“A nota atribuída a Angola no Doing Business está errada”
Director da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP) contraria avaliação do relatório Doing Business sobre a economia nacional, que coloca Angola entre os piores países para se fazer negócio e acusa instituição de desconhecer os reais indicadores económicos do país. Reforça que o surgimento de uma nova legislação veio dar outro fulgor ao sector que acumula actualmente investimentos na ordem dos 9 mil milhões de dólares.
Qual o balanço que faz do trabalho efectuado pela UTIP, volvidos cerca de 12 meses desde a sua criação?
Tão logo chegámos à UTIP, começámos a desenvolver uma série de tarefas no sentido de constituir uma UTIP capaz de ir ao encontro do interesse dos investidores, quer nacionais, quer estrangeiros. Desenvolvemos um trabalho intenso, no sentido de preparar, com qualidade, tudo quanto tivesse a ver com captação de investimento, quer nacional, quer estrangeiro. Pensamos que as pessoas começaram a sentir que têm uma instituição nova, que tem como base de actuação uma Lei de Investimento Privado nova que está a ir ao encontro dos interesses destas mesmas pessoas e encontrar também o melhor formato de atendimento, a melhor celeridade, a não burocratização e a simplificação dos procedimentos. Hoje, em 45 dias, se tudo depender só de nós, temos condições de ter uma proposta aprovada e um contrato também celebrado. Se antigamente, se dizia que um «projecto de investimento privado» demorava muito por culpa de uma instituição do Estado, hoje entendemos que é exactamente o contrário. Os processos demoram porque, às vezes, o investidor é que tem um elemento no processo em atraso. Ou precisa de concluir o estudo de viabilidade ou o próprio projecto ou tem um problema de financiamento.
Apesar das reformas que mencionara, Angola é ainda considerado, pelo Doing Business do Banco Mundial, como dos piores países para se fazer negócio…
Acho que as agências de notação não estão a fazer bem a notação. Porque hoje, se, por um lado, nos dizem que o nosso processo de criação de empresas é cada vez pior, há quem diga também que estamos a melhorar. Prova disso é que recebemos um prémio agora, em Paris, em sede do qual se reconhece que trabalhamos com muita qualidade. Portanto, depende de quem faz a observação. Se calhar é problema escolástico ou falta de alguma informação. Se calhar até é nossa culpa de não termos dado a informação necessária a quem merece para que pudesse saber em que posição é que estamos. Hoje é rápido ir ao Guiché Único da Empresa (GUE) e tratar da criação de uma empresa. É fácil articular com outras instituições a solução de problemas, embora haja ainda alguma dificuldade na concessão de vistos, isso é indiscutível e precisamos melhorar, mas não há comparação do ontem com o hoje. Estamos muito avançados. Mas nós não queremos discutir isso. Queremos trabalhar para melhorar e as pessoas vão sentir que a nota atribuída à Angola, no Doing Business, é errada. Portanto, nós não reprovamos, passamos.
Em recentes declaraçõe ao VALOR, a embaixadora do Estados Unidos, em Angola, considerou que o país deveria dar espaço às empresas para agirem de forma independente no mercado. O que acha desse posicionamento?
Compreendo a senhora embaixadora. É muito normal que ela coloque esta questão. Mas também temos de dizer às pessoas que a realidade angolana é diferente. Se estamos numa fase de cada vez mais crescimento económico, faz sentido que nalguns sectores considerados chave, os angolanos sejam também chamados. Estamos a fazer isto não só para agradar o investidor externo, mas também os cidadãos nacionais. Os angolanos não podem ficar para trás. Os angolanos merecem prioridade, devem ser atendidos e podem fazer parte de todo esse processo. Entendemos que a melhor forma de resolver os nossos assuntos é não nos esquecermos dos cidadãos angolanos. E a soberania angolana vale também por isso, porque senão estamos a entregar sectores-chave só ao investidor externo e os angolanos não têm uma palavra a dizer. E isso não pode ser.
