2023, O FACTO
Pelo oitavo ano consecutivo, o Valor Económico escolhe a Personalidade do Ano, que faz capa da sua última edição de Dezembro. Pela sua regularidade e consistência, é a iniciativa do género mais experimentada na imprensa angolana.
Ao longo de meses, enquanto a ‘ousadia’ do GPU aquecia o debate no espaço mediático, os argumentos atropelaram-se quanto às reais hipóteses de sucesso da iniciativa. Quanto a nós, este sempre foi um debate secundário, partindo do pressuposto de que o maior partido na oposição não tinha condições materiais no parlamento. Mais do que isso, porque o regime autoritário consolidou, com elevado sucesso, o culto ao medo e o recurso à chantagem, como instrumentos de subserviência dos seus próprios dirigentes ao chefe máximo e, por arrasto, ao projecto de um poder hegemónico, ilimitado e infinito. Não é por acaso que um deputado da ‘geração tik tok’ do MPLA por pouco não afirmou que o Presidente tinha de ser defendido a qualquer custo, ainda que se provassem as acusações da Unita. Também não é por mero acaso que alguns jornalistas chegaram a reportar, sem desmentidos, que a presidente da Assembleia Nacional recebeu instruções directas de João Lourenço para retirar as urnas que estavam preparadas na Assembleia para a votação secreta.
Dito de outra forma, a iniciativa do Grupo Parlamentar da Unita, apesar de suportada por uma fundamentação robusta, foi preparada para ser travada. Ou no Parlamento ou nos Tribunais do regime. O seu alcance deve ser, por isso, percebido no quadro de uma estratégia de desgaste do poder autoritário e da exposição do descrédito das instituições que o suportam. A sua importância deve ser compreendida no âmbito de um amplo projecto de combate pela efectiva democratização do país. E é justamente neste ponto em que se fundamenta essencialmente a nossa escolha.
O jornalismo só terá legitimidade para reclamar o seu espaço e tempo enquanto for capaz de ler, interpretar e explicar os problemas essenciais que se colocam à sociedade no seu processo histórico de construção. E o Valor Económico não tem a menor dúvida de que o maior dos desafios que se coloca a Angola, nesta fase, é a sua efectiva democratização.
Sendo fenómenos reconhecidamente cíclicos, as crises económicas não são uma desgraça exclusiva de Angola. Mas a profundidade com que, volta e meia, atingem os angolanos está invariavelmente associada à impossibilidade de responsabilização das (des)governação do país. Situação que decorre, obviamente, da natureza do regime político instalado. O mesmo dir-se-á quanto à instrumentalização das instituições do Estado. O grave descrédito do conjunto da justiça, os atropelos a céu aberto dos direitos humanos, a criminosa partidarização das instituições do Estado, os elevados níveis de corrupção e impunidade e a degradação progressiva da vida dos angolanos são fenómenos indissociáveis do regime autoritário e irreformável. Por isso, todo o percurso de desmantelamento da autocracia, que subjuga o Estado em nome do partido e do poder pessoal, é também a trajectória da libertação do país do grupo que o toma por sua propriedade privada. E, como bem o testemunha a História da humanidade, nenhum poder opressivo e longevo foi desmantelado numa sentada. Cada facto, cada evento, cada luta com relevância política, ainda que simbólica, contou para a derrocada do autoritarismo. De tal modo, amanhã, quando se escrever a história da democratização de Angola, nenhum outro evento, do decurso de 2023, contará mais do que a iniciativa do Grupo Parlamentar da Unita. Daqui a 100 anos, João Lourenço até poderá ser esquecido como um dos pesadelos que ensombraram o sono dos angolanos por anos a fio, mas de certeza que será lembrado sempre como o primeiro presidente angolano, alvo de uma iniciativa de destituição.
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