“A política monetária não está a propiciar o investimento”
Primeiro, a política monetária conduzida pelo BNA: “não está a propiciar o investimento”. Segundo, os rácios da dívida pública, face ao PIB: “deveriam estar nos 50%”. Terceiro, a política fiscal: “não há escapatória”. E, entre outros temas, o projecto de criação da futura Ordem dos Economistas: “serei candidato”. Quem o diz é o ex-decano da Faculdade de Economia da UAN, o economista Fausto Simões.
Olhemos antes para a conjuntura económica. O Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que a taxa de inflação, em Angola, atingiu níveis “inaceitáveis”. Tem razão o Fundo?
Os actuais níveis da taxa de inflação, em Angola, são, de facto, preocupantes, sobretudo para um país que já conseguiu reduzir para um dígito, mais concretamente nos 9%, há uns três anos. São níveis preocupantes que demonstram alguma distracção. É o termo que me ocorre em relação a alguns dos nossos responsáveis que cuidam dessas matérias. O Governo fala em 40%, mas o FMI admite que a inflação tenha chegado aos 45%. Para este ano, o FMI prevê uma taxa de inflação na casa dos 20%, enquanto o Executivo admite que consigamos baixar esta taxa de inflação para 15 por cento.
Quem está a ser mais realista?
Admito que se possa conseguir as metas do Governo, com as restrições de circulação da massa monetária como está a acontecer. Só que há outras consequências nefastas com a política monetária que está a ser seguida, de tal modo agressiva, tentando, a todo o custo, atingir essa cifra. Creio que as consequências não serão tão boas, pela forma como está a ser conduzida essa redução.
Porque?
Porque não está a propiciar o investimento. Não havendo massa monetária em circulação em quantidades ideais, não há investimento e, não havendo investimento, não há desenvolvimento. Acredito que as autoridades estão atentas a essa situação. Tem de se encontrar aí um meio-termo. Não queremos uma inflação alta, mas também não pretendemos que o investimento seja travado. E refiro-me ao investimento de pouca montra, o micro e o médio investimentos não estão a ser possíveis. Podemos olhar também para o caso dos salários. Não se pode aceitar que, há quatro anos, os salários reais da função pública sejam sucessivamente diminuídos. O salário real dos funcionários está a diminuir todos os anos. E em quatro anos, no mínimo, foram reduzidos à metade. Isso é uma situação que cria constrangimentos, cria dificuldades na qualidade de vida das populações.
Mas isto não quer dizer que não há soluções fáceis? Os rendimentos das famílias quedaram, em parte, precisamente pela elevada inflação que se quer controlar com uma política cambial mais restritiva. Há soluções alternativas?
O ideal seria a inflação ser reduzida por via da colocação de mais bens ao serviço da população, porque, se a oferta de produtos fosse uma constante, obviamente a procura reduziria. É assim que se equilibra a inflação nos países onde há produção, mas nós não temos a tal produção.
É precisamente esse o ponto-chave. Não temos produção, o que faz do nosso caso um caso diferente.
Nós não temos a tal produção, porque, apesar da pretendida diversificação económica, ainda não temos os níveis ideais de diversificação que permite essa maior oferta de produtos, pelo que reconheço que é difícil encontrar uma solução. Aí a necessidade de se procurar o meio-termo. À medida que se vai diversificando a economia, tem de se ir permitindo um surgimento de maior massa monetária em circulação para desafogar as pessoas que não podem viver nesse aperto durante anos sem limites, porque isso cria constrangimentos sociais e dificulta a consolidação da classe média. E, sem classe média, não há investimento, não há micro e médias empresas a surgirem e a consolidarem-se. E, sem tudo isso, como já disse, não há desenvolvimento. Isso tudo é um ciclo que está interligado. É preciso mexer não só numa variável, como é o caso da restrição da massa monetária. É preciso mexer-se em outras variáveis para o equilíbrio socioeconómico.
O governador do BNA é crítico à prática instalada de venda de moeda externa aos operadores comerciais, por “queimar” divisas que seriam reservas do Estado. Mas o BNA também é criticado pela forma alegadamente “discriminatória” como faz a distribuição dessas mesmas divisas...
Quem beneficia dessas divisas? Será que não poderiam existir mais empresas e famílias para beneficiar dessas divisas? Claro que é possível! Aliás, nessa matéria, sabemos que não tem havido consenso absoluto entre o BNA e o Ministério das Finanças. No que diz respeito às medidas que têm sido tomadas para mitigar o declínio do preço do petróleo, sabemos que foram feitos alguns esforços. Foram reduzidos subsídios, embora sejam subsídios directos, mas é preciso dar-se mais iniciativa ao sector privado para que surjam mais produtos em circulação. Mas, para que mais empresários tenham acesso a essas divisas, talvez se imponha um ajuste à taxa de câmbio.
