar de formação de quadros, condição ‘sine qua non’ para o desenvolvimento do país, vários promotores entendem que o Estado não deva tratar as universidades privadas como quaisquer empresas comerciais.

Deste modo, defendem benefícios fiscais, nomeadamente isenção de pagamento de taxas alfandegárias na importação de bens, como equipamentos técnicos e bibliográficos, e redução do imposto industrial, que está taxada em 30%.

Desta forma, entendem os interlocutores, as universidades teriam menos ‘apertos financeiros’, facilitando maior investimento na produção académica-científica, podendo também baixar os preços das propinas. “Teríamos instituições de ensino superior a progredirem com sustentabilidade para níveis superiores de competitividade interna e internacional”.

“Os cidadãos teriam um ensino de qualidade que lhes permitiria ter sucesso pessoal e profissional e o Estado, através do emprego dos licenciados e os correspondentes impostos que pagariam, teria o retorno dos valores não recebidos devido aos incentivos fiscais concedidos”, explica o presidente da Associação das Instituições de Ensino Superior Privadas de Angola (AIESPA), José Semedo.

Os entrevistados sublinharam ainda que o Estado deveria criar um fundo para promover e apoiar investigações científicas, tanto realizadas pelas universidades públicas, como pelas privadas.

“Considero indispensável. Dada a dimensão do próprio subsistema e do reconhecimento que existe sobre os custos para a produção científica, devia haver verbas para o acesso directo.

Esperamos também que o próprio satélite, que Angola está a projectar, traga melhorias para a produção científica”, desejou o reitor da Universidade Óscar Ribas.