A embaixadora falava também na possibilidade de as empresas norte-americanas apostarem noutros mercados onde haja mais abertura, em detrimento de Angola…
Angola tem muita abertura e não há problema nenhum quanto a isso. Temos muitas empresas estrangeiras em Angola. O que existe são ainda alguns problemas burocráticos que precisamos ultrapassar, mas isto não impede que não possamos cada vez mais melhorar todo esse processo que visa trazer condições para o investimento. Como disse, se ontem o processo foi burocrático, hoje o processo é cada vez menos burocrático e mais aberto. sobre aquilo que nos diz respeito, temos a obrigação de encaminhar de forma desburocratizada, simplificada e célere. Este é o compromisso a que nos vinculamos e vamos continuar a fazer isso. A questão colocada pela embaixadora, como disse, é compreensível, cada país tem a sua política de investimento. Que mal tem um angolano fazer parte da parceria? Mesmo que ele não tenha dinheiro para investir, pode haver aqui uma relação contratual creditícia. Imagine que o investidor externo consiga um crédito angolano e, ao invés de, na repartição de lucros e dividendos, ela se efectivar em 10 anos, pode se efectivar em 15 ou 20 anos. Portanto, dilata-se o prazo de reembolso do capital e esta é uma forma de o angolano também participar. Temos também de ir ao encontro dos angolanos, porque estão em primeiro lugar.
Os angolanos têm correspondido às expectativas, no quadro dessa parceria exigida por lei?
Até agora não temos razões de queixa. Temos estado a trabalhar claramente nesse sentido e as parcerias legalmente obrigatórias são aquelas que, na verdade, têm resultado positivamente.
Qual é o volume de investimento privado até aqui já processado pela UTIP?
Entre cerca de 35 contratos, notamos que por mês, em média, assinamos dois a três contratos que estão na ordem de quase 9 mil milhões dólares. Portanto, são contratos que levam, em média, entre 34 e 36 meses para serem concretizados. Pensamos ser tempo razoável, até porque são projectos que estão acima dos 10 milhões de dólares. São projectos grandes. E, às vezes, não se sente o impacto, mas temos vários projectos que estão a ser implementados. Ainda só temos 12 meses, somos uma criança, mas estamos a começar a andar. Temos a responsabilidade de acompanhar a evolução dos projectos, fiscalizar e ver em que medida os postos de trabalhos prometidos estão a ser cumpridos. Avaliamos também o impacto económico e social dos projectos que tem de estar voltado à criação de uma maior produção interna, no sentido de satisfazer o mercado e evitarmos a importação. Queremos criar um quadro de bem-estar social e económico para as pessoas idosas, crianças e mulheres para que a vida económica e social progrida; combater as assimetrias regionais, porque há projectos que ocorrem nos municípios e entendemos que as populações devem sentir o impacto que os projectos vão causar.
Como avalia a interacção entre a UTIP e os departamentos ministeriais de investimento privado?
A família do investimento privado hoje está repartida em quatro. A agência de promoção, que é a APIEX que se propõe a promover a captação de investimentos e exportações; as unidades de apoio ao investimento privado nos governos provinciais, que se propõem a apoiarem os investidores ali no município; temos as unidades de apoio nos sectores, como na agricultura, indústria, enfim, tudo que são projectos abaixo dos 10 milhões de dólares e, depois, temos a UTIP, da casa civil do Presidente da República. Esta família do investimento privado está comprometida com uma coisa que se chama qualidade no tratamento, atendimento, simplificação e desburocratização dos processos para a concretização dos projectos de investimento privado. Hoje o que mais queremos é captar investimento externo para que possamos importar divisas para o país, melhorarmos quer o nosso sector cambial, quer balança de pagamentos e, dessa forma, conseguirmos, de facto, criar equilíbrios que possam ir ao encontro daquelas que são as principais necessidades e o foco da nova política do investimento privado.
Quais têm sido as áreas mais apeteciveis para os investidores?