Ajuste em que sentido?
No sentido de se atingir o equilíbrio necessário e possível entre a taxa de câmbio no oficial e no informal. É preciso que mais empresários tenham acesso às divisas. Mesmo que, para tal, a nossa moeda tenha de ser desvalorizada mais uma vez. Vamos ver quando vai surgir essa coragem política, uma vez que as taxas de câmbio no paralelo estão a baixar. Se houver alguma subida no oficial, acredito que as taxas se vão aproximar e isso será possível em menos de um ano. É pena que estamos em anos de eleições.
O Governo e o FMI divergem em relação às estimativas de expansão da economia. O que há de grave nisso?
É verdade. Há dados contraditórios entre o que o Governo e o FMI dizem. O Governo diz que vamos crescer 2,1% este ano. O FMI diz que vamos crescer apenas 1,25%. Mas, o mais grave não é esta contradição. O mais grave é que este crescimento que está projectado no nosso orçamento é à custa fundamentalmente do investimento público. Um crescimento na energia de 40,2%, na agricultura de 7,3%, nas pescas de 2,3%, na construção de 2,3% e na indústria transformadora de 4%. É importante este investimento público, mas, como referi, maiores apoios deverão continuar a ser dados ao investimento privado, porque é este sector que mexe com a economia e que cria as médias empresas. É este sector que dá emprego, que faz melhorar a qualidade de vida das populações.
As contradições também se aplicam em relação à sustentabilidade da dívida pública que já terá ultrapassado os 70% do PIB. Qual é a sua opinião?
A dívida pública não deveria ser mais de 50% do PIB. Há cinco anos, podíamos vangloriar-nos de sermos o 39º país como a menor dívida pública. Hoje já não acontece isso. Portanto, temos de ter cuidado para não continuarmos a endividar-nos, porque, de outra forma, depois uma parte significativa dos recursos terá de ser canalizada para o pagamento dessa dívida e não para o investimento.
Mas como se pode reduzir a dívida pública aos níveis que sugere no actual contexto?
O segredo é diminuir o défice das contas públicas, começa por aí. É criar as condições ao empresariado privado para melhor participar na economia, porque há tarefas que devem ser incumbidas ao Estado. Vou dar um exemplo: nós continuamos a ter uma agricultura muito debilitada e com custos elevados, por causa do custo da energia, e os empresários, a nível da agricultura e de outros sectores, continuam a recorrer a energias alternativas. Hoje já tenho dúvidas se a rede eléctrica é a rede principal ou se é a alternativa. Por exemplo, queremos aumentar a agricultura, mas não há nenhum programa de irrigação de terras. Esse papel é do Estado. Aqui perto, a 30 ou 40 quilómetros, na confluência entre a província de Luanda e do Bengo, temos montes de terras férteis, mas sem água. Então quem tem de pôr água nessas terras é o Estado. Não basta dizer que vamos diversificar, temos de criar as condições. Não é o Estado que tem de fazer a agricultura, mas o Estado tem de pôr lá a água, a luz para o agricultor não gastar dinheiro a comprar gasolina e gasóleo. A política de terras tem de ser reorganizada. Há muita gente com terras férteis e ao lado dos rios, mas não as cultiva. É preciso haver coragem para retirar a terra a essas pessoas que não cultivam e nem deixam cultivar e impendem que o país se desenvolva. Involuntariamente são sabotadores, porque retêm as terras. Nós percorremos o país e, ao longo dos rios, vemos as terras, e se perguntarmos de quem são, ninguém sabe, mas sabe-se que têm donos. São estes pequenos problemas que temos e que temos de ultrapassar. E são esses pequenos problemas que, somados, se tornam grandes.
Que avaliação faz da política tributária em curso no país?
Esta é uma medida acertada e todos os países adoptam essas medidas. Nós, angolanos, não temos essa cultura e muitos de nós têm dificuldades em aceitar, mas é uma forma de redistribuir a riqueza. Quem tem mais receitas deve contribuir com parte das suas receitas para o Estado para que possa investir estes impostos na reorganização social do país, reinvestindo em outras áreas para beneficiar quem tem menos.
Mas há quem defenda que esta não é a melhor altura para se intensificar a cobrança de impostos, atendendo a depreciação dos rendimentos?
