África representa 60% da produção mundial dos diamantes
O homem forte da Associação dos Países Africanos Produtores de Diamantes (ADPA) fala, em entrevista, do que é gerir a Associação em tempo de crise. Assinala, no entanto, que alguns constrangimentos têm sido ultrapassados, realçando o caso dos chamados ‘diamantes de sangue’ que são agora comercializados via Processo de Kimberley.
Em 2013 foi reconduzido para um segundo mandato, de quatro anos, como secretário executivo da Associação dos Países Africanos Produtores de Diamantes (ADPA). Qual o balanço que faz do desempenho da Associação?
O balanço é positivo, porque o objectivo por que foi criada a Associação tem sido cumprido. No quadro da cooperação entre os Estados-membros, temos estado a apoiar os nossos países em todas as vertentes ligadas ao sector diamantífero. Fazemos a movimentação de quadros, a nível dos nossos países, para apoiar os outros (países) que têm alguma debilidade, em certas áreas da comercialização de diamantes. Hoje podemos apoiar, com certa relevância, os nossos países que já estão a conformar-se dentro dos requisitos mínimos do Processo de Kimberley. As sanções foram levantadas. Fizemos isso com o Zimbabué, com a Costa do Marfim, com a República Centro Africana. Hoje, a Associação já começa a participar com organismos que ditam a regra do preço dos diamantes a nível mundial. Refiro-me, por exemplo, à Rapaport (organização internacional que lista os preços dos diamantes), com a qual temos mantido contactos permanentes.
E o que se pretende, de concreto, com esses contactos?
Primeiro, pretendemos alargar o mercado do comércio dos diamantes. Queremos fazer isso não só para as grandes empresas. Queremos que até o simples trabalhador mineiro, o vulgo garimpeiro, tenha também acesso para a venda dos seus diamantes nos grandes mercados ou nas bolsas de diamantes. Isso para evitar que apareçam pessoas a manipular os preços. Já estamos a trabalhar nisso com a Rapaport. Estamos também a fazer um projecto que, posteriormente, será alvo de consulta a nível dos nossos Estados-membros. Posteriormente, vamos discutir e fazer com que África comece já a ditar, com passos significativos, naquilo que é o preço do diamante.
E como é que está essa questão dos preços no caso específico de Angola?
A estratégia da Endiama é de fazer stocks, nesta fase de crise. Ou seja, provocar uma escassez do diamante a nível do mercado para poder ditar o preço. O que faz o preço ser baixo é a abundância. Portanto, se se criar uma escassez do diamante de boa qualidade, depois pode ditar-se o preço desse diamante. E já há essa estratégia por parte dos governos, não só de Angola, mas também de outros países africanos para que se valorize um pouco mais o nosso diamante.
O que Angola representa hoje em termos de produção e comercialização de diamantes, em África?
Se olharmos para as estatísticas do Processo de Kimberley, Angola, por exemplo, em 2014, produziu 8,791 milhões de quilates de diamantes, em volume. Isto representou um valor bruto, em vendas, de 1.370 milhões de dólares. Em 2015, a produção aumentou para cerca de 9 milhões de quilates. O que significa que houve também aqui uma maior contribuição do sector diamantífero no Produto Interno Bruto angolano. Angola não tem os diamantes na primeira linha de arrecadação de receitas para os cofres do Estado. Mas há países nossos, africanos, em que os diamantes constituem a principal fonte de receita para o orçamento de Estado. Estamos a falar, por exemplo, da Namíbia, Zimbábue, República Centro Africana e Libéria.
“somos abençoados, temos diamantes de boa qualidade”
E são países que produzem menos do que Angola.
A verdade é que temos mais reservas diamantíferas do que alguns países da região. E, quando se fala de diamantes, há uma outra componente a ter em conta, que é a qualidade. Em Angola, somos abençoados, porque temos diamantes de boa qualidade. Portanto, há, de facto, países que exploram mais que Angola, mas, se olharmos para as estatísticas referentes a 2015, vemos que Angola produziu nove milhões de quilates e o Congo Democrático, 16 milhões. Só que, por causa da qualidade, Angola obteve mais receitas, porque tem o diamante joia e o Congo, o diamante industrial, portanto, de preço mais reduzido.
Quantos membros compõem actualmente a Associação?
A Associação é composta por membros efectivos e observadores. Os efectivos são aqueles que hoje estão a produzir os seus diamantes. Têm minas a produzir. Já os observadores são aqueles que já fizeram um trabalho de relevância, em termos de prospecção diamantífera, no seus países. Ou seja, aqueles que têm jazidas comprovadas, mas que ainda não estão a produzir. Neste momento, somos um total de 18 membros. Estamos a falar de 12 membros efectivos e seis observadores. Na nossa próxima reunião que vai acontecer na Guiné-Conacri, há dois países, nomeