"Queremos que o Governo reconheça o nosso esforço"
Dono da Angoskimas reconhece ter havido um erro "exorbitante" nos cálculos da dívida que a sua empresa exigia ao governo do Cuando-Cubango. José Maria Zeferino assegura que a empresa existe há 35 anos e é bem conhecida por dirigentes do topo. Agora, só quer receber em kwanzas e admite ficar "agradecido com o que lhe quiserem dar para poder comer e beber um litro de vinho especial com a família na sua fazenda, no Huambo".
A Angoskimas só começou a funcionar em 1997 de acordo com os diários da República consultados pelo nosso jornal. Como explica a prestação de serviços antes de 1997?
A nossa empresa foi fundada em 1986 com o nome Empresa Industrial Kima Kima-Comércio Geral não especificado. Alterámos a designação de Kima Kima para Angoskimas, a 18 de Julho de 1997. O novo nome surgiu, de facto, em 1997. Nessa altura, a empresa deslocou-se do Cuando-Cubango para a capital, com o conhecimento de todos os dirigentes da província, com quem trabalhei de 1986 até 1997.
Quem são esses dirigentes?
O comissário provincial do Cuando-Cubango, general Manuel Francisco Tuta ‘Batalha de Angola’, na altura tenente coronel. Havia os comissários-adjuntos Daniel Vapor, para área Económica e Social, de feliz memória que já não vive connosco, João de Sousa, para a área de Defesa e Segurança do Estado, o comissário provincial Skaess, que era tenente coronel, faleceu no Cazenga. Havia o comissário Manuel Dala e o governador Fernando Liwango. Ao abrigo dos acordos de paz de 1991, foi indicado pelo ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, como governador provincial o general João Baptista Chindandi. Temos os governadores, o general Eusébio de Brito Teixeira, o general Higino Carneiro e o general Pedro Mutindi. E o governador Julio Marcelino Bessa, actual gestor do Cuando-Cubango. Para área do Comércio, tínhamos como delegado Jaime Tchinguembo, que passava credenciais às empresas. Foi substituído por José Cativa. Estes dirigentes conhecem muitíssimo bem a empresa Kima Kima. No pós-guerra, toda a documentação ficou nos gabinetes provinciais por onde passaram os conflitos para renovar a documentação. Surgiu a ideia da Angoskimas. A empresa tem toda a documentação nos cartórios.
As pessoas que contactámos, que incluem gestores e empresários, disseram que não conhecem a empresa. Como explica isso?
Todos os dirigentes que evoquei são do tempo dos comissários provinciais que exerceram funções como comerciantes naquela província. Uns já partiram para a eternidade e outros já não se encontram na província. Eu saí do Cuando-Cubango, em 1997. Os dirigentes actuais não conhecem o historial da empresa. Muita gente conhece a empresa: a organização Nambulo Waposssoca, o deputado Chimuco, vários empresários. Todos eles existem. Recordo a primeira e última reunião que tivemos com o ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Quando reunimos, com a mão direita dele, me encorajou e disse que a minha empresa estava a atender os militares na frente de combate. Dava 30 a 50 caixões para entregar ao Ministério da Defesa na 6ª região. Tudo passou pela minha empresa, de 1987 até 1992. Após os acordos é que começámos a trabalhar normalmente, mas as colunas continuaram. Temos todos documentos e várias facturas.
Além de fornecer bens aos ministérios da Defesa e do Comércio, fez algum outro negócio com outras instituições como Kima Kima e como Angoskimas?
No tempo da guerra, tanto o Ministério da Defesa como o governo provincial tinham uma única ordem. Nós, os comerciantes, recebíamos os papéis provenientes do gabinete do governador provincial. Você, como subordinado a receber um documento do gabinete mais alto da província, não tem nada que hesitar. Você regista numa factura. Os cuidados que tínhamos era fazer a factura e enviar ao gabinete económico do Cuando-Cubango. Só assim é que o governo foi buscar estas facturas. Por isso é que ainda existem estas facturas nos gabinetes dos governantes que passaram no Cuando-Cubango, de 1986 até 1997. Reunimos estas facturas e com elas tínhamos de recorrer, solicitar ou reclamar a nossa dívida. Eles confirmaram e assinaram para que estas facturas sejam liquidadas de acordo com o trabalho que fizemos.
