“A crise cambial provoca atrasos nas obrigações com o resseguro”
O presidente da Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG) admite que a depreciação da moeda nacional tem provocado alguns constrangimentos no sector que supervisiona. No entanto, garante que o mercado está em franco crescimento.
Quais têm sido as consequências da crise cambial nos seguros?
A depreciação da moeda nacional já levou algumas seguradoras a reforçarem os seus capitais próprios e tem provocado atrasos no cumprimento das obrigações com o resseguro, que é o mecanismo de dispersão dos grandes riscos, que o mercado nacional não consegue absorver, na totalidade. A ARSEG tem mantido encontros com o BNA, para a busca de soluções para este problema que é transversal a todo o sistema financeiro. Mas, as crises devem ser, também, encaradas como oportunidades. Por isso, a ARSEG procura dar o seu contributo para o alívio da pressão sobre os nossos recursos em moeda externa. Vamos criar a ANGO RE, a futura empresa nacional de resseguro, estando a comissão instaladora, que foi criada pelo ministro das Finanças e na qual a ARSEG está representada, a trabalhar para que esta instituição esteja operacional ainda este ano. Para facilitar o trabalho da comissão instaladora, a ARSEG preparou, com a colaboração de parceiros internacionais, o estudo de viabilidade económica e financeira da ANGO RE. A ARSEG reuniu-se, a 10 de Dezembro do ano passado, com todas as seguradoras para as sensibilizar no sentido de repensarem o negócio do resseguro no actual contexto de crise e para terem em consideração a circunstância de, felizmente, Angola não ter conhecido, nos últimos anos, a ocorrência de riscos catastróficos. Por isso, a ARSEG procura estimular as seguradoras a serem criativas, a pensarem em mecanismos diferentes de dispersão dos riscos, alternativos ou complementares do resseguro.
Apesar desse quadro, como avalia o mercado de seguros de Angola?
O mercado de seguros em Angola continua, apesar da crise económica e financeira, a registar um franco crescimento. Em 2012, havia 13 empresas seguradoras autorizadas, número que subiu para 15, em 2013, depois para 17, em 2014. Hoje, o número de seguradoras licenciadas é superior a 20 e os pedidos de novos licenciamentos continuam a dar entrada na ARSEG. No tocante ao volume de prémios de seguro, Angola é o quarto maior mercado na África subsaariana, a seguir à Africa do Sul, Nigéria e ao Quénia, apesar de ser aquele em que o valor mínimo de constituição de uma seguradora é o mais elevado (equivalente a 10 milhões de dólares). E, como sabe, o investimento privado, seja nacional ou estrangeiro, só é realizado quando existe confiança no presente e, sobretudo, no futuro de uma economia. E é isto o que tem vindo a acontecer, no nosso mercado de seguros, sobretudo nos últimos anos. Este quadro cria responsabilidades acrescidas para o regulador, que tem de refinar os instrumentos de regulação e de supervisão, quer prudencial, quer comportamental, para defesa dos interesses do mercado no seu conjunto e sobretudo dos seus consumidores, e tem de tornar o mercado atractivo, viabilizando a actividade dos operadores. É esta a principal missão da ARSEG e dos poderes públicos.
Mas, apesar dos números, a taxa de penetração dos seguros em Angola continua a ser muito baixa, sendo, segundo dados da própria ARSEG, inferior a 1%. Como situa o mercado segurador angolano no contexto africano?
De facto, a taxa de penetração dos seguros em África (a África do Sul e a Namíbia são excepções, com taxas de penetração superiores às de muitos países desenvolvidos) anda em torno de três por cento do PIB, sendo a mais baixa, quando comparada com as registadas nos restantes continentes. Na Ásia desenvolvida, Europa e América do Norte, a taxa de penetração dos seguros é superior a seis por cento; na Oceânia é cerca de cinco por cento; e na América Central e América do Sul, bem como no Caribe, a taxa de penetração é sensivelmente igual à africana. As razões podem encontrar-se nos baixos níveis de rendimento e, em consequência, de poupança interna; na fraca cultura de seguros dos agentes económicos e das famílias; e na preponderância dos seguros Não-Vida, em detrimento dos seguros Vida, quando em economias mais desenvolvidas a relação é justamente a inversa.
Como inverter este quadro?
