ANGOLA GROWING
Orlando dos Santos, empresário agrícola

“Fala-se muito de crédito para os agricultores, mas não estamos a ver nada”

18 Aug. 2021 Grande Entrevista

Em mais de 150 hectares, depois do Cabo Ledo, o empresário dedica-se à criação de gado bovino e à agricultura, mas tem paralisado um aviário com capacidade de produção de mais de quatro mil ovos/dia, por falta de apoio. Orlando dos Santos nota que, apesar dos discursos oficiais, aos empresários não é mostrado o caminho para chegarem aos créditos, ao mesmo tempo que pede mais transparência.

 

“Fala-se muito de crédito para os agricultores, mas não estamos a ver nada”
D.R

Em termos concretos, quais são, para si, os principais problemas da agricultura em Angola?

Acredito que muitos vão concordar comigo se disser que hoje, nos municípios mais recônditos, já se fala de agricultura. Isso é um sinal de que as pessoas estão despertadas para a produção. Aliás, quase todas as quintas e sextas-feiras, vemos carrinhas saírem de Luanda e, aos sábados e domingos, regressam cheias de produtos agrícolas. Quer dizer que há um certo crescimento no sector familiar.

Não identifica desafios?

O que o Governo deve fazer é potenciar as cooperativas para que estejam organizadas e para produzam em quantidade e qualidade para o consumo interno e para a exportação. Ainda não despertamos para a cultura de cooperativas, mas é ali onde se devem unir forças para melhorar o trabalho. Eu faço parte do sector agro-pecuário e em mais de 150 hectares, depois do Cabo Ledo, estou a criar bovinos, caprinos e suínos. Estou a produzir melancia, citrinos, mandioca, batata e tomate em terreno extremamente fértil.

Não tem o problema dos fertilizantes, como se clama em quase todo o país?

Nesta zona do Cabo Ledo, em diante, não precisamos de fertilizantes, porque os terrenos são muito férteis. Falta-nos apenas água. 

E é contornável essa falta de água?

A zona a que me refiro está entre dois grandes rios, o Kwanza e o Longa. Portanto, o Governo devia pensar em desviar água para esta área.

O Governo ou os empresários?

No país, a quase todos os níveis, ainda não devemos considerar que temos macroagricultores. Por isso, o Governo deve fazer. A exemplo do canal do Kikuxi, em Luanda, também pode fazê-lo para o Cabo Ledo, criando essa infra-estrutura para alavancar a produção. Hoje quem estiver a viajar para o Kwanza-Sul há-de ver que estão sendo desbravadas enormes extensões de terreno para a agricultura. Assim sendo, captar água dos rios é exequível e penso que não se gastaria muito dinheiro. Assim, já não estaríamos só dependentes das chuvas e teríamos uma produção ininterrupta, durante todo o ano. 

Mas o país ainda importa produtos agrícolas. Isso não lhe sugere um comentário?

Dependemos da importação em certos produtos. Também não nos devemos fechar ao mundo. Temos de ter esse intercâmbio comercial, o que é normal. Posso produzir aqui boa cebola e ir buscar outra do outro lado da fronteira. Pode existir esse intercâmbio que acaba por ser salutar. Entretanto, as políticas governamentais têm de ser mais transparentes e exequíveis para que as pessoas saibam do que se está a projectar. O que se passa é que se fala muito do apoio aos agricultores, mas nós que estamos organizados em pequenos grupos na Muxima ou em Cabo Ledo não vemos o caminho exacto para chegarmos a esses apoios.

Está a referir-se ao crédito, certo?

Exactamente! Falam-nos de microcrédito, de kixi-crédito, ou mesmo de financiamentos abertos no Banco de Desenvolvimento de Angola entre tantos outros pacotes. Falam-nos de tanta coisa, mas não vemos como aceder a esses financiamentos para sermos potenciados.

No seu caso particular, o que faria se tivesse acesso ao dinheiro?

Estou a falar em nome dos agricultores da zona onde estou a trabalhar. O que nós queremos são tractores, alfaias, água e sementes. Não precisamos de adubos porque a terra não está saturada. Não sou agrónomo, mas arrisco que os nossos terrenos da cintura verde de Luanda ainda não precisam de adubos, talvez só daqui a 10 anos. 

Não havendo tractores, água e sementes como operam?

Estamos a desenrascar com os nossos meios, porque temos vontade de trabalhar e os resultados encorajam-nos. Mas, se fossemos potenciados, poderíamos produzir muito mais e melhor. Isso também tornaria mais baratos os produtos do campo comercializados nos mercados da capital.

Pode caracterizar a produção em números?

As quantidades foram demonstradas este mês, na primeira feira agropecuária realizada na Quiçama. No meu campo, só para citar, tenho neste momento a colher mais de cinco toneladas de melancia, duas toneladas de tomate de uma das melhores variedades, e mais de três toneladas de beringela. Então, a começar com os meus próprios meios, regando com camiões cisterna e tanques de água, estou a conseguir essas produções, imagine se fosse apoiado.

Não se coloca o problema do escoamento para os mercados de consumo?

