Carta dirigida ao Presidente da República

Zénu dos Santos renuncia ao indulto de João Lourenço e aponta “equívoco legal”

JUSTIÇA. Filho de José Eduardo dos Santos lembra que existe uma decisão do Tribunal Constitucional que anulou a sua condenação, razão pela qual não pode ser incluído entre os angolanos indultados. ‘Zénu’ dos Santos apela a João Lourenço a usar as suas prerrogativas constitucionais para que o Tribunal Supremo execute a decisão do Constitucional.

Zénu dos Santos renuncia ao indulto de João Lourenço e aponta “equívoco legal”

José Filomeno dos Santos, antigo presidente do conselho de administração do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) e filho do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, escreveu a João Lourenço esta semana a renunciar ao indulto presidencial que lhe foi concedido, ao abrigo do Decreto Presidencial nº. 295/24, de 27 de Dezembro.

Publicada em primeira mão pela televisão portuguesa SIC, a carta dirigida a João Lourenço e a qual o Valor Económico teve acesso sublinha um “equívoco legal” como a razão que terá justificado a sua inclusão entre os angolanos indultados. “Tomamos a liberdade de endereçar a Vossa Excelência o presente para, em primeiro lugar, enaltecer a decisão de indultar vários cidadãos, mediante o Decreto Presidencial nº295/24, de 27 de Dezembro. E, em segundo, para dar nota do equívoco legal que levou a nossa inclusão na lista dos cidadãos indultados, porquanto não preenchemos os pressupostos estabelecidos para o efeito no âmbito do Código Penal Angolano (nº4 do artigo 139º.)”, escreve o antigo gestor do FSDEA.

Na carta, José Filomeno dos Santos lembra a João Lourenço a trajectória do processo sobre o ‘caso 500 milhões’ que culminou com um acórdão do Tribunal Constitucional, em Abril do ano passado, que anula a condenação do Tribunal Supremo, mas que Joel Leonardo se tem recusado a acatar. 

“Como é do conhecimento público, em 2020, fomos condenados em primeira instância pela Câmara Criminal do Tribunal Supremo e, no quadro do Estado de Direito, recorremos da decisão na expectativa de vermos corrigido e sanado o conjunto de princípios e normas constitucionais não observados que prejudicaram significativamente a nossa defesa. Porém, o Plenário do Tribunal Supremo manteve a decisão, com todas as vicissitudes afloradas ao longo do julgamento. Inconformados, recorremos da decisão ao Tribunal Constitucional e este douto tribunal declarou, no acórdão nº 883/2024, inconstitucional a decisão do Plenário do Tribunal Supremo, que faz deste processo um caso julgado formal e material, dado o estipulado no nº. 1 do artigo 47º. da Lei do Processo Constitucional que diz ‘a decisão do recurso pelo Tribunal Constitucional faz caso julgado no processo quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada e apenas no processo em que foi levantada’, conjugado com o artigo 6º da Lei nº. 2/08, de 17 de Junho, a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional que diz ‘as decisões do Tribunal Constitucional são de natureza obrigatória para todas as entidades públicas ou privadas e prevalecem sobre às dos restantes tribunais e de quaisquer autoridades, incluindo do Tribunal Supremo’”, argumenta Zénu dos Santos.

“Surpreendentemente”, lê-se na carta, “o Plenário do Tribunal Supremo não acatou a decisão do Tribunal Constitucional e decidiu proferir uma ‘nova decisão’, afrontando a Constituição da República, em concreto o princípio constitucional non bis in idem (nº5 do artigo 65º da Constituição), o dever de cumprimento obrigatório das decisões dos tribunais (nº2 do artigo 177º), assim como o princípio da legalidade na medida em que o acórdão do Tribunal Constitucional não foi executado pela instância competente, a Câmara Criminal do Tribunal Supremo, nem conforme a decisão.”

Apontando que tem necessidade de se ausentar do país “o mais urgente possível, por razões de saúde e para atender a preocupações familiares”, Zénu dos Santos argumenta, no entanto, que não vê “como acolher o respectivo indulto”, apelando a João Lourenço para que, no quadro das suas prerrogativas constitucionais, exerça a devida magistratura de influência para a reposição dos seus direitos, liberdades e garantias” que  “estão a ser grosseiramente violados pelo Tribunal Supremo”. “Somos assim a apelar a Vossa Excelência Presidente da República, no âmbito das prerrogativas constitucionais (nº5 do artigo 108º da Constituição), no sentido de interceder para que sejam respeitados os nossos direitos, o acórdão do Tribunal Constitucional e a Constituição da República de Angola em última instância”, escreve José Filomeno dos Santos.

Além do conhecido ‘caso 500 milhões’, a propósito do qual João Lourenço concedeu o indulto, mas cuja condenação foi anulada pelo Plenário do Tribunal Constitucional, ‘Zénu’ dos Santos respondeu a um outro processo em 2018, relacionado com a gestão do Fundo Soberano. 

As autoridades angolanas nunca comunicaram oficialmente o desfecho desse caso, mas fontes judiciais garantem ao Valor Económico que esse processo foi arquivado ainda em sede da instrução preparatória, na Procuradoria-Geral da República. 

Informações nunca desmentidas apontam que a equipa de João Lourenço terá chegado a acordo com o principal arguido do processo, o suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, depois de o Governo angolano ter sido derrotado no mesmo processo na Inglaterra, tendo sido acusado por um tribunal londrino, entre outras, de litigância de má-fé, ao esconder informação relevante para a decisão do juiz.      

Em 2019, a imprensa internacional noticiou também que o Estado angolano havia abandonado todas as queixas que envolviam a gestão do Fundo Soberano de Angola.