O sector produtivo é aquele que mais é chamado a nível do investimento privado. Falo nomeadamente do sector da agricultura, indústria, transportes, turismo e logísticos. O sector da energia é outro que tem merecido destaque. Temos, a este nível, vários projectos e muitas propostas para o sector das refinarias. Claro que este é um assunto em que a Sonangol tem responsabilidades e temos abordado a Sonangol para que possa também pronunciar-se. Portanto, os projectos são inúmeros, a vontade é grande. Entendemos que dessa forma vamos poder ir ao encontro do interesse do investidor, apoiá-lo, fazer com que se sinta confortado e fazer com possa atender o interesse do Estado, que é promover a produção interna, satisfazer o interesse da população, criar impacto económico e social na vida das pessoas. Daí o nosso papel de articulação de modo a que as coisas possam progredir sem dificuldades de maior. A nossa ideia é fazer acontecer o projecto e que os resultados sejam satisfatórios.
Quantos postos de trabalho já terão sido criados, com base nos contratos de investimento privado já aprovados?
Estimamos que mais de cinco mil postos de trabalho directo vão ser criados com os projectos em curso. E mais de dois mil postos de trabalho de forma indirecta. Cada processo tem uma fase de implementação e durante esse período ele (projecto privado) pode garantir essa dinâmica, em termos de geração de emprego. Dessa forma correspondemos aos interesses do Estado e do investidor. Estamos aqui para levar o investidor ao colo. O investidor tem de se sentir acarinhado e tem de sentir que o investimento que ele vai trazer terá benefícios e incentivos fiscais que servirão de estímulo para que ele possa continuar no mercado nacional.
Qual é a origem do investidor que vem a Angola?
São mais europeus e asiáticos. E o papel dos angolanos é sempre de parceria. E não é somente como simples funcionário que o angolano vai garantir o seu posto de trabalho, mas também como técnico que pode fazer parte da equipa que trata do conhecimento. Os angolanos vão tendo um papel cada vez mais importante, o que é essencial. Achamos que, dessa forma, vamos poder ir ao encontro do interesse dos cidadãos. Porque os cidadãos querem ter espaço de intervenção nos projectos e isso vai-se fazendo. Cada vez mais vamos diminuindo mão-de-obra estrangeira nos contratos de investimento privado, a favor de mão-de-obra nacional que vai ocupando o seu espaço e vai tendo a possibilidade de realizar os seus sonhos profissionais.
Que desafios a UTIP tem pela frente?
O desafio é grande, é de continuarmos a trabalhar para que as coisas aconteçam e bem. O nosso comprometimento é fazer com que as pessoas ganhem com o investimento, porque essa é a nossa razão de ser. O investimento serve para melhorar a vida das pessoas e para lhes dar qualidade de vida. Serve para evitar que só o Estado invista, mas que o particular possa também fazer a sua parte, quer seja cidadão nacional, quer seja estrangeiro. O investimento serve para ajudar a economia a crescer. E tudo isso vai fazer com que, a médio e longo prazos possamos obter bons resultados, que o produto nacional passe a ter valor acrescentado, passa a ser consumido internamente e possa ser exportado. E esta combinação de factores vai melhorar os vários sectores do país. Queremos com isso fazer com que, Angola se torne uma potência económica, não só regional, como também a nível do mundo. Só a produção em agricultura poderia servir para sustentar o continente inteiro. Temos muitos rios, o nosso mar é rico, temos recursos minerais e uma série de outros recursos que podem ajudar a alcançar este desiderato.
PERFIL
Norberto Garcia é formado em Direito, tendo exercido, durante largos anos, a actividade de advocacia. Possui também formação em gestão de conflitos, no domínio da conciliação, mediação e arbitragem. É oficial superior das FAA na reserva, ostentando a patente de coronel. A sua carreira nos tribunais militares decorreu entre 1985 e 1994. Neste período, exerceu também a magistratura judicial durante três anos. É gestor de empresas no sector privado, área onde chegou também a exercer advocacia empresarial.
A nível partidário, já foi secretário para os assuntos políticos, eleitorais, económicos e sociais do MPLA, em Luanda, tendo desenvolvido, igualmente na capital do país, as funções de secretário para a informação e propaganda do partido maioritário. Actualmente, ocupa o cargo de director da Unidade Técnica de Investimento Privado (UTIP), órgão adstrito à Presidência da República.
BCI fica com edifício do Big One por ordem do Tribunal de...