ANGOLA GROWING
Elisa Rangel Nunes

Elisa Rangel Nunes

Este título merece uma segunda edição, oh se merece.

Agora para a Administração Pública Fiscal, a nova AGT, cheia de licenciados, mas também cheia de falta de regras.

Dirão, mas as leis aí estão, foram aprovadas e estão em vigor. Mas a questão fulcral permanece: que importam as leis, se não as sabem aplicar, se não existem pessoas para as interpretar e aplicar?

Pessoas há muitas, pois esta administração está cheia, gora pessoas ágeis de cabeça e com vontade de ajudar o cidadão a resolver os problemas que o levam aos seus balcões, isso é que continuamos com dúvidas.

Há dias, contei aos meus alunos que, em tempos, tive problemas para fazer o desalfandegamento das minhas “Lições de Finanças Públicas”, porque, sem que soubesse, algum funcionário da repartição fiscal decidiu atribuir-me a qualidade de pessoa colectiva, só porque, como profissional liberal e com escritório aberto, pago IRT e imposto de selo sobre as facturas que emito aos clientes.

Fiquei com os livros retidos na alfândega do aeroporto porque tinha de enviar para o Ministério do Comércio o alvará da tal pessoa colectiva, que nunca existiu.

Bem foi um processo e tanto de espera e que espero tenha sido mesmo resolvido, porque os livros saíram da alfândega.

Porém, já tinha contas feitas de juros e multas por ter atrasos de imposto industrial. Mas os meus desencontros com a AGT não ficaram por aí.

Precisei de certidões matriciais actualizadas e tive de ser eu a fornecer às repartições fiscais os dados sobre as avaliações patrimoniais feitas em 2011, por aquelas repartições, pois os dados foram dar uma volta não se sabe por onde.

A verdade é que os impostos têm sido pagos regularmente com base no novo valor patrimonial que foi atribuído.

A contribuinte cumpre entregando anual e regularmente o IPU, convicta de que a AGT tem os seus dados actualizados e afinal apanha um grandessíssimo balde de água fria ao saber que os dados foram arejar.

O que mais virá a seguir???? Sim porque, no próximo ano, haverá mais livros e mais impostos prediais a pagar.

Luanda, 12 de Outubro de 2015

*In ‘Crónicas de um criticismo acrítico’, 1ª Edição, Março de 2016

O episódio narrado no folheto I acerca da arbitragem em Angola (texto publicado na edição anterior do VALOR) merece ser completado com os desenvolvimentos que se seguiram.

Depois da suspensão dos árbitros pelo Tribunal Provincial de Luanda, a parte demandada intentou uma acção cautelar ou providência cautelar, junto de um tribunal superior, com a finalidade de suspender o procedimento arbitral e multar os árbitros, que, no seu entender, ao emitirem despachos no foro arbitral, estariam a praticar ilegalidades. A providência foi intentada contra a demandante, visando aqueles objectivos.

Ora, tendo sido ignorado o preceito constitucional que legitima e que se rege pela lei da arbitragem como meio extrajudicial de resolução de litígios e que se rege pela lei da arbitragem voluntária aprovada pela Assembleia Nacional em 2003, veio dar-se provimento à providência, suspendendo o processo arbitral. Quanto à multa remeteu a decisão para a acção principal. Perante este quadro, uma convicção fica patente: é que é preciso que os juízes do foro judicial investiguem mais sobre o que é a arbitragem e o seu lugar na resolução de litígios de forma extrajudicial.

Não se entende que, existindo tanta literatura e doutrina sobre a matéria arbitral, os juízes angolanos, tanto da primeira instância, como da última instância, profiram despachos e sentenças que contrariam a lei e até a própria Constituição da República, que determina a existência de outros meios de resolução de litígios, cuja regulação remete para a lei.

E o mais curioso de tudo isto é que a lei já existe, não está ainda por criar. E tal lei encontrava-se e encontra-se em franca aplicação.

Tudo isto foi ignorado, e a providência cautelar foi deferida, indo de encontro ao pedido da demanda, que é uma empresa pública.