O que está a dizer é que, na altura, a empresa só fez negócios com entidades governamentais?
É mesmo isso. Por isso é que nos dirigimos ao governo provincial, a partir do governador Pedro Mutindi. O ex-governador Manuel Francisco Tuta 'Batalha de Angola' escreveu honestamente ao seu irmão de luta, Pedro Mutindi. Se for necessário, chego a Luanda e vou directamente à casa do governador 'Batalha de Angola'. Ainda está em vida. O Mutindi também está em vida, quem morreu foi o Skaess. Os outros governantes, que viram o nosso sacrifício, também não morreram. O João Samba, que foi secretário de um dos governantes, também não morreu. Esteve comigo em Junho quando fui rectificar o erro que tinha nas facturas. E foi bem rectificado. Tenho 64 anos. Faltam poucos dias para viver. Porque é que me vão sacrificar? Não temos espírito de roubar o nosso Governo.
Que cálculos é que foram feitos para a redução de 85% do valor da dívida pelo governo do Cuando-Cubango? Que tipo de erros é que continham para que se fizesse esta redução?
Não domino muito a matemática. O erro que encontrámos não foi feito por mim, mas pelo gabinete económico do Cuando-Cubango em 1997. É de uma factura de um grupo de 850 rolos de napa, que custavam 2,6 triliões de kwanzas. Este foi o erro que o Ministério das Finanças detectou e que me mandou corrigir. Eu oficialmente fui ao governo provincial e falei com os gestores e viram que o erro era exorbitante. Fizeram novos cálculos e deram-me a documentação para ultrapassar este constrangimento.
Desde quando é que a Angoskimas comecou a reclamar a dívida?
Desde que ouvimos o comunicado do decreto presidencial de que todos os empresários, com dívidas com os governos, poderiam reclamar. Achávamos que o Governo não ia olhar por nós, mas soube reconhecer aqueles que o apoiaram nos conflitos.
Que passos teve de dar para que a dívida fosse validada pelo Cuando-Cubango?
O antigo governador Pedro Mutindi recebeu a carta do seu homólogo, 'Batalha de Angola', que nos deu coragem para começarmos a escrever. Comecei a escrever e fui bem atendido. Temos as actas que elaborámos em conjunto.
Com que governador começou?
Foi com Pedro Mutindi que comecei a reclamar a dívida.
Em que ano?
Em 2018. Recorremos ao mano Francisco Tuta, porque ele já era comissário provincial e depois passou a governador. Quando viu o abandalhar pelos governantes, teve de fazer uma carta para reforçar a reclamação da nossa dívida. Ele conheceu a empresa e andámos juntos. Fomos abraçados pelo ex-Presidente de Angola. Por isso é que reforçou ao seu homólogo para não abandonar a reclamação da empresa.
Depois desta carta, que ‘feedback’ receberam?
Primeiro, tínhamos de fazer uma reunião que resultou numa acta de reconciliação de dívida. Foi feita em 2019. Concluiu que existe uma dívida de 2,9 triliões de kwanzas e outra de 9,9 milhões de kwanzas, referentes ao período de 1992 a 1997.
Depois deste reconhecimento, que passos foram dados para a acta de reconhecimento de reunião de 16 de Junho com o actual governador do Cuando-Cubango?
Depois de o Ministério das Finanças mandar corrigir, fui ao Cuando- Cubango e com o secretário provincial elaborámos várias actas. Depois encaminharam para o Ministério das Finanças. Tenho fé de que o Ministério seja de boa fé e pense no sofrimento que passámos. Estou tranquilo e não tenho constrangimentos com o governo nem tão pouco com o Ministério.
