Sama Lukonde, o rosto da nova geração que promete ‘revolucionar’ o Congo Democrático
GOVERNAÇÃO. Iniciou-se na política aos 23 anos, no activismo, e aos 29 foi eleito o mais jovem deputado do país, isto em 2006. Aos 37 anos, ingressou no governo de Matata Ponyo, mas poria o cargo à disposição, depois de discordar de um terceiro mandato de Joseph Kabila. Regressado à posição, começa a forjar uma relação de confiança com Félix Tshisekedi que, ao chegar ao poder, não teve dúvidas em nomeá-lo primeiro-ministro no princípio deste ano. Tido como tecnocrata, rigoroso e incansável, Sama Lukonde anda o país de lés a lés, carregando na bagagem um ambicioso plano de reformas.
Praticamente encravada no centro de África, a República Democrática do Congo (RDC) é considerada um ‘escândalo geológico’, de tão rico que é o seu solo. O país mais extenso da África Subsariana, com uma área de 2.344.858 km2, é também considerado um dos mais ricos em matérias-primas, condição que contrasta com os seus elevados níveis de pobreza. Estudos do Banco Mundial, realizados em 2018, dão conta que 73% da população congolesa vive na pobreza. São cerca de 60 milhões de congoleses que vivem com menos de dois dólares por dia, o que coloca o país com a terceira maior população de pobres do mundo.
Genericamente, os gigantescos níveis de pobreza são associados às várias crises políticas que assolaram o país desde a sua independência. No entanto, desde Janeiro de 2019, a população passou a acreditar na possibilidade do início de uma nova era, com a chegada ao poder de Félix Tshisekedi, do partido União para a Democracia e o Progresso Social (UDPS), que vencera as eleições presidenciais realizadas em Dezembro de 2018. Ao lado do nascente optimismo persistiam, todavia, receios de novas crises, ante o frágil acordo de coligação estabelecido entre Tshisekedi e a Frente Comum para o Congo (FCC) do seu antecessor Joseph Kabila. Impedido de avançar com o plano de reformas, face ao controlo do parlamento pela plataforma de Kabila, Tshisekedi decide então romper, em Fevereiro deste ano, com a FCC, criando a ‘União Sagrada da Nação’, com o apoio de partidos na oposição que, entretanto, romperam com Kabila.
A nova coligação é criada com elevadas expectativas, mas as críticas persistiam pelo facto de muitos actores políticos serem os mesmos e provindos de partidos diferentes. Tshisekedi reagiu. Perante vários nomes lançados como potenciais primeiros-ministros, o presidente congolês ‘remou contra a maré’, nomeando o jovem político Jean-Michel Sama Lukonde.
De 44 anos de idade, Sama Lukonde foi uma surpresa geral. O seu nome só tinha começado a ser citado 48 horas antes da nomeação. Era o lançamento histórico de uma nova geração, chamada para liderar de forma directa as reformas económicas, políticas e sociais, tão desejadas pela população congolesa.
QUEM É O NOVO PREMIÊR DA RDC
Sama Lukonde é filho de um notável político congolês Stephane Lukonde, muito interventivo na cena política da então província de Catanga. No período do partido único, Stephane Lukonde chegou ao posto de primeiro comissário de Estado, ainda no Zaíre. Morreu em 2001 e Sama Lukonde decidiu continuar a trilhar os mesmos caminhos do pai. Começou pelo activismo político, aos 23 anos, e aos 29, isto em 2006, foi eleito o mais jovem deputado na altura. Três anos depois, co-fundou o partido Avenir do Congo, em que foi vice-secretário-geral.
Aos 37 anos, ingressou no governo de Matata Ponyo, em 2014, durante a presidência de Joseph Kabila, tendo sido ministro da Juventude e Desportos, também na condição de mais jovem ministro. Mas acabou por pedir demissão por discordar de um terceiro mandato de Kabila. “Eu acredito na alternância política, sempre acreditei que é possível, antes de mais, pensar o Congo”, declara insistentemente em entrevistas.
Ao abandonar o cargo de ministro da Juventude e Desportos, Sama Lukonde começa a aproximação a Tshisekedi, enquanto este liderava apenas o seu partido. Na oposição, ambos forjaram uma relação de confiança, pelo que Tshisekedi não teve dúvidas na hora de escolher o novo primeiro-ministro, após o rompimento com a plataforma de Kabila. “Ele viu a minha assiduidade no trabalho, a minha convicção e a minha integridade. Penso que foi isso que apoiou a escolha dele em mim”, referiu numa entrevista, ao sublinhar a relação com Tshisekedi, enquanto trabalhavam juntos na oposição a Kabila.
Antes de chegar a primeiro-ministro, Lukonde foi director-geral da Gécamines, uma das mais importantes empresas públicas congolesas e uma das maiores do sector da mineração de África, explorando do cobre ao cobalto. Este último é um metal raro e precioso, sendo exactamente no Congo Democrático onde se encontra a maior parte das reservas mundiais.
Nomeado em Junho de 2019, a efectiva posse foi condicionada por sectores ligados a Kabila. Mas, um ano depois, acabou por assumir a empresa, o que ficou declarado como o primeiro grande golpe de Tshisekedi a Joseph Kabila. E, posto no comando da estatal, Lukonde soube dar o troco. Em menos de um ano, tornou públicos vários contratos embaraçosos para os próximos de Kabila, respondendo a uma exigência da sociedade. No plano mais geral, Lukonde reestruturou a Gécamines e diminuiu consideravelmente a exploração ilegal clandestina de vários minerais, implementando reformas que permitiram organizar o sector na RDC.
OS DESAFIOS COMO ‘PREMIÊR’
Já nas vestes de primeiro-ministro, Lukonde comprometeu-se com o país. No primeiro discurso, em Abril deste ano, antecipou as prioridades: a defesa e a segurança, principalmente no Leste do país, dominado por velhos conflitos, mas fez questão de sublinhar que a maior atenção será responder às necessidades do povo congolês, que reconheceu não serem poucas.
Com um plano de governo ambicioso, assente na “transparência e no rigor”, Lukonde prometeu empenho na modernização das infra-estruturas, garantiu uma profunda reforma fiscal, além de travar a corrupção e responsabilizar os infractores, “caminhos que devem levar a RDC a um lugar melhor”, como refere. E a comunidade internacional parece dar benefício da dúvida ao seu empenho e dedicação. Quando contava pouco mais de três meses à frente do governo, desbloqueou uma facilidade de 1,5 mil milhões de dólares do Fundo Monetário Internacional, empréstimo que o país vinha tentando contrair há mais de uma década, sem sucesso. Questionado sobre o segredo para convencer o FMI, o engenheiro emprestado à política argumentou que mostraram trabalho e cumpriram com todas as exigências que lhes foram apresentadas.
Incansável, Sama Lukonde move-se de um lado para outro do país “para perceber os problemas e tentar arranjar soluções”. Mas é pragmático, ao lembrar com insistência aos congoleses que não tem “fórmulas mágicas” e que, apesar da entrega, o problema que enfrenta “não é pequeno”. Desde logo, tem lembrado que encontrou um país com níveis de atraso “acentuados”. Recorda que o trabalho que faz, numa primeira fase, “não se vai fazer sentir directamente na vida da população”, mas acredita que está no caminho certo. E num país com mais de 60% da população jovem, Sama Lukonde parece ter conseguido um voto de confiança de outros jovens. A começar pelo próprio governo em que pouco mais de 40% dos 56 membros têm menos de 50 anos.
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