ANGOLA GROWING
Representante residente do FMI em Angola

“Gostaríamos de ver mais recursos financeiros gastos em saúde e educação”

03 Mar. 2021 Grande Entrevista

Para o representante residente do FMI em Angola, o nível de desnutrição infantil “impressionante” pode colocar em risco o crescimento económico e os esforços para reduzir a pobreza. Em entrevista ao VALOR, Marcos Souto comenta a decisão de cancelar a compra de aviões da Boeing e elogia o Governo pelo cumprimento das metas indicadas.

“Gostaríamos  de ver mais recursos financeiros gastos em saúde e educação”
Mário Mujetes

O que acha de a ministra das Finanças ter declarado que, sem o apoio do FMI, o país dificilmente sobreviveria?

É importante começar por dizer que, além do apoio financeiro, cujo envelope total aprovado foi de 3,7 mil milhões de dólares, sendo que em Setembro de 2020 o Conselho do FMI aprovou um aumento deste envelope para  4,5 mil milhões de dólares para compensar o aumento das necessidades de financiamento devido à pandemia da covid-19, o FMI tem prestado assistência técnica em várias áreas, como política tributária e administração de receitas, política e administração de despesas, gestão das finanças públicas, políticas monetárias e cambiais, governança do banco central, quadro jurídico em matéria de prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do

Terrorismo (CBC/FT) e melhoria das estatísticas económicas.

 

E.?

Mas quero enfatizar que o sucesso do programa de recuperação económica do Governo depende tanto da ajuda financeira oficial fornecida pelo FMI, Banco Mundial e outros organismos multilaterais, quanto de uma forte disciplina e compromisso na implementação contínua de reformas pelo Governo.

 

E como avalia a disciplina?

Essa disciplina e compromisso do Governo já estão a começar a produzir resultados no estabelecimento das bases para uma recuperação económica tão esperada.

 

Uma das recomendações que o FMI fez ao Governo é a diversificação da economia. Existem resultados satisfatórios?

É importante ressaltar que não existem soluções milagrosas ou atalhos quando se trata de promover a diversificação económica, que requer a implementação de importantes reformas estruturais e um ambiente macroeconómico mais estável para atrair os investimentos necessários para outros sectores da economia, para além do sector petrolífero. O progresso feito até agora em muitas frentes é notável.

 

O que quer dizer com isso?

Várias leis foram promulgadas ou estão a ser analisadas pela Assembleia Nacional em diversas áreas importantes. Nomeadamente a Lei do Investimento Privado, a Lei de CBC/FT, a Lei do BNA, a Lei das Instituições Financeiras, a Lei da Insolvência e muitas outras.

 

E quanto à transparência, houve melhoria, ou nem por isso?

A transparência foi melhorada em vários níveis e sectores. Desde as grandes empresas estatais, que estão a publicar as suas demonstrações financeiras auditadas no site do IGAPE, até à publicação de planos anuais de gestão da dívida pública, de execução orçamental, etc. Uma grande parte das transacções em moeda estrangeira migrou para uma plataforma pública, a Bloomberg, permitindo que sejam mais visíveis aos participantes do mercado, o que ajudará na descoberta dos preços das taxas de câmbio. E a lista continua.

 

Mas...

Também houve progresso significativo na obtenção de um ambiente macroeconómico mais estável, incluindo políticas fiscais prudentes e um regime de taxa de câmbio mais flexível, que actuou como amortecedor de choques externos durante a pandemia. Em 2020, as receitas não petrolíferas registaram um desempenho superior no primeiro semestre do ano (especialmente para o IVA e o imposto sobre o rendimento das empresas).

 

O que quer dizer...

O que quer dizer que as novas medidas de receita aprovadas no Orçamento de 2020 estão projectadas a produzir ganhos em 2021 equivalentes a um adicional de 0,4 por cento do PIB. Resumindo, todo esse esforço está a criar as condições necessárias para um crescimento económico sustentável, inclusivo e diversificado. Os resultados virão.