Tem noção de que, antes de ser feita a correcção, a empresa estava a reclamar um valor equivalente à capitalização do Fundo Soberano de Angola, que era de 5 mil milhões de dólares ?
Não domino as cláusulas do valor. Apenas tenho as facturas que passei para o gabinete do governo provincial. Nunca tratámos em moeda estrangeira. Nas nossas facturas, temos apenas a nossa moeda. Não sei se vão converter em dólares. Até não conheço dólar.
A dívida reconhecida hoje é superior a 700 milhões de dólares...
Isso agora passa pelo critério do Ministério. Mas nós, como cidadãos angolanos e comerciantes do nosso país, o que nos derem, vamos agradecer. Mas gostávamos que nos dessem em kwanzas. Pode desvalorizar. O que queremos é que o Governo reconheça o nosso esforço.
O valor corrigido é de 439,5 mil milhões de kwanzas. Se for convertido em dólares são 731 milhões. Tem noção do valor da dívida que a empresa está a reclamar?
Não tenho nenhum cálculo sobre esta situação. Apenas quero que me dêem aquilo que quiserem dar em kwanzas. Não preciso ir além. Já sou mais velho e já não tenho como gozar este dinheiro. Penso só estar na mata, na minha fazenda, a cuidar dos animais. O resto, com a minha família, vamos começar a rir e beber o nosso copo de vinho.
Documentos que chegaram até ao jornal dão conta que umas das empresas tinha reduzido o valor da dívida para 2,9 mil milhões tendo em conta o kwanza actual. Como diz que não faz diferença, tem noção deste valor mesmo com a redução?
Não tenho muita visão sobre os valores que vão dar à empresa. Se derem os valores de acordo com os documentos do governador do Cuando-Cubango, da declaração de reconhecimento de dívida, o montante é de 439,5 mil milhões de kwanzas referente ao fornecimento de bens diversos, que foi assinado em 21 de Junho deste ano.
Mas tem noção deste valor mesmo com a redução?
Vimos que houve um erro muito exorbitante e ficámos satisfeitos com o que nos deixaram. Diz-se que "aquilo que cortaste na cobra é que é teu". Não espero outra coisa.
Está satisfeito com a redução?
Muito agradecido. Durante 29 anos à espera deste valor, se sai agora, com a idade que tenho, é de agradecer. O tempo que resta é pouco. Pelo menos, como lá um pouco e bebo lá um litro de vinho especial e fico satisfeito.
Mas este valor, mesmo com a redução, dá para comprar muitos litros...
Para o bem dos jovens que estão a atrapalhar a movimentação das viaturas nas ruas da capital, posso empregar estes jovens na fazenda e ganham lá qualquer coisa até quando eu morrer.
Que tipo de produtos fornecia ao Governo?
Caixões, bens alimentares, mobília. Forneci muita coisa no Cuando-Cubango.
E só prestou serviços no Cuando-Cubango?
Quando saí, em 1997, do Cuando Cubango, mudei-me para Luanda de 1998 até 2000. E tive intenções de me instalar no Kwanza-Norte e tirava madeira no Bengo.
Depois de 2000 o que fez?
A empresa sempre trabalhou no comércio. Apesar de não ser a 100% por causa da mudança de capitais. Estamos a trabalhar, à espera do nosso governo para nos alavancar. O capital foi abaixo, mas continuo a pagar impostos. Neste momento, o nosso escritório está no Huambo. Estamos a trabalhar com uma padaria que também não dá lucros.
Sabe que a PGR abriu um inquérito depois das notícias sobre a empresa e a validação da dívida?
Sim. Mas ainda não tenho nenhuma notificação. Fez bem. Estamos a redigir um documento para a PGR.
Não teme nada?
Nada. Quem não deve não teme. Temos testemunhas e estão em vida. Não morreram.
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