ANGOLA GROWING
Georges Luamba, PCA do Pólo Industrial de Protecção de Aerodinâmicas

“É lamentável termos centrais térmicas em muitas zonas com potencial eólico”

18 Aug. 2020 Grande Entrevista

Empresário, com formação em energias renováveis, alerta para aposta neste sector de forma a reduzir o dispêndio de recursos financeiros em projectos térmicos e hidroeléctricos. Inconformado com as barreiras institucionais instaladas, afirma que há “interesses inconfessos nos contratos” a nível do Ministério da Energia e Águas (Minea).

“É lamentável termos centrais térmicas em muitas zonas com potencial eólico”

 

Como vê a evolução do tema das energias renováveis em Angola?

Em 2014, apresentámos um estudo de viabilidade sobre os ventos, com uma demonstração daquilo que deveria ser feito sobre a exploração da energia eólica em Angola. Houve a participação de 11 engenheiros, mas foi simplesmente desvalorizado pelo actual ministro da Energia e Águas. 

E quais foram as questões essenciais levantadas nesse estudo?

Não é admissível, com os ventos que o país tem, continuarmos a gastar fortunas com centrais térmicas que vendem a energia a cerca de 250 dólares o  megawatt  mesmo com a subvenção do Estado  ao combustível, num consumo de cerca de 316 litros por hora. Se fizermos os cálculos, o dinheiro que o Governo gasta num mês seria suficiente para se manter uma pequena central solar de 5 megawatts, o suficiente para abastecer uma aldeia com mais de 500 habitantes. Há interesses inconfessos nestes contratos. 

É essa a razão da falta da aposta nas renováveis, os “interesses inconfessos”?

O problema consiste no facto de as entidades de direito não quererem dar espaço aos privados neste sector. Vou dar um exemplo:  quando se anunciou a instalação do parque de energias renováveis do Namibe, nós andamos muito tempo à procura dos responsáveis deste projecto para darmos o nosso contributo. A ideia era saber se a tecnologia e os técnicos responsáveis para a edificação deste parque se encontravam no país, mas não obtivemos resultado. Com o conhecimento que temos sobre as energias renováveis, assumiríamos a responsabilidade, mas infelizmente nem naquela altura nem hoje somos achados.

Em tese, fomos dos primeiros a apresentar um estudo profundo sobre energias renováveis, porque também queríamos participar da execução, mas simplesmente fomos ignorados. 

Porquê?

Deviam questionar o ministro da Energia e Águas.

"Muitas vezes, andamos por aí feitos ‘baratas tontas’ sem saber quem responde sobre o quê quem pode autorizar a resolução deste ou daquele problema."

O país tem, entretanto, em algumas condições mais favoráveis face até a alguns países da Europa…

Sim, falamos de duas fontes de energias renováveis, nomeadamente a força cinética do vento e a energia solar. O país tem a felicidade de ter sido agraciado com ventos a 80 metros de altura, enquanto alguns países da Europa buscam o vento a uma altura de 120 ou 150 metros de altura. É inadmissível a instalação de centrais térmicas em locais com condições propícias para exploração de energia eólica e solar. 

Esse potencial é calculável?

Angola tem um elevado potencial de recursos solares com uma radiação global no plano horizontal anual média compreendida entre 1.350 kilowatts a 2.070 kilowatts metros quadrados ano. Portanto, trata-se de um dos maiores recursos renováveis que o país tem e está uniformemente distribuído. 

E quanto à energia eólica?

O país também é detentor de um grande potencial de ventos. O nosso mapa de recursos eólicos permitiu identificar 12 locais com condições favoráveis para a instalação de parques eólicos com uma potência variada, onde podemos, segundo estatísticas do Ministério da Energia e Águas, produzir cerca de 3.900 megawatts de potência. A grande vantagem é que estes ventos estão próximos de redes de subestações com capacidade para absorver esta energia toda.

Em muitos municípios, não precisaríamos produzir grandes escalas de potência. Assistimos à construção de alguns parques solares de 5 megawats de potência. Só que a parte triste é que estas infra-estruturas custaram uma grande fortuna, ou melhor, o dobro do preço que o mercado oferece, e não estão completas, pois os painéis fotovoltaicos só fornecem energia ao longo do dia, quando deveriam abastecer também à noite, altura em que há maior necessidade.

É uma aberração que, em pleno século XXI, o país tenha pouco mais de 70% da população desprovida de energia eléctrica e os poucos beneficiários com sérios problemas de cortes constantes, incluindo na capital, onde há bairros que não beneficiam deste bem público desde a Independência. 

E, face à aparente falta de vontade, pelos “interesses inconfessos” a que se referiu, que alternativas?