 

E qual deve ser o caminho certo para a diversificação económica?

É imperativo manter o curso. Manter o ímpeto das reformas. Não foi uma jornada fácil até agora. Mas as autoridades e a população têm demonstrado incrível resiliência e determinação para enfrentar os problemas estruturais e económicos profundamente enraizados que se foram acumulando ao longo de muitos anos. Quando se trata de investimentos públicos, é fundamental garantir que recursos escassos são direccionados para projectos que maximizem o retorno económico. Existem muitos exemplos de áreas em que é preciso fazer mais.

 

Por exemplo?

Melhorar a infra-estrutura eléctrica e de transportes, aumentar o acesso à água, etc. A diversificação económica sustentável e inclusiva só pode ocorrer se for baseada em fundamentos económicos sólidos e em ambiente de negócios melhorado.

 

Acha que a agenda do Governo ainda aborda uma série de limitações críticas?

Muito já foi feito. O Governo vem tentando estimular o crédito à economia. É uma tarefa difícil. Os bancos devem equilibrar e gerir adequadamente os seus riscos. Nem todos os projectos estarão qualificados para serem financiados dentro de um conjunto de critérios de gestão prudente de risco de crédito. Com o objectivo de melhorar o ambiente de negócios, o tempo de emissão de vistos para investidores e trabalhadores qualificados foi reduzido para 15 dias, os procedimentos de legalização de empresas foram agilizados e os custos reduzidos. Um ambicioso programa de privatizações está em andamento, o que trará recursos valiosos para a economia e levará a um menor envolvimento do Governo em áreas onde o sector privado pode e deve desempenhar um papel importante.

 

E...

Foram feitos progressos importantes para salvaguardar a estabilidade financeira, incluindo uma revisão abrangente da qualidade dos activos em 2019 e a reestruturação dos bancos públicos, apoiada por um quadro de supervisão reforçado. O aumento da transparência, como mencionei antes, está a permitir o acesso a informações que permitirão decisões de investimento mais bem

fundamentadas. Tudo isso foi realizado em dois anos.

 “Gostaríamos  de ver mais recursos financeiros gastos em saúde e educação”

As PPP são uma boa política no momento?

Existem exemplos bons e ruins de PPP em todo o mundo. Alguns países tiveram experiências positivas com as PPP. Outros países nem tanto. É importante entender que as PPP não são uma panaceia. Elas podem acarretar um risco fiscal significativo, e tenho visto casos em que têm pesado de forma negativa sobre os balanços financeiros dos países. É absolutamente essencial buscar aconselhamento profissional e jurídico antes de assinar contratos de PPP, a fim de garantir que os riscos são distribuídos de maneira mais uniforme e justa entre todas as partes interessadas envolvidas.

 

E como é que deve ser feita a reestruturação dos bancos públicos?

Os bancos públicos precisam de ser totalmente saneados, dentro de uma estratégia robusta que resulte numa menor participação do Governo na banca comercial.

 

Que outros progressos são necessários?

O ímpeto da reforma deve continuar. São necessários mais progressos, por exemplo, a redução da burocracia.

 

Os níveis de pobreza ainda são muito altos, não é?

Exactamente. E devem ser reduzidos. Quatro em cada 10 angolanos consumiram abaixo da linha de pobreza em 2019. O nível de desnutrição infantil é impressionante e deve ser também combatido: 38% das crianças com menos de cinco anos sofrem de desnutrição crónica...

 

Isso poderá ter um impacto relevante e negativo sobre o capital humano...

Colocando em risco o crescimento económico e os esforços para a reduzir a pobreza. Gostaríamos também de ver mais recursos financeiros gastos em saúde e educação.

 

O que é que mais preocupa nos sectores da saúde e da educação?

As taxas de mortalidade infantil e materna em Angola estão entre as mais elevadas do mundo. O sistema de saúde tem poucos recursos e parte significativa da população não tem acesso aos seus serviços. A qualidade dos serviços de saúde disponíveis e a sua cobertura são muito limitadas, estando os programas de saúde pública sobrecarregados.

 

Como dar a volta a este estado das coisas?

Acreditamos ser importante dar mais apoio ao desenvolvimento de um sistema integrado, abrangente e sustentável, capaz de fornecer serviços de saúde de qualidade a todos os angolanos. No sector de educação, organismos multilaterais têm destacado a importância de investimentos focados e contínuos na qualidade dos professores e na gestão escolar. Igualmente importante é garantir que os alunos com necessidades especiais são incluídos no sistema de ensino normal.

 

Relativamente à melhoria da governação, qual é a avaliação?

Leis recentemente submetidas ou promulgadas pela Assembleia Nacional, ou que estão a ser revistas pelo Governo, procuram fortalecer a governação no BNA, bancos

comerciais, SOE, Recredit, etc. Existem muitas iniciativas implementadas ou em curso. Por exemplo, foi promulgado o requisito no Orçamento de 2021 para publicar uma avaliação inicial do projecto para todos os novos projectos de investimento público, realizados após 1 de Janeiro de 2021 e acima de 10 bilhões de kwanzas. O Governo começou a publicar documentação de avaliação de grandes projectos e irá rever e actualizar regularmente as estimativas de custo e os critérios de selecção de projectos para investimento público. As discussões para Angola se tornar um membro da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extractivas estão a avançar. Até meados de Novembro de 2020, o Governo adjudicou 254 dos 289 contratos públicos elegíveis através de concursos públicos. Todas essas são iniciativas de boa governança.

 

Mas...

Mas é preciso fazer mais. O trabalho deve continuar para garantir que a legislação de CBC/FT é aplicada, para reduzir as pressões sobre as relações de bancos correspondentes, apoiar as investigações de corrupção e lavagem de dinheiro em curso e preparar Angola para a próxima avaliação de CBC/FT.

 

E o combate à corrupção?

Encorajamos as autoridades a fazerem parceria com a ONU no estabelecimento de uma agência de combate às drogas, crimes, corrupção e terrorismo. É preciso mais progresso em relação à estrutura de legislação/regulamentação para melhorar os controles internos, a estrutura de governança, o profissionalismo, as funções de auditoria interna e externa e práticas de divulgação das empresas públicas, em linha com as boas práticas internacionais. Mais unidades de orçamento precisam de publicar os seus Planos Anuais de Compra no portal de Compras Públicas. É preciso uma avaliação do sistema de compras e certificação de fornecedores. Ainda há bastante trabalho pela frente.

 

E quanto ao desemprego, que está a crescer, qual é o conselho do FMI?

 À medida que o ambiente macroeconómico for melhorando e as reformas estruturais começarem a dar bons frutos, o desemprego diminuirá de maneira persistente.

 

Enquanto isso...

É crucial proteger os segmentos mais vulneráveis da população. O programa de transferência de renda é um bom exemplo de rede de segurança social. Mais de 300 mil famílias foram cadastradas nesse programa, que visa beneficiar 1,6 milhão de famílias - projecto financiado pelo Banco Mundial e também pelo Orçamento do Estado, envolvendo recursos financeiros superiores a 400 milhões de dólares. O Governo também tem priorizado e protegido os gastos sociais e de saúde, o que incentivamos a continuar a fazer. Por exemplo, o Governo informou em Dezembro do ano passado que mais de 165 milhões de dólares foram gastos no combate à pandemia, que inclui 14,4 milhões do Banco Mundial. Angola também está a beneficiar do apoio de outras agências. Por exemplo, a UNICEF recebeu três milhões de euros da União Europeia para reforçar as suas actividades em resposta à covid-19 na província de Luanda.

 

Quais os riscos que pode causar a dívida pública excessiva e como mitigá-los?

Destacamos os riscos no nosso relatório, especialmente no anexo sobre a análise de sustentabilidade da dívida. Entre as principais vulnerabilidades da dívida, mencionamos uma queda persistente dos preços do petróleo, a exposição ao risco cambial (mais de quatro quintos da dívida de Angola são denominados ou indexados à moeda estrangeira, embora a grande parte das receitas do petróleo também seja em moeda estrangeira, fornecendo uma protecção natural a choques cambiais); exposição ao risco de aumento da taxa de juros de financiamento do Governo; e uma estreita base de investidores, principalmente no mercado interno.Uma estratégia robusta de gestão da dívida para reduzir a exposição ao risco cambial e à taxa de juros é fundamental. É crucial também continuar a implementar reformas estruturais importantes para mudar o ambiente de negócios em Angola e atrair investimento estrangeiro directo, manter políticas fiscais prudentes para suportar a trajectória de descida da dívida pública, desenvolver o mercado doméstico de dívida do Governo, implementar políticas monetárias sólidas para conter a inflação, prosseguir com o combate à corrupção, e assim por diante.

 

A pandemia pode estender a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida de 2021 para 2022?

Eu preferia não especular sobre isso agora. Mas posso dizer que as equipas do FMI e do Banco Mundial estão a prestar apoio técnico à Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), estando as nossas equipas a trabalhar para informar os países sobre a iniciativa e a apoiar o fornecimento de informações solicitadas pelo G20, como a monitorização do uso dos recursos libertados pelo DSSI para enfrentar o choque da pandemia da covid-19.

 

E por falar em covid-19, apoia a realização de eleições municipais durante a pandemia?

Como representante de uma instituição económica multilateral, respeitamos as decisões soberanas e não nos envolvemos em questões como eleições.

 

Porque é que o FMI obrigou o Presidente da República angolano a cancelar a compra de aviões Boeing?

A decisão de cancelar ou não a compra de aviões não cabe ao FMI. Idealmente, esta é uma decisão das autoridades e do povo angolanos.

 

Mas o FMI não mandou ninguém pressionar o Governo?

O FMI não obriga as autoridades a tomar medidas. Discutimos as melhores respostas de política económica aos desafios que Angola enfrenta. E concordamos sobre o melhor curso de acção.

 

Pensa que o aumento da despesa pública resulta também do apoio a uma administração pública ineficaz, que impõe enorme pressão fiscal às empresas e aos particulares?

Na verdade, o Governo vem comprimindo os gastos públicos de maneira significativa, justamente no esforço de evitar défices fiscais que possam levar ao aumento do nível de dívida pública. Por exemplo, em 2020, vários ministérios foram fundidos e o pessoal foi realocado tendo em visto uma maior eficiência da máquina pública. Na Tabela 1 dos nossos relatórios, relativos às várias revisões do programa de financiamento, é possível ver que a despesa total permaneceu à volta de 19,20% do PIB desde 2018. Se facturarmos a contracção do PIB nesse período, a compressão das despesas foi bastante considerável. E continuamos a apoiar os esforços das autoridades para um sector público eficiente que dê suporte a um crescimento económico liderado pelo sector privado.

 

O BPC é um exemplo de administração pública ineficiente que impõe enorme pressão fiscal sobre empresas e pessoas físicas?

O BPC era um banco público problemático que está a passar por um profundo processo de reestruturação. Está a tornar-se menor e a implementar mudanças internas importantes para garantir que funcionará de acordo com as boas práticas bancárias internacionais.

 

É urgente reestruturar algumas instituições do Estado, não é?

O FMI tem apoiado as reformas das empresas estatais, incluindo a revisão da legislação e regulamentação que regem as empresas estatais, uma maior transparência, com um número crescente de empresas públicas a publicarem as suas demonstrações financeiras auditadas no site do IGAPE, um ambicioso programa de privatizações, que leva as empresas estatais a focarem-se mais nas suas actividades principais e, em alguns casos, pretende-se fortalecer o papel dos reguladores. O FMI também tem apoiado os esforços do Governo para repensar a sua presença no sector bancário.

 

E o que deve o BNA fazer melhor para garantir a estabilidade de preços e do câmbio no mercado angolano, face à actual evolução do preço do petróleo no mercado internacional?

A estabilidade de preços requer uma postura monetária mais rígida. E o BNA já começou a dar os primeiros passos nessa direcção. O ritmo de aperto deve ser bem calibrado para reduzir as pressões inflacionárias, por um lado, mas evitar o estrangulamento da economia, por outro.

 

Esta não é uma tarefa fácil...

Mas pode e deve ser realizada. A flexibilidade da taxa de câmbio desempenhou um papel importante como amortecedor de choques externos durante a pandemia. E é importante continuar assim. A tentativa de manter a taxa de câmbio artificialmente "estável" causa uma série de desequilíbrios, começando com uma alocação subótima dos recursos financeiros, e pode acarretar menor acesso à moeda estrangeira, na medida em que a oferta não for suficiente para atender à demanda a um determinado preço, além de levar a perda de reservas internacionais.

 

Podemos dizer que toda a dívida pública é legítima?

Parte do trabalho do escritório de gestão da dívida pública é garantir que a dívida do Governo é documentada. Por exemplo, no caso de dívidas em atraso, o Governo tem trabalhado arduamente para certificar as dívidas antes que qualquer pagamento seja feito aos credores. Esta é uma boa prática de gestão de dívida pública.

 

A sociedade civil e os partidos políticos querem que a dívida pública seja auditada. Concorda com essa ideia?

Como havia dito antes, as autoridades angolanas já trabalham arduamente para certificar a legitimidade da dívida pública antes de proceder a qualquer pagamento. As autoridades também envidaram esforços significativos para aumentar a transparência.

 

Portanto...

Por exemplo, são disponibilizados ao público relatórios sobre a execução da estratégia governamental para o pagamento de atrasados. Os planos anuais de gestão da dívida, com informações sobre a dívida pública, também estão disponíveis ao público no site do Ministério das Finanças.

 

Quais as vantagens do câmbio flutuante para a nossa economia, que depende fortemente de importações?

Por um lado, como acabei de mencionar, serve como um amortecedor contra choques externos, ajudando a salvaguardar as preciosas reservas internacionais. Além disso, permite uma alocação mais eficaz de recursos financeiros entre os diferentes sectores económicos.

 

O impacto que a depreciação do kwanza tem causado na inflação não o preocupa?

Compreendemos o impacto que a depreciação do kwanza tem na inflação. Mas, por outro lado, e na medida em que a importação de certos produtos se torna mais cara, há um incentivo crescente para substituir essas importações pela produção nacional desses produtos. Isso contribuirá para a diversificação económica de que Angola tanto necessita.

 

A inflação tem punido uma população em luta pela sobrevivência, atirando famílias inteiras para a miséria. O que pode ser feito, a curto e médio prazos, para ajudar a reverter esta situação difícil?

A política monetária deve ser restringida. A inflação tem um impacto negativo desproporcional sobre os mais pobres, que carecem de recursos e instrumentos para se protegerem dela. O aumento gradual das taxas de juros e a eliminação do excesso de liquidez do sistema são alguns dos instrumentos de política monetária que podem ser utilizados.

 

E então qual é a solução fundamental para esta difícil situação?

O crescimento económico abrangente, sustentado e inclusivo, que é o objectivo das políticas do Governo. A estabilidade macroeconómica e as reformas estruturais são as chaves para se atingir esse objectivo.

 

É urgente uma adequada promoção da supervisão do sistema financeiro, evitando crises sistémicas no mercado financeiro angolano?

