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Vamos nacionalizar as escolas privadas e treinar os professores – II

11 Aug. 2020 Opinião

Quando, na edição de 20 de Julho, falei sobre a privatização das escolas, não me passou pela cabeça que ia pôr a mão num ninho de marimbondos. Infelizmente, foi o que aconteceu. E vejam lá que até de bárbaro me chamaram. Eu, um caluanda do bairro Operário, de repente, virei bárbaro. É caso para dizer, ‘sukuama’.

Antes de me alongar, quero aqui sublinhar que acredito que a quem se propõe fechar a escola que possui o Estado nacionalize essa instituição. Basta um pequeno detalhe para justificar que assim se proceda. Essa instituição de ensino teve alunos que completaram os estudos. Se, por acaso, fecharem, quem daqui a cinco-dez anos emitirá um certificado de aprendizagem desses alunos? Basta este ponto para dizer que nenhuma instituição de ensino pode simplesmente fechar. Os mercenários do ensino, sabendo disso, tentaram encostar o Governo à parede. Por isso, eu acredito que essas instituições de ensino, que se propõem fechar em total desrespeito pelos estudantes e pela sociedade, sejam nacionalizadas. Aqui, repito, o Governo tem a obrigação de nacionalizar as escolas que forem encerradas pelos donos neste momento de crise. Os donos têm de aprender a viver com os dias difíceis.

Porém, o mais importante é o aspecto de se treinarem os professores. Os meus detractores falaram, e bem, da qualidade dos professores. Ignoraram a minha proposta para que, nesta fase, se treinassem os professores. Pelo que me é dado a perceber, a grande maioria dos professores precisa de treino intensivo para haver melhoria global. E, posteriormente, precisam de reciclagem periódica. De desenvolvimento contínuo. Só assim poderemos ter um ensino da mais alta qualidade, tão alta quanto quisermos.

Fui ainda acusado de ser comunista, por alguns, e socialista, por outros. Definitivamente, não sou nem uma coisa, nem outra, embora acredite que os socialistas e comunistas também fazem coisas boas e dignas da sociedade. O ensino de Cuba e da Coreia do Norte são exemplo vivo disso.

Defendo o conceito de escolas públicas de referência porque sou fruto de escolas públicas. Fiz a minha educação primária nas escolas do funje e 147. O secundário, foi no Salvador Correia e no Paulo Dias. E depois a Universidade de Luanda. Tudo escolas públicas. Foram meus colegas muitos dos letrados que hoje participam do Governo, da Assembleia Nacional, dos órgãos de justiça e até do exército. Das escolas públicas saíram deputados, ministros, presidentes, médicos, generais e demais actores sociais, incluindo vagabundos e marimbondos. Quando frequentava o ensino primário e secundário, havia colégios em Angola e tinham estudantes. Porém, quem andava nesses estabelecimentos?

Regra geral, eram os meninos ‘burros’, os malcomportados, muitas vezes, os que eram expulsos das instituições públicas. Aqueles que perdiam o lugar na escola pública. A sociedade olhava para estes indivíduos como párias. E eram tão poucos, coitadinhos….

Havia alguns filhos de fazendeiros que, vindos do interior, iam para esses colégios porque, regra geral, ofereciam alojamento e a disciplina necessária de que os jovens precisam quando estão longe dos pais.

Nessas escolas públicas, estudei com os filhos dos capitalistas na altura. Que me recorde, estudei com os filhos de pelo menos dois governadores, de generais, médicos, e toda a cúpula desses dias da vida colonial. Estudei também com filhos de operários (sendo eu um deles) e de camponeses. E se é verdade que o ensino não era global, também é verdade que tinha qualidade e rigor.

O que precisamos hoje é da globalidade que não havia. Precisamos de rigor. Para tal, precisamos de bons professores, bem qualificados, bem treinados, para darem a este país os gestores de que precisamos. Será que há matéria prima para tal? Eu acredito que sim.

Os professores têm de começar a ser tratados como professores, como os fazedores da sociedade que eles são. Têm de ser respeitados por pais e alunos. Têm de ser respeitados pelo Ministério da Educação. O professor tem a nobre função de fazer mentes, de ensinar, de transmitir educação, cultura, moral e hábitos salutares. O professor não tem de limpar o pátio da escola. E o professor da escola pública tem de ser pago. Tem de ser muito bem pago. Se um oportunista qualquer promovido a deputado beneficia de um milhão de kwanzas de salário, um professor deverá beneficiar de um milhão de kwanzas. Deputado qualquer um pode ser. Até eu. Professor não é qualquer um.

E é aí que reside o problema. Qualquer mercenário do ensino abre um colégio. Um instituto. Uma universidade. Porquê? Porque o índice de salário é tão baixo e as propinas tão altas que se podem dar a esse luxo. Até pensam que isto é capitalismo. E, ainda por cima, não têm responsabilidade nenhuma pelo produto final. Nem respeito pelos antigos alunos ao proporem-se fechar as respectivas instituições.

A título de exemplo, só temos de olhar para as ‘dignas escolas’ do mundo. Harvard, Yale, MIT, Imperial College, Universidade de Beijing, Universidade de Coimbra, Sorbonne, etc., são todas elas instituições públicas. Entre os maiores centros de educação do mundo, não existem instituições privadas e esta é mais uma razão para o Governo nacionalizar aquelas que o ameaçam fechar só porque os donos deixaram de facturar feio.

Só assim poderemos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganha é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola