A UNITEL É APETECÍVEL

10 Dec. 2019 V E Editorial

Desde que foi tornado público o alegado interesse da Sonangol na compra dos 25% que a brasileira Oi detém na Unitel que o VALOR se tem destacado na divulgação de factos associados a este dossier. E as interrogações começaram igualmente nessa altura. A mais óbvia e crítica e que até agora não foi respondida tem uma formulação simples: como se explica que a Sonangol vá ao mercado internacional contrair dívida de 1.000 milhões de dólares para comprar participação numa empresa, de onde ela própria está de saída? Afinal, o Governo acabou por inscrever os 25% que a Sonangol detém na Unitel, por via da Mercury, no programa de privatizações, o conhecido Propriv, certo?  

Na altura, admitimos uma resposta que parecia também óbvia: apenas interesses inconfessos, relacionados com apetites pessoais, poderiam justificar a hipótese do negócio entre a petrolífera estatal e a telefónica brasileira.

Esta semana chegaram, entretanto, informações ao VALOR que podem explicar numa sentada a teia de interesses em jogo. Desde logo, é desfeita a narrativa da aquisição dos 25% da Oi na Unitel pela Sonangol. O que deverá acontecer é a negociação directa entre a Oi e um grupo de empresários que vai sendo associado ao círculo no poder. Mas, como este grupo de empresários não tem os 1.000 milhões de dólares, o mais provável é que faça recurso a um financiamento bancário internacional, com o suporte de activos do Estado, considerando o estratosférico volume dos dinheiros em causa. Este é um tema, de resto, para próximos capítulos.  

O que já é certa, como avança o jornal, é a possibilidade de virmos assistir a um novo conflito na Unitel, por violação do acordo parassocial da empresa. Pelo que consta, o acerto entre o grupo empresarial associado ao poder e a Oi levará ao incumprimento do direito de preferência. Tal como insinua a própria expressão, o direito de preferência estabelece que, em caso da retirada de um dos accionistas, as suas acções devem ser oferecidas, em primeiro lugar, aos demais accionistas, cada um com a parcela proporcional corresponde. Neste caso específico, a Oi, ao decidir vender a sua participação, os demais três accionistas deveriam pronunciar-se se estavam interessados em adquirir os 8,3% a que cada um tem direito. Apenas se estes prescindissem dessa prerrogativa é que a Oi poderia procurar outros eventuais interessados fora da sociedade. A Oi sabe disso, o grupo empresarial angolano que pretende entrar sabe disso. E sabem que, se concretizarem as suas aspirações, estarão a violar conscientemente o acordo parassocial. Tanto sabem que, no conhecido conflito que opôs os accionistas angolanos e a Oi, pelas mesmas razões, o Tribunal Provincial de Luanda deu razão aos primeiros. Pergunta-se, por isso, agora: de que se valerão o grupo empresarial angolano e a Oi para violarem conscientemente o acordo parassocial da Unitel. As respostas virão de certeza, mas a motivação é clara: a Unitel é mesmo apetecível e, pelo visto, houve sempre gulas reprimidas.