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Equipa técnica identificou “estado de desgaste nutricional”

Gado do Chade veio debilitado de origem

22 Jun. 2021 Giil Lucamba | CÉSAR SILVEIRA Economia / Política

EXCLUSIVO. Memorando do Ministério da Agricultura dá conta que equipa técnica constatou debilidades ainda antes da partida dos animais. Versão contraria depoimentos públicos das autoridades que deixam entender desconhecerem a razão das mortes do gado.

 

Gado do Chade veio debilitado de origem
D.R

O gado que começou a desembarcar em Angola em Março de 2020, nos termos do pagamento de uma dívida de 100 milhões de dólares do Chade, encontrava-se em “estado de desgaste nutricional”, ainda no país de origem, como constatou a equipa técnica que visitou o centro de concentração do gado, em Baiboukoun, Chade, em Janeiro do ano passado.

A informação consta do memorando de recepção do primeiro lote de 4.351 bovinos a que o VALOR teve acesso e que explica o estado dos animais com a “escassez de pastos e a superalimentação com torta de semente de algodão”, adquirida dos Camarões.

Confirmando a vacinação e o tratamento do gado contra carraças (ver caixa memorize), o documento imputa a morte de 42 animais, durante a viagem do Chade para Angola, ao estado em que se encontravam antes do embarque. Facto refutado, entretanto, por um quadro sénior do Ministério da Agricultura para quem o quadro descrito “não é sinónimo de doença”.

Quem não concorda com o quadro sénior da Agricultura é o médico veterinário Lutero Campos que, corroborando da tese da equipa técnica que se deslocou ao Chade, assegura que, “neste estado, o animal está propenso a apanhar qualquer doença e qualquer doença nesse período pode levar o animal à morte”, já que a imunidade está baixa. 

Os técnicos que elaboraram o memorando não têm, entretanto, qualquer dúvida. Além do tipo de alimentação que expôs o gado ao risco de intoxicação, “devido à concentração residual do teor de gossipol nas sementes de algodão”, garantem que “as mortalidades registadas ao longo das quatro viagens foram devido ao estado debilitado que apresentavam os animais, causado pelo excessivo tempo da permanência do gado na área de concentração em Bainoukoun, o transporte terrestre e a acomodação de animais no navio com idades diferentes nos boxes”.

Já em Luanda e colocados em recuperação, outros 308 gados morreram durante a quarentena na Quiminha, elevando para 7,1% a taxa de mortalidade dos animais, contrariamente aos 3% que têm sido anunciados pelas autoridades. No local da quarentena, foram ainda detectados casos de anaplasmose e babesiose, bem como peripneumonia contagiosa dos bovinos (PPCB), todas doenças associadas ao gado.

Desde então, passaram a ser anunciadas mais mortes do gado entregue aos criadores. Por exemplo, até Junho de 2020, o município da Ambaca, Kwanza-Norte, anunciava a morte, por doença desconhecida, de 105 das 1.500 cabeças que tinha recebido. O Governo assumiu a morte de 358 nas diversas fazendas destinarias, além de 27 cabeças no processo de transporte para as várias fazendas. No global, contabilizam-se a morte de 500 cabeças. E o Governo acabou por suspender, por razões sanitárias, o contrato celebrado com o Chade, para entrega de gado bovino como pagamento da dívida, contraída em 2017.

NEGOCIAÇÃO PELA REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA

Os governos angolano e chadiano estão a negociar a reestruturação da dívida deste último, soube o VALOR de fonte oficial.

Avaliada em 100 milhões de dólares, 80 milhões são objecto de reembolso em espécie para a remessa de 75 mil bovinos, sendo 75% de novilhas e 25% de novilhos, com idades compreendidas entre os 2 e 3 anos. O processo ocorre no âmbito do ‘Protocolo de Modificação das Modalidades de pagamento da dívida da República do Chade com a República de Angola’, assinado em N´Djamena, a 16 de Julho de 2019.

“Estamos ainda em negociação nos canais devidos, pois ainda não se chegou a acordo quanto à reestruturação dessa parte”, respondeu, ao VALOR, o Ministério das Finanças, responsável por controlar o serviço da dívida bilateral. Fruto do acordo, Angola recebeu, a 15 de Março de 2020, os primeiros 1.170 animais do primeiro lote e, a 6 de Maio do mesmo ano, recebeu outros 832 animais.

Segundo ainda o memorando, Angola recebeu menos 149 cabeças do que a quantidade prevista para o primeiro lote que seriam de 4.500, mas “nenhuma informação técnica foi fornecida aos membros da comissão mista, quer em Angola, quer no Chade, da situação real e as ocorrências que foram registadas no percurso de Baiboukoun/ Chade ao porto do Kribi/ Camarões, visto que o efectivo previsto do primeiro lote não corresponde ao que foi registado na chegada em Luanda”.

ANGOLA INVESTE 2 MIL MILHÕES KZ PARA SALVAR GADO

Cerca de 2 mil milhões de kwanzas é quanto custou a operação para levar o gado do Chade até ao centro de quarentena da Quiminha em Luanda, custos que foram suportados com fundos do Orçamento Geral do Estado.

O Presidente da República autorizou, para o efeito, a contratação simplificada pelo critério material da Transkosmos - Casa do Fazendeiro, para o transporte do gado do Porto de Kribi, nos Camarões, até Luanda. Já aAgroquiminhaLda foi contratada para o fornecimento e instalação da unidade de quarentena para o acompanhamento zoo-sanitário do gado bovino.

A previsão é que dois terços dos animais (50 mil cabeças) sejam vendidos a empresários locais, ao valor de 150 mil kwanzas por cabeça. A compra está condicionada ao pagamento de 40% do valor inicial e a amortização do restante é de 20% ao ano, em três anos. 

O restante, um terço, será vendido a criadores familiares ao custo de 15 mil kwanzas por cabeça, sendo também exigido o pagamento de 40% no início e a e amortização subsequente de 20% ao ano, durante três anos.

Famílias sem recursos poderão fazer crédito em espécie com ressarcimento dos referidos créditos em animais, passados três anos de carência.