Se pensarmos dessa forma, nenhuma altura vai ser ideal para tal, porque em nenhum país do mundo o cidadão gosta de pagar impostos. Mas é por esta via que o Estado complementa o seu ‘budget’ para a resolução das questões. Temos é de ser justos na recolha desses impostos. Quem tem mais deve pagar mais e quem tem menos deve pagar menos. Quem não tem não deve pagar. Agora é preciso criar mecanismos para se poder regular com justeza esse princípio.
O que acha da implementação do IVA EM aNGOLA?
A médio prazo, não temos escapatória. Vamos ter de ter. É uma mais-valia para o Estado. Ninguém tem de se preocupar com o IVA, porque quem consome é que paga. Não é o comerciante, o vendedor do produto ou do serviço. Portanto, o comerciante que está preocupado com isso só o pode estar a fazer de má-fé. Se formos a uma loja comprarmos um bem, nós é que vamos pagar aquele IVA e não a pessoa que nos está a vender. Ele apenas é o intermediário na recolha desta receita para entregar ao Estado. A implementação do IVA tem uma vantagem. Vai moderar o consumo, porque, às vezes, também exageramos nas nossas apetências consumistas. Nos últimos tempos, temos estado mais moderados, mas é preciso ir cultivando alguns hábitos de poupanças, porque os países se tornam ricos poupando. E a poupança deve começar nas famílias. A poupança de todos os cidadãos faz com que o país tenha mais dinheiro e, se o país tiver mais dinheiro disponível, entesourado, há mais investimento e assim há mais emprego.
ORDEM DOS ECONOMISTA NA FORJA
Como estão os preparativos para a criação da Ordem dos Economistas de Angola?
Criámos uma comissão instaladora que agrupa elementos de várias origens do país. Somos um total de 21 elementos, entre académicos e não-académicos, que nos propusemos trabalhar nas condições necessárias para a criação da tão ansiada Ordem dos Economistas de Angola.
E porque só agora o projecto surge, sendo que há, no país, uma associação dos economistas há já muitos anos?
Esta Ordem já devia ter surgido há muitos anos, uma vez que temos, de facto, uma associação criada há mais de 25 anos e que já deveria ter evoluído para Ordem, a exemplo do que acontece com outras associações de profissionais. De qualquer forma, agora chegou a vez de levarmos a peito esta responsabilidade e é nesta conformidade que já elaborámos todos os anteprojectos para o efeito, nomeadamente o anteprojecto dos estatutos, o anteprojecto do regulamento disciplinar e o anteprojecto do regulamento eleitoral. Neste momento, estamos a dar os retoques finais à nossa futura insígnia, bem como à nossa futura bandeira que são elementos que devem constar do projecto de estatutos.
Que passos já foram dados no sentido de se mobilizarem os profissionais do ramo?
Já publicámos em alguns órgãos de imprensa um aviso para todos os economistas e gestores. Vamos também incluir os gestores, uma vez que temos alguma semelhança em termos de formação. Publicámos o anúncio em que apelámos a todos os profissionais de economia e gestão a inscreverem-se no nosso endereço electrónico economistasdeangola@gmail.com. Esta inscrição dá origem à recepção de uma candidatura que os interessados em pertencer à Ordem deverão preencher e remeter a esse endereço electrónico. O próximo passo, que deverá ser muito em breve, será canalizarmos para todos estes candidatos a membros da Ordem esse projecto de pacote legislativo, a fim de os mesmos começarem a estudá-lo. Depois de fechado este processo, vamos realizar, num prazo de entre 30 e 45 dias, a nossa assembleia constituinte, em que esse projecto de pacote legislativo vai ser amplamente discutido e aprovado. Na assembleia, iremos, em primeiro lugar, proclamar a constituição da Ordem dos Economistas de Angola. Iremos igualmente aprovar uma comissão directiva provisória, constituída por cinco ou sete elementos, comissão essa que, até às eleições, substituirá a comissão instaladora que actualmente existe.
Já há muitas inscrições efectuadas?
Já temos algumas dezenas de inscrições. Estamos precisamente a aguardar que esse número cresça mais um pouco para começarmos a distribuir os projectos de regulamentos e estatutos que possuímos. Depois disso, entramos num processo em velocidade cruzeiro. Ou seja, nos termos da lei, teremos nomeadamente de remeter os projectos ao Ministério da Justiça, juntamente com um parecer do Ministério da Economia, sendo que todas as Ordens de forma indirecta acabam por estar ligadas a um departamento ministerial do Executivo. Após a aprovação desse pacote legislativo pelo Ministério da Justiça e consequentemente a sua promulgação e publicação pelo Conselho de Ministros em Diário da República, ficam criadas as condições para elegermos os corpos sociais da Ordem.