A solução está em superar a actual crise e lutar por um crescimento económico mais robusto, por uma melhor distribuição do rendimento nacional, por maiores taxas de poupança interna e, last but not least, por um aumento da literacia financeira e, em particular, da cultura de seguros. Só com esta perspectiva abrangente, que põe o acento tónico no crescimento económico e consequentemente no aumento do rendimento das empresas e das famílias, bem como das suas poupanças, poderão as campanhas de sensibilização sobre o papel e a importância do seguro ser bem-sucedidas. Mas, não descuramos a literacia financeira. Por isso, estamos a estudar com o Ministério da Educação e o BNA e a CMC a possibilidade de, a partir da 5ª e 6ª classes, serem introduzidas, no sistema de ensino, disciplinas curriculares, sensibilizando os estudantes sobre o papel e a importância da intermediação financeira para o crescimento e o desenvolvimento económico e, em particular, sobre o papel do sector segurador para a protecção de pessoas e bens contra os riscos a que estão sujeitos, na vida económica e social.
Há quem defenda que deveria haver maior agressividade na política de seguros obrigatórios, aumentando o seu número, como forma de contribuir para o aumento da taxa de penetração de seguros. Qual é a posição da ARSEG?
O sector segurador não pode alhear-se do quadro macroeconómico em que está inserido. Estamos a viver uma conjuntura difícil, por razões conhecidas de todos, com a relativa perda da estabilidade económica e financeira, que havia sido consolidada sobretudo a partir de 2002. Neste momento difícil, em que as famílias sofrem com a forte queda do poder aquisitivo dos salários, as empresas estão com grandes dificuldades em manter os níveis de rendibilidade e o sistema financeiro regista uma drástica diminuição de oferta de moeda externa, numa economia ainda muito dependente do exterior, a estratégia da ARSEG não passa, a curto prazo, por um aumento do número de seguros obrigatórios, que, neste momento, são apenas três, a saber: seguro de responsabilidade civil automóvel; seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais; e seguro de responsabilidade civil de aviação, transportes aéreos e infra-estruturas aeronáuticas.
E qual deverá ser a estratégia a seguir pela AERSEG, em relação aos seguros obrigatórios?
A estratégia passa por reestruturar os seguros, para os tornar mais eficientes. Assim, estão praticamente concluídos os trabalhos para a institucionalização da obrigatoriedade de contratação em Angola do seguro de importação de mercadorias, medida que terá um grande impacto no nosso sector segurador e no nosso sistema financeiro, porquanto o nosso país é essencialmente importador, de bens alimentares, bens de equipamento e matérias-primas. Por outro lado, está em estudo um novo modelo para o seguro das operações petrolíferas, bem como a criação de uma empresa nacional de resseguro. Estas duas últimas medidas farão afluir ao nosso sistema financeiro mais capitais, aliviam a pressão sobre a nossa balança cambial, além de criar mais emprego e capacidades técnicas no domínio do seguro e resseguro. Estas e outras medidas em estudo farão aumentar o volume de prémios de seguro, com repercussão no rácio dos prémios de seguro sobre o PIB, que ainda é baixo. Quando a economia retomar o curso de crescimento robusto – o sector segurador espera poder dar um grande contributo para que tal aconteça - aí, sim, poderá ser aumentado o leque dos seguros obrigatórios.
O alargamento do mercado de seguros também aumenta as responsabilidades da ARSEG, enquanto entidade supervisora. Como pensa a ARSEG preparar-se para estar à altura destes desafios?
Com o aumento da formação dos seus quadros e o reforço da componente tecnológica da sua actuação. A este respeito, estamos a reactivar os programas de cooperação com instituições congéneres, como a Autoridade de Seguros de Portugal, a Superintendência de Seguros do Brasil e a Autoridade Monetária de Macau, entre outros. Por outro lado, e como já lhe referi, estamos a rever o nosso quadro legal e regulamentar, incorporando no nosso sistema jurídico os melhores princípios e práticas, a nível mundial, quer no domínio da supervisão prudencial, quer da supervisão comportamental. De referir, igualmente, que já assinámos um protocolo com a Comissão de Mercado de Capitais, e pretendemos assinar outro com o BNA, para coordenarmos as nossas acções, quer no campo da formação, da troca de informações e da participação em fóruns internacionais, tendo em vista a prevenção de riscos sistémicos no nosso sistema financeiro.
Disse que iria haver um novo modelo de seguro e resseguro das operações petrolíferas e estaria para breve a criação de uma empresa nacional de resseguro. Quer abrir um pouco mais o jogo e dar-nos mais pormenores sobre estas duas iniciativas?