Os árbitros, que eram os visados, não foram tidos, nem achados, nem tão pouco se lhes deu conhecimento de que a providência estava em curso naquele Tribunal superior. Vá-se lá saber porque?

Tudo visto e ponderando, a arbitragem parou por interferência do poder judicial, ao arrepio do que determina a Constituição da Republica de Angola e a Lei da Arbitragem Voluntária.

Pergunta-se: à arbitragem, que destino?

Luanda, Janeiro de 2014

*Texto extraído da obra ‘Crónicas de um criticismo acrítico’, 1.ª edição, Março de 2016.

Aqui há uns anos, a expectactiva de trazer para Angola uma forma diferente de meditação de conflitos, que fosse menos morosa e dependente da vontade das partes envolvidas em determinado negócio jurídico, depois de muitos penares e tempos de espera, lá foi conseguida com a aprovação, pela Assembleia Nacional, em2003, da Lei da Arbitragem Voluntária, cujos trabalhos preparatórios assentaram nos princípios que estão patentes na Lei Modelo de CNUDCI ou UNCITRAL de 1985.

A partir da altura em que essa Lei de 2003 entrou em vigor, muitos litígios têm sido resolvidos, por via de arbitragem ‘ad hoc’, com tempos processuais mais suaves do que os que têm caracterizado a justiça estadual.

Até já foram autorizados pelo poder executivo dois centros de arbitragem institucionalizados, tudo levando a crer que o instituto de arbitragem veio para ficar e tem vindo a implantar-se muito bem.

Em 2010, com a entrada em vigor da Constituição, este texto fundamental não deixou de acolher uma norma (artigo 174.,º n.º 4) sobre a faculdade de serem dirimidos litígios por meios extrajudiciais, remetendo para a lei a sua constituição, organização, funcionamento e competência. Significa que tais meios alternativos de resolução de conflitos passaram a ter assento constitucional.

Recentemente, num dos jornais editados em Luanda, A Capital foi publicada a estrondosa notícia de que o presidente do Tribunal Provincial de Luanda suspendera dois árbitros entre os quais me encontrava eu, numa arbitragem internacional, por lhe terem tentado usurpar os poderes que a lei lhe conferia, por ocasião da recusa de um dos três árbitros, por uma das partes litigantes.

O jornal não explicou de que tipo de tentativa de usurpação se tratou, mas, quando se trata de querer deitar a baixo alguém em público, tudo serve. Imagine-se lá eu a usurpar poderes a alguém, muito menos, no exercício de uma função de responsabilidade como é o poder jurisdicional.

Há quem, de facto, seja pouco profissional e troque favores pelo profissionalismo. Não é o meu caso, nem nunca foi.

Na modéstia e abnegação pelo trabalho, tive um percurso profissional e académico limpo e em tudo o que fiz saí sempre de cabeça levantada. Há quem não possa dizer o mesmo, infelizmente!

Nem tão-pouco é verdadeira a podridão de que acusam o presidente do tribunal arbitral, que, tendo sido juiz presidente do Tribunal Supremo de Cabo Verde, não vinha sujar-se para Angola, em tamanha imprudência, não. Seria acto de pouca maturidade e, senão mesmo, uma imprudência profissional.

Diz-se que em Cabo Verde os altos profissionais da justiça e outros são pessoas honestas, são verdadeiros quadros ao serviço da pátria.

E a minha perplexidade aumentou, ao ter sido alvo de tal aviltamento, porque as regras que orientam as arbitragens internacionais e a lei angolana da arbitragem voluntária não contêm norma nenhuma que pudesse fundamentar aquela suspensão.

As regras da UNCITRAL de 1976 (artigos 9.º a 12.º), a propósito da recusa e renuncia de árbitros, determinam que, havendo motivos que se prendam com a independência e/ ou imparcialidade de um árbitro, uma das partes pode pedir o seu afastamento, dando conhecimento disso à parte contraria, ao árbitro recusado e aos restantes árbitros.