Já há prazos para as eleições dos órgãos sociais da futura Ordem?
Se houver alguma celeridade do Ministério da Justiça e do Conselho de Ministros, prevemos realizar este acto eleitoral entre Maio e Junho deste ano. Obviamente que, a anteceder a este acto eleitoral, estarão abertas as inscrições para as listas concorrentes. Desde já, admitimos também apresentar uma lista encabeçada por mim e onde procuraremos reunir várias sensibilidades da nossa urbe. Depois dessas eleições, teremos de despoletar um processo similar a nível das quatro regiões que definimos nos estatutos que são a região norte, centro, sul e leste. Começaremos por criar delegações regionais da Ordem nestas quatro regiões e admitimos que, com o decorrer do tempo, a tendência será alargar essas regiões para todas as províncias. No entanto, em Luanda não precisaremos de ter uma delegação regional, porque os economistas e gestores que residem na província de Luanda, obviamente, que participarão directamente nas actividades junto do órgão central que regerá essa associação profissional.
Além da formação académica em economia e gestão, haverá outros critérios para a admissão na Ordem?
No início, os critérios não serão muito apertados. Porque, naturalmente, pretendemos que a Ordem nasça com o maior número de membros possíveis. No princípio, o requisito será a licenciatura, mestrado ou doutoramento em Economia ou num dos ramos de gestão. No futuro, com a criação de um regulamento de estágios, obviamente que os critérios serão mais apertados. Estamos a admitir que, no futuro, os economistas juniores deverão, a exemplo do que acontece nas outras Ordens aqui no país e no estrangeiro, passar por um estágio que os capacite. Após um certo período na condição de membros estagiários, passarão a membros efectivos, depois de avaliados e recomendados por uma equipa de dois ou três economistas seniores que acompanharão estes jovens economistas e gestores.
O que está previsto, em termos de cobrança de quotas?
Não temos isso definido ainda. Em princípio, vamos definir essas quotas na Assembleia-geral que irá aprovar esse pacote legislativo. Mas não fugirá àquilo que existe nas outras Ordens no nosso país.
A Associação dos Economistas de Angola desaparece com o surgimento da Ordem?
Não, porque, nos nossos estatutos, temos previstos membros fundadores, membros efectivos singulares ou colectivos. E a Associação dos Economistas de Angola pode integrar efectivamente na Ordem, como membro efectivo colectivo.
Uma vez que já se assumiu como futuro candidato à liderança da Ordem, que temáticas deverá privilegiar na sua agenda de trabalho, caso seja eleito?
Vamos arrancar com três colégios de especialidade, um de Economia, um de Gestão e outro de Estratégia e Marketing. São as estruturas técnicas que se vão preocupar com a discussão de matérias especializadas a fim de dotar os economistas e gestores de uma maior capacidade académica e científica. Esses colégios terão também a missão de debater matérias de interesse nacional, quiçá de apoio ao Executivo e aos governos provinciais. Naturalmente que a tendência será cada um desses colégios de especialidade dar origem a outros colégios de especialidade. A título de exemplo, o colégio de especialidade de Economia poderá evoluir, no futuro, para um colégio especializado de economia monetária e financeira, ou ainda num outro de política fiscal e aduaneira. O colégio de especialidade de Gestão poderá evoluir para um colégio de especialidade de gestão de empresas; outro de gestão bancária, ou ainda de gestão financeira. É nessa perspectiva que admitimos crescer gradualmente, com segurança e cientificidade.
PERFIL
Fausto de Carvalho Simões é licenciado em economia pela Universidade Agostinho Neto.
Mestrado -MBA pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (Portugal), possui igualmente um doutoramento em Gestão e Estratégia feito no Instituto de Portugal, para além de um pós-doutoramento em Estratégias e Finanças Empresariais, pela Universidade Autónoma de Lisboa.
Já foi decano da faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto (UAN). Em 2014, ainda nas vestes de decano, foi distinguido, em Madrid, Espanha, com o título de Professor de Honra, a mais alta distinção da Sociedade de Estudios Internacionales da Faculdade de Madrid.
Professor titular na UAN, fez uma breve passagem pelo Ministério de Geologia e Minas, onde desempenhou as funções de director nacional de minas. É também o coordenador da comissão instaladora da Ordem dos Economistas de Angola.
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