São processos que estão em curso, pelo que não me parece apropriado antecipar conclusões, nesta fase. O que lhe posso dizer é que vamos procurar maximizar os efeitos multiplicadores do seguro das operações petrolíferas sobre o mercado de seguros, em particular, e o sistema financeiro, em geral, e obtê-lo nas melhores condições de mercado, em termos de qualidade e de preço, tal como a lei o exige. Por outro lado, sendo que o volume anual de prémios de seguro se cifra em cerca de mil milhão de dólares e sendo transferidos para o estrangeiro cerca de 50% desse valor, para pagamento de prémios de resseguro. A criação da empresa nacional de resseguro vai aliviar a pressão sobre os nossos recursos em moeda externa, o que será muito positivo para o nosso sistema financeiro e a economia nacional, além de aumentar a oferta interna de emprego especializado.
Muitos segurados queixam-se de haver morosidade da parte de algumas seguradoras em dar resposta atempada, em caso de ocorrência de sinistros, em contraste com a rapidez com que recebem os prémios. Que avaliação a ARSEG faz desta reclamação?
O seguro é um contrato de máxima boa-fé e este princípio deve reger a actuação, quer de seguradoras, quer de tomadores de seguro. Assim, a seguradora deve, no cumprimento do dever de informação, elucidar o tomador do seguro sobre a extensão e os limites da cobertura que está a fornecer, alertando, nomeadamente, sobre as exclusões do contrato. Por outro lado, a seguradora não deve recorrer a expedientes dilatórios no momento de regularização dos sinistros. Só assim as empresas e as famílias compreenderão o valor e a importância do seguro e se evitarão frustrações, no momento de ocorrência de sinistros.
Qual tem sido a actuação da AERSEG em caso de diferendo entre a seguradora e o tomador do seguro?
A ARSEG, em caso de diferendo entre a seguradora e o tomador do seguro, tem procurado exercer uma magistratura de influência, aproximando as partes e encorajando-as a encontrar soluções justas e expeditas para os seus diferendos. Muitas reclamações têm sido atendidas com a mediação da ARSEG. Também é importante referir que a ARSEG criou a figura do Provedor do Cliente, cuja missão é, justamente, dar resposta aos clientes sobre as suas reclamações. Vamos publicitar, com maior vigor, a existência desta figura, cuja missão nos parece decisiva para diminuir os níveis de conflitualidade no sector. Mas, devo, igualmente, sublinhar que o mesmo princípio, da máxima boa-fé, se aplica ao tomador de seguro, que não pode ver no seguro uma fonte de enriquecimento, mas tão só de indemnização pelos prejuízos sofridos e, em última análise, de reposição do bem sinistrado.
O Fundo de Garantia Automóvelparece não estar muito claro para todos. Qual é, exactamente, o papel do FGA?
O FGA foi criado para intervir, em caso de danos provocados por veículos automóveis, quando o responsável pelos danos seja desconhecido, se tenha posto em fuga ou não seja detentor do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. Nestes casos, o FGA intervém para indemnizar os lesados pelos danos pessoais, nomeadamente morte ou danos corporais, que tenham sofrido. Recentemente, o FGA lançou uma campanha nos órgãos de comunicação social para melhor explicar a sua missão, que é muito importante, atendendo aos elevados índices de sinistralidade rodoviária. Embora o seguro de responsabilidade automóvel seja obrigatório por lei, nem sempre a lei é cumprida, havendo muitos condutores a circular sem seguro. Por outro lado, às vezes, os causadores de acidentes não assumem as suas responsabilidades, pondo-se em fuga. Importa, todavia, deixar claro que, nesses casos, o FGA apenas intervém para cobrir danos pessoais e não os danos materiais. Também neste domínio o princípio da máxima boa-fé tem plena aplicação: o recurso ao FGA não deve servir para dar guarida a processos fraudulentos ou fictícios de acidentes, sob pena de responsabilização civil e criminal de quem assim proceda.
Tendo o FGA papel tão importante, como se explica que a sua acção não seja conhecida do grande público?
Vamos continuar a publicitar o papel do FGA, no quadro do seguro de responsabilidade civil automóvel, em colaboração com a ASAN (a associação das seguradoras) e os meios de difusão massiva. E vamos também avaliar os constrangimentos que impedem o FGA de actuar com maior vigor. Um deles está identificado: é a exigência que a lei faz de a vítima de acidente intentar acção judicial contra os presumíveis causadores dos acidentes, como condição prévia para que o FGA indemnize os danos pessoais sofridos pelas vítimas. Tal tem-se mostrado impraticável, sobretudo nos casos, infelizmente frequentes, de fuga do condutor causador do acidente. Vamos avaliar em que medida podemos flexibilizar esta exigência legal, para que o FGA possa cumprir, plenamente, a sua função económica e social.
A ARSEG realizou, há dias, o seminário sobre a Carta Amarela. Que significado tem a Carta Amarela para os angolanos?
A Carta Amarela é um seguro regional de responsabilidade civil automóvel, no espaço do COMESA (Mercado Comum da África Oriental e Austral), que poderá beneficiar os angolanos, que conduzirem veículos automóveis neste espaço e sofrerem qualquer acidente, ou os estrangeiros, oriundos deste espaço, que nos visitarem e tiverem um acidente rodoviário. A hipótese de acidentes rodoviários no estrangeiro não é remota, infelizmente, seja quando estamos de férias, ou viajamos em serviço. E, nesses casos, constitui factor de tranquilidade saber que, se ocorrer um acidente rodoviário, temos assegurada a cobertura de um seguro regional. O seminário visou sensibilizar os cidadãos e as instituições sobre a importância de Angola aderir a este mecanismo de integração regional, a nível dos seguros.
Há alguns meses, o Presidente da República reconheceu que, em matéria de diversificação da economia, se falou muito, mas se fez muito pouco, ou quase nada. Poderíamos estender essa avaliação ao sector dos seguros em Angola?
Já vimos que o sector de seguros está em franco crescimento, mesmo em contexto de crise. Quanto à diversificação da economia, para que ela seja uma realidade é indispensável a existência de um sistema financeiro pujante e diversificado, capaz de financiar os programas e projectos dos agentes económicos e de oferecer protecção aos agentes económicos para os riscos, comerciais e não comerciais, que eles enfrentam, na sua actividade. A ARSEG está a dar o seu contributo, procurando reforçar o papel dos chamados investidores institucionais tradicionais, que são as seguradoras e os fundos de pensões, para que o sistema financeiro possa dispor de fundos de médio e longo prazos, cuja existência tem reflexos positivos no volume e na qualidade de crédito à economia. Por outro lado, e porque a ARSEG está ciente da importância que têm a agricultura e as agro-indústrias na diversificação da economia, estamos a trabalhar, em conjunto com os ministérios da Agricultura e da Economia, e com parceiros internacionais especializados, no sentido de criarmos o seguro agrícola, com ênfase nas culturas de maior consumo, como milho, feijão e batata. É consenso que o aumento da actividade agrícola e agro-industrial é o cerne dos processos de industrialização e diversificação da economia.
Já desempenhou elevados cargos como ministro das Finanças, governador do BNA, ministro- adjunto do primeiro-ministro e coordenador da Comissão de Gestão da extinta ANIP. A crise que estamos a viver era previsível? Acredita que Angola vai sair reforçada?
As crises nas economias são cíclicas. Não é só a economia angolana que está a passar por momentos difíceis. A presente crise não só não é a primeira que já vencemos, como não será a última que vamos ter. O que varia é o grau de resiliência das economias às crises. Infelizmente, a nossa economia ainda depende, excessivamente, de uma commodity, o crude, e não custa reconhecer que talvez não tenhamos sabido aproveitar convenientemente o período de ‘boom’ do preço do petróleo, para industrializarmos e diversificarmos a nossa economia. Daí que os efeitos da crise estejam a ser severos, para o Estado, as empresas e as famílias.
Como avalia a resposta institucional que tem sido dada para contrariar os efeitos da crise?
A resposta institucional que está a ser dada parece-me, no essencial, correcta, no que respeita à redução e racionalização da despesa pública e aos esforços para a captação de investimento privado, sobretudo para a produção de bens transaccionáveis.
PERFIL
Licenciado em Direito, Aguinaldo Jaime possui um mestrado em Direito Económico. Desempenhando actualmente as funções de presidente da Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG), exerceu outros cargos de realce, em que se destacam o de Governador do Banco Nacional de Angola, ministro-adjunto do primeiro-ministro, ministro das Finanças e assessor do Presidente da República para as questões do Programa Económico e Financeiro. Foi igualmente coordenador da comissão de reestruturação da extinta Agência Nacional para o Investimento Privado. Já esteve presidiu ao Conselho de Administração do Banco Africano de Investimento, além de ter exercido as funções de conselheiro do presidente do (Banco Africano de Desenvolvimento) e de director do Gabinete de Investimento Estrangeiro. É mestre em xadrez e lidera a federação angolana da modalidade.
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