Se no prazo de 15 dias, a parte contrária não concordar com a recusa ou o árbitro não se escusar, a parte recusante deve dirigir-se a uma entidade que tenha sido escolhida como entidade de nomeação de árbitros, para que esta decida sobre a impugnação do árbitro recusado.

Por sua vez, as Regras da UNCITRAL, de 2010 (artigos 10.º a 13.º), embora o procedimento para se desencadear a impugnação do árbitro seja de algum modo semelhante, divergem quanto a prazos, pois a entidade nomeadora de árbitros só pode ser chamada a intervir no prazo de 30 dias.

A Lei da arbitragem voluntária, cujo artigo 10.º determina que a decisão sobre a impugnação de um árbitro, caso uma das partes não concorde e/ ou árbitro não apresente a sua escusa, é da competência do próprio tribunal arbitral.

Embora a notícia não tenha referido em que qualidade aparecia o presidente do Tribunal Provincial, esclareça-se que fora escolhido pelas partes para desempenhar a função de entidade ou autoridade nomeadora. Daí a atonia de qualquer entendido em arbitragem aumentar exponencialmente perante tal situação insólita.

É que o presidente do referido tribunal, naquela qualidade, não podia actuar como juiz de Direito que é, por carreira, pois o lugar de autoridade de nomeação poderia ser desempenhado por ele ou por outra ou qualquer pessoa. A qualidade que exerce em sede do processo arbitral é uma função administrativa e não uma função jurisdicional, como a que exerce enquanto juiz de Direito.

Ao passo que o árbitro no exercício dessa função goza de poderes jurisdicionais, tal como goza um juiz de Direito no exercício desse cargo, embora este em nome do Estado e aquele em nome das partes. E o processo em causa é arbitral e não judicial.

Mais ainda, é bom que se diga que o tribunal arbitral não mantém nenhuma relação de dependência respeitante àquela autoridade de nomeação, que, por mera coincidência, no caso concreto, era um órgão jurisdicional, mas a quem, no exercício dessa função administrativa, não lhe é conferido a faculdade de suspender árbitros, fazendo parar o funcionamento de um tribunal arbitral. E essa não dependência é determinada pelos artigos 179.º da Constituição da República de Angola e pela Lei de Arbitragem Voluntária.

Se os árbitros foram suspensos, em função da qualidade da autoridade nomeadora, tal suspensão é demasiado grave e atenta contra os mais básicos princípios que norteiam a arbitragem voluntária, pondo em causa a independência deste meio de resolução de litígios em relação aos tribunais estaduais, sempre que as postas os indiquem para a função de entidade nomeadora. Mal estará a arbitragem voluntária, em Angola, se o tribunal arbitral do caso noticioso tiver deixado de praticar os actos que lhe competem no âmbito do processo arbitral, pois ele funcionará como um precedente para outros casos que aí venham. Se o objectivo da abertura de centros de arbitragem se destina a chamar para Angola a solução de litígios que decorram de contratos celebrados em Angola ou entre empresas e entidades angolanas e empresas e entidades estrangeiras, ou cuja execução se realize no território angolano e aos quais seja aplicável a lei angolana e não normas de direito estrangeiro, então haverá que tomar mais cautela quanto à actuação dos tribunais judiciais quando chamados a desempenharem o papel que, neste caso, foi exercido, e pelos vistos extravasando poderes, pelo presidente daquele Tribunal.

Luanda, 17 de Novembro de 2013

*Texto extraído da obra ‘Crónicas de um criticismo acrítico’, 1ª edição, Março de 2016

A qui há uns anos, a expectactiva de trazer para Angola uma forma diferente de meditação de conflitos, que fosse menos morosa e dependente da vontade das partes envolvidas em determinado negócio jurídico, depois de muitos penares e tempos de espera, lá foi conseguida com a aprovação, pela Assembleia Nacional, em2003, da Lei da Arbitragem Voluntária, cujos trabalhos preparatórios assentaram nos princípios que estão patentes na Lei Modelo de CNUDCI ou UNCITRAL de 1985.