Estamos às portas de Luanda e por isso não temos esse constrangimento. Aqueles que estão um pouco mais no interior devem ter sérios problemas de escoamento por falta de estradas. Mas, para além da reparação das vias de acesso, o que o Governo deve fazer é potenciar as regiões para o processamento da produção. É preciso que se criem pequenas fábricas nos pontos onde há produção para que os produtores não sejam obrigados a vender em Luanda. No Uíge, por exemplo, há muitos citrinos, mas faltam fábricas para transformá-los em sumo. Entre o Bié, Huambo e Kuando-Kubango também há uma grande produção de batata-doce e rena, mas falta uma unidade de transformação de derivados. É um grande problema.

Falta essencialmente transformação local…

O Governo deve ir ao encontro dos potenciais pontos de produção para que os produtos sejam transformados na origem e, a partir daí, abastecer o mercado interno e exportar o excedente. É preciso também melhorar a questão dos matadouros porque a nossa população consome muita carne. Em Luanda, por exemplo, temos o matadouro do Songo com capacidade de abate de mais de 100 bovinos por dia, mas já não tem condições para alimentar os animais que ficam em retém. Logo, é preciso olhar para esse matadouro, porque assim se perde a qualidade da carne. O mesmo ocorre com o matadouro da Funda, e do Km 30. Devia olhar-se para esses matadouros de outra forma, dando apoio para que consigam alimentar os animais antes do abate e para empacotar a carne. Por isso é que a Frescangol está a fazer falta.

Porquê

Tendo um animal, poderia recorrer a esse matadouro industrial para o processamento da carne. Veja que, em tempos, houve uma superfície comercial que queria carne já empacotada. Eu sou criador, tenho animais, mas não tenho condições de processar a carne e por isso perdi o negócio.

Qual é a quantidade de bovinos que possui?

Mais de 300 cabeças, mas, com o universo de todos os criadores, digo-lhe sem muito engano que entre Luanda e o rio Longa temos ali pouco mais de 100 mil bovinos.

Abandonou a avicultura?

Tenho o aviário paralisado há quase três anos por falta de apoio. Tinha uma capacidade de produção de mais de quatro mil ovos por dia. Neste momento, as três naves estão às moscas porque a aquisição de ração é outra maka. Mesmo com os esforços da Associação de Avicultores e o engajamento do seu presidente, Rui Santos, não se está a conseguir inverter o quadro sombrio.

É um negócio condenado ao fracasso?

O que precisamos neste sector é de apoio técnico. As galinhas entram em stress e, se o avicultor não tiver vacinas e ração adequada, em duas semanas perde selectivamente as aves. É por isso um negócio muito arriscado para os produtores.

Os veterinários não chegam às fazendas?

Temos tido visitas de veterinários de acordo com as suas agendas.

O Ministério da Agricultura e Pescas acaba de distribuir galinhas às famílias. Como avalia a iniciativa?

Isso é visionário, mas não resolve a questão da produção de ovos e carne de frango em grande escala. O que se pretende é minimizar os problemas para que não se agudizem. Porém, nós que estamos no terreno, na linha da frente, não estamos a encontrar vias para chegarmos aos apoios. Estamos a ver nuvens. 

Mas o Governo diz que há dinheiro, através do Prodesi…

Tem de vir ao nosso encontro. Nós contactamos as administrações e dizem também que estão a ser contactadas por esses pacotes de potencialização de pequenos, médios e grandes agricultores. Na prática, não estamos a encontrar respostas.

O que sugere?

É preciso ir ao terreno, fazer o mapeamento das famílias e saber onde estão. Fora desse quadro, não é possível alavancar a produção. Se somos contactados, depois não há resposta. Penso que a vontade está anunciada, mas não estamos a senti-la. Ou seja, não estamos a sentir nada, e pode ser que as pessoas que intermedeiam ou não têm capacidade ou ainda estão nos lugares errados. É preciso ouvir os sobas e através deles saber quem está a trabalhar. Tem de ser feito o mapeamento. Deve haver estatísticas para direccionar os apoios. As equipas têm de ser mais proactivas. Apoiem-nos com animais e sementes e verão o que faremos.

O Governo decidiu importar carrinhas para minimizar a questão do escoamento da produção do campo para as cidades. Tem alguma palavra?

As viaturas têm de parar em mãos certas. Deve haver clareza em todo esse processo. Quem vai receber estas carrinhas, e gerir estes equipamentos? Falar e depois não sabermos de concreto os beneficiários, isto está errado. O cidadão precisa de ser permanentemente informado das políticas da administração pública. 

Perfil

Um homem de altos ‘voos’

Orlando dos Santos cresceu no Uíge e, em Luanda, desenvolveu com os filhos um programa de distribuição de sopa, refrigerante e água a seguranças e agentes da polícia em serviço, no Morro Bento. Assumido militante do MPLA, partido com o qual chegar autarca ou governador, o patrão do Grupo Goepps, apesar de possuir duas licenciaturas (Direito e Teologia) decidiu abraçar a agropecuária há 15 anos por vocação herdada dos pais originários do Huambo. No Waco Kungo (Kwanza-Sul) já chegou a oferecer uma escola com quatro salas de aula apetrechadas com carteiras, mas lamenta por não estar a ser utilizada, “quando há crianças a estudar debaixo das árvores”.