As coisas andam muito confusas. O problema é sabermos quem tem o domínio de tudo isto, se é o Presidente da República, o ministro da Energia e Águas, ou o governador de província. Muitas vezes, andamos por aí feitos ‘baratas tontas’ sem saber quem responde sobre o quê e sem saber quem pode autorizar a resolução deste ou daquele problema. O que existe é a preguiça do homem em fazer as coisas acontecerem. Isto é, como termos uma ponte que nos permite atravessar o rio. A ponte está presente, mas queremos contornar o rio, o que fica mais difícil e mais perigoso. Os órgãos decisórios do país deveriam repensar o sector da energia, começando pelos quadros, boa parte destes formados na Europa e com ‘cartas’ da sua participação em muitos projectos de energia eólica e solar no mundo. Muitos destes quadros se encontram em Angola e com vontade de entrar no debate sobre as energias renováveis.

“É lamentável termos centrais térmicas em muitas zonas com potencial eólico”

E como avalia, grosso modo, os projectos liderados pelo Minea?

Em Agosto de 2012, o Minea, na pessoa do actual titular, o engenheiro João Baptista Borges, assinou a construção de um parque que iria produzir 100 megawatts de energia eólica, que estariam disponíveis em 2017. Mas, ao que se sabe, o projecto ficou simplesmente no papel. Trata-se de um projecto aprovado pelo Conselho de Ministros e estava avaliado em 178 milhões de dólares e devia ser instalado no Namibe, província com fortes ventos propícios à produção de energia eólica, mas nunca foi montado. E desconhece-se o paradeiro do dinheiro. Ninguém foi responsabilizado. Por outro lado, o país desenvolveu capacidades hídricas desde 2012. Estou a falar da construção da barragem de Laúca. Aumentaram-se as potências das barragens de Capanda e de Cambambe com custos elevadíssimos na ordem de três a quatros vezes mais do que o normal. 

A propósito disso, apesar das insuficiências que menciona, há um certo reconhecimento de que a oferta tenha melhorado com esses investimentos...

Anunciou-se que o país passou a contar com 5 mil megawatts de potência, mas apenas 3,7 estão a ser consumidos. Para um país com a dimensão de Angola, isto é uma gota no oceano. Há países da Europa muito pequenos, em termos demográficos, mas têm um grande potencial energético mais do que Angola com cerca de 30 milhões de habitantes.

Portugal, por exemplo, um país 18 vezes menor que Angola, e com cerca de 12 milhões de habitantes, tem um potencial energético de 22 mil megawatts. O que Angola gastou na instalação destes 5 mil megawatts dava para instalar mais 10 mil megawatts e pôr tudo a funcionar. 

Então desaconselha o recurso às barragens?

É preciso descontinuar a construção de barragens hidroelétricas. O Governo deve ter em atenção as energias renováveis. Veja que a construção da barragem do Laúca, que envolveu o desvio do rio, foi a todos os níveis prejudicial para o país, desde a destruição do meio ambiente, espécies animais, só para citar estes danos. Foi aplicado muito betão, montaram-se várias estruturas metálicas só para construirmos uma barragem com biliões de dólares, um montante que serviria para produzir a mesma potência que o país tem agora com recurso à energia limpa. É lamentável termos centrais térmicas em muitas zonas com potencial eólico. 

"As coisas andam muito confusas. O problema é sabermos quem tem o domínio de tudo isto, se é o Presidente da República, o ministro da Energia e Águas, ou o governador de província."

E como analisa as insuficiências no segmento da distribuição?

O Estado deveria descentralizar este sector e deixar que entidades privadas com capacidade financeira e potencialidades técnicas tomassem conta do mercado em benefício do Estado. E caberia ao Estado a função reguladora, fiscalizadora e controladora de toda a produção. Insisto que a solução do abastecimento de energia eléctrica passa pela aposta, a curto prazo, na exploração da energia eólica e solar. 

O país está numa encruzilhada com a crise económica que se arrasta desde 2014 e agora com a Covid-19…

O próprio Presidente da República reconhece que a solução dos problemas do país não está no petróleo e nem no diamante, como muitos pensam, mas, sim, no homem.  É preciso repensar o homem para que este busque soluções reais dos problemas do angolano, fora das bandeiras políticas. 

Portanto, a política do ‘homem novo’ do MPLA fracassou?

Desde 1975, o homem que continuamos a ter em Angola é o mesmo. Apenas éramos oito milhões de habitantes. É este homem que destruiu as fábricas, a siderurgia nacional,  a Induve,  a Mabor General, a Textang I e II, a Sociborda, a Vulcap, ou seja, tudo o que era indústria. Se tivéssemos feito a coisa certa na altura, hoje estaríamos ao nível dos grandes países industrializados. Portanto, é este homem que foi desenvolvendo até ao século XXI. As práticas perniciosas do passado continuam até ao presente. O caricato nisso é que Luanda não foi directamente afectada pela guerra, mas está tudo por fazer. 

PERFIL

George Luamba, 55 anos, formou-se em Portugal, em energias renováveis. De volta ao país, criou, há cinco anos, a sua empresa para entrar neste segmento de  negócio, mas “não está a ser um exercício fácil”, por causa de “muitos artifícios desnecessários, que só atrapalham o desenvolvimento”.