O BNA tem vindo a reforçar a supervisão do sistema financeiro. A Lei das Instituições Financeiras, actualmente em apreciação na Assembleia Nacional, tem um capítulo importante sobre supervisão. A regulamentação do sistema bancário vem sendo aprimorada. As avaliações da qualidade de activos que foram realizadas em 2019 também buscaram examinar a capacidade dos bancos de avaliar e gerir o risco de crédito. A implementação da lei de CBC/FT e das regulamentações associadas fará com que os bancos que operam em Angola reforcem os seus controles internos, contribuindo para a recuperação das relações com bancos correspondentes.

 

Os ministros das Finanças africanos pediram ao FMI acesso a 500 mil milhões de dólares em Direitos Especiais de Saque e melhores condições de financiamento para responder à crise da covid-19. Alguma hipótese paraAngola, além do acordo que já tem com o FMI?

Uma nova alocação de Direitos Especiais de Saque poderia fortalecer as posições de reserva internacional de todos os países e fornecer a ajuda necessária na forma de liquidez adicional para aqueles que dela necessitam. É algo que permanece sob consideração. Espera-se que a questão seja discutida novamente pelos membros no período que se segue. Entretanto, como observámos antes, estamos a fazer o máximo uso possível dos Direitos Especiais de Saque existentes como meio de transferir recursos adicionais de economias avançadas para países de baixa renda. O FMI já aprovou mais de 105 mil milhões de dólares de apoio a 85 países desde o início da pandemia.

 

O Governo tem cumprido as medidas do programa de financiamento?

O desempenho do programa apoiado pelo FMI tem sido adequado. A maioria dos critérios de desempenho, bem como as metas indicativas, têm sido cumpridos. Mesmo face aos desafios da pandemia de covid-19 em curso, as autoridades angolanas têm demonstrado um forte compromisso com políticas sólidas. O desempenho no cumprimento dos benchmarks estruturais tem sido mais heterogéneo. Mas, mesmo aí, o compromisso das autoridades com as reformas parece-nos robusto.

 

O que significa viver em Angola com a família? O que mais gosta no país?

As pessoas e o calor humano. A minha família e eu fomos muito bem recebidos pelos angolanos, que nos fazem sentir como se estivéssemos no no Brasil. Além do mais, impressiona-nos, sobremaneira, a personalidade positiva do povo angolano. Mesmo perante grandes dificuldades, ainda encontra uma forma de cantar, de dançar, de manter uma abordagem construtiva a respeito da vida. Tem sido para nós uma enorme aprendizagem.

 

Fascinado pelas Quedas de Calandula

Há 20 anos que Marcos Souto, actual Representante Residente do FMI em Angola, trabalha como especialista no sector Financeiro.

Área, aliás, da sua vocação. É licenciado em Engenharia Mecânica e doutorado em Finanças, pela Universidade George Washington.

Natural do Brasil, ao longo de duas décadas, trabalhou em cerca de 30 países, entre os quais Argentina, México, Brasil, Chipre, Irão, Arménia, Quénia, Tanzânia, Ruanda e Portugal. Neste último - entre 2011 e 2014 - como Representante Residente do Fundo Monetário Internacional, durante o programa de financiamento alargado apoiado pelo FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.

Marcos Souto é também autor de várias publicações académicas e profissionais nas áreas de Medição e Gestão de Riscos de Crédito e de Mercado. Além da família - casado e pai de três filhos - há duas coisas que apaixonam Marco Sotto: a música e a leitura. Em casa, a música clássica e a bossa nova integram a banda sonora oficial. Na estante, os livros são de História e religiosos. No futebol, o Clube de Regatas Flamengo “é o melhor do mundo”.

Não esconde, o seu fascínio por Angola, com referências a visitas a Benguela, Lubango, Namibe e Malanje “com as belas Quedas de Calandula da plena autoria da Natureza, sem intervenção humana”.