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Francisca Tungumuna, especialista em comércio internacional

“África ainda não está preparada para efectivar o livre comércio”

ENTREVISTA. Especialista em comércio internacional considera que o sucesso do projecto de criação de uma zona de comércio livre no continente vai depender, em grande medida, do modelo económico a ser adoptado, algo que diz não existir ainda a nível da União Africana. Mas acredita que a iniciativa pode ser o ponto de partida para estimular-se o desenvolvimento das infra-estruturas em África.

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Qual é a avaliação que faz do acordo de livre comércio da União Africana? Acha que o projecto tem consistência para seguir em frente?

África ainda não está preparada para efectivar esse acordo, mas pode ser uma boa forma para estimular o desenvolvimento das infra-estruturas. Vai depender muito, primeiro, de qual o modelo que África quer ter nessa zona de comércio livre.

E que modelo económico considera ser o mais adequado?

Quando olhamos para o comércio livre intra-africano, sabemos que é reduzido. Temos exemplos de comércios que são feitos a nível regional com grande impacto. Refiro-me nomeadamente à União Europeia, que controla 65% do comércio praticado dentro do bloco. Portanto, preferem fazer comércio entre eles a fora do continente. Depois, temos a Ásia, com 58%. A seguir vem a América do Norte, com 48%, a América Latina com 20% e África que controla entre 15 e 16% do comércio praticado entre os seus países. Isso demonstra que África ainda está muito atrás daquilo que é feito a nível mundial, no que se refere à integração entre os países.

O que impede o continente de atingir resultados mais expressivos?

Um dos factores que fazem com que os nossos produtos não sejam tão competitivos quanto aos outros como os asiáticos, por exemplo, tem que ver com os custos. E esses custos derivam de infra-estruturas deficitárias ou inexistentes, o que faz com que a cadeia logística esteja com dificuldades. Os retalhistas vão ser obrigados a vender a um preço mais elevado. Então o bem, no final, terá um custo que não será competitivo.

Ou seja, a manter-se o cenário que descreve, esse projecto da União Africana não terá sucesso?

A zona de comércio livre, para funcionar, seja em África, seja em qualquer outra região, tem de ter uma matriz a nível do modelo económico. Se olhararmos para o modelo económico de criação da Europa, verificamos que os países europeus sabiam muito bem o que queriam. E, com base nisso, instituíram acordos para se criar uma zona de comércio livre. Os países asiáticos queriam desenvolver-se em termos tecnológicos. Era essa a matriz. Queriam exportar. Ou seja, aplicar o modelo de substituição das exportações. A zona de comércio livre da União Africana não tem um modelo económico de base. Foram identificadas as debilidades do continente, mas as soluções ainda não foram apresentadas. Parece que é mais uma zona de comércio livre que pretende afiliar um conjunto de países, mas sem dizer concretamente onde vamos. Não pode ser só na perspectiva do pan-africanismo, quando a União Africana foi criada. É muito mais do que isso. Hoje, estamos num mundo globalizado e com exigências que remetem para um modelo que tem de ser a base para evitar que essa zona de comércio livre se possa fragmentar, como agora acontece, entretanto, com a União Europeia.

Caso venha a efectivar-se, que vantagens e desvantagens um processo dessa natureza poderá acarretar para os países integrantes?

Um processo do género é uma forma de se catalisar para o sector das infra-estruturas um olhar mais atento como um motor do crescimento e do desenvolvimento económico dos países que fazem parte da União Africana. Quando estamos perante uma zona de comércio livre, temos determinadas características. A principal é a eliminação dos direitos aduaneiros ou dos contingentes ou quotas que têm que ver com os volumes que são estabelecidos. Portanto, a zona de comércio é vista como sendo a primeira fase do processo, em que há a eliminação dos direitos aduaneiros. A segunda fase é a união aduaneira, em que não há tarifas pré-aplicadas sobre as mercadorias e os serviços, para além de existir aqui uma pauta externa comum. Ou seja, todos os países que fazem parte da União vão ter uma pauta única para os países que não fazem parte da União em determinado bens.

Há alguma desvantagem que se poderá destacar quando se implementa uma zona de comércio livre?

Juntar países que estão a Sul do Saara com países do Magrebe pode, até certo ponto, ser algo perigoso. São economias muito diferentes e, só por isso, pode até ser uma forma de se agravarem as assimetrias que já existem entre os países. No caso das economias que não conseguirem ser competitivas, as suas empresas podem ir à falência porque há uma liberalização, em termos de produtos. Portanto, quanto mais ‘players’, mais complicado fica o processo. Basta olhar para a situação da União Europeia que, à medida que foi aumentando o número de membros, foi tendo mais problemas. Repare que a União Europeia chegou a ter 28 membros e agora há um país que pretende sair, porque, olhando precisamente para o projecto europeu, verificou que não há vantagens. E, no nosso continente, temos um problema que poderá, até certo modo, enfraquecer a real operacionalização dessa zona de comércio livre da União Africana que é o facto de tanto a SADC, a COMESA, a UMA serem regiões que não têm tido sucesso. Ou seja, não há um impacto expressivo da sua operacionalização na vida das pessoas. Porque o bom nisso é verificar, de facto, uma melhoria do bem-estar e, quando isso não ocorre, então a zona de comércio livre não atingiu os seus objectivos. Em África, temos, de facto, mercados comuns, mas que vão funcionando de forma muito débil. Então isso é até um sinal de alerta para que se olhe com atenção para se efectivamente essa zona de comércio livre é a melhor estratégia, porque olha se muito na perspectiva do PIB, da população, mas este processo há muito mais do que isso.