AFRIKHANITHA, A VOZ DO JAZZ ANGOLANO

“A música hoje já não me inspira a ter grandes sonhos”

MÚSICA. A residir em Miami, Florida, nos EUA, Afrikkanitha aposta tudo nos estudos superiores em jazz e assume que boa parte do seu rendimento vem da música, mas também lecciona Língua Portuguesa e faz confecção de bolos. Sente-se desencantada, mas conformada por haver “boicote” entre os produtores e organizadores de eventos e inclusive com os colegas.

O Afro jazz tem futuro em Angola?

Se acreditarmos e investirmos, tem sim.

Disse que a rádio não passa todos os estilos. Mantém a ideia?

As rádios, no geral, com excepção de algumas, tocam apenas um estilo. Assim é muito difícil educar o ouvido do povo angolano. É preciso paulatinamente que se introduzam outros estilos e, se possível, até em horas um pouco impróprias para as pessoas reagirem e começarem a habituar-se.

E nestes casos, qual deve ser o papel do artista?

O artista tem de continuar a promover, a acreditar no que faz. Só deste modo o impossível acontecerá.

Há orçamentos estipulados. Será esse o motivo de não termos a Afrikkanitha nos grandes eventos nacionais?

Não! Já não sou convidada para os grandes eventos. Às vezes, o meu nome está na lista e aparece alguém que diz não gostar de mim e tiram. Outras vezes, são os próprios colegas que me impedem de aparecer. Dizem que não estou em Angola, ou não dão o meu número de telefone, fazem qualquer coisa para impedir. Isso é assim há muito tempo. Ainda vivia em Angola e conheço alguns dos colegas que fazem isso (risos). Fazer o quê? A vida continua.

Quanto cobra para um ‘show’ das multidões?

Depende de quem contrata. O ‘cachet’ varia muito.

Considera-se cantora para um público específico?

Não! Canto para todos, apenas alguns se identificam.

Internacionalmente onde actua?

Em vários países como Portugal, Brasil, Dubai, França e EUA. Tenho recusado outros por enquanto, porque a universidade tem tomado todo o meu tempo.

A música é a sua única fonte de rendimento?

Na universidade, dei aulas de língua portuguesa, às vezes, faço encomendas de bolos para a igreja (sou doceira), tenho o curso de panificação e pastelaria, a minha mãe pôs-me a fazer vários cursos durante a minha adolescência. Fiz costura também, mas ganho a vida essencialmente a cantar, é o que mais gosto de fazer. Gosto de organizar concertos, por isso organizo os meus.

Sente-se realizada?

Depois da minha formação superior em Estudos de Jazz, sentir-me-ei de todo realizada. Já não sonho em ser famosa, foi na adolescência! A música hoje já não me inspira a grandes sonhos. Está tudo tão mudado. Faz sucesso quem não tem talento, basta ter uma cara bonita para se abafar um grande talento. Perdi o interesse, quero leccionar, quero muito trabalhar com crianças.

Como foi a sua entrada na música?

Depois de a música se ter manifestado em mim, um amigo, Maninho Teixeira, introduziu-me ao mundo da música. A seguir, o Oliveira Janjão deu-me outro grande suporte.

Que caminhos teve de percorrer até chegar onde está?

Do sacrifício e determinação. Continuo a percorrer até agora.

Como foi a passagem do estilo que fazia no grupo ‘N’Sex Love’ para o Afro jazz?

Não foi difícil, sou naturalmente versátil.

Foi a primeira angolana com a ‘coragem’ de passar por todas as fronteiras da música. O que a incentivou?

Tenho uma missão, mas nunca me senti cansada. Devo sempre vencer o próximo obstáculo. É Deus que dá talento, escolhe e capacita. Não tenho feito nada sozinha.

Que importância teve o seu esposo (Simons Mansini) na sua carreira?

Foi o produtor do meu primeiro disco a solo, ajudou-me muito.

Como conseguiu ultrapassar o estrabismo? Ultrapassar como?

Sou estrábica até agora (risos). Não tenho vergonha de ser como sou porque não nasci assim, fiquei assim num acidente e os meus pais é que estão de parabéns, porque nunca me trataram como uma criança deficiente. Só a sociedade é que me vê de maneira diferente, em casa sempre fui igual aos outros. E a vida deu-me amigos tão bons, que me amam do jeito que sou e não falam no assunto sequer!

A ‘Kanitha Magazine’ era de carácter educativo e informativo. Teve como objectivo reforçar o jazz em Angola?

Sim, e dar ao público angolano, principalmente o juvenil, uma leitura mais didáctica, mais educativa e informativa.

Conseguiu alcançar os seus objectivos?

Senti um ‘feedback’ positivo, mas é um trabalho de continuidade. Tive de parar porque voltei a estudar. Quando acabar a universidade, reato o projecto ‘Kanitha’.

 

PERFIL

Nome: Eunice José

Estado civil: casada

Filhos: 3

Formação: Estudos De Jazz pela FMU (USA)

Ocupação: Rádio host (Jazz Em Casa) cantora, desportista, mãe, dona de casa, compositora e produtora, etc.

Cantores nacionais: Todos. Andar a citar nomes, às vezes, só traz problemas. Já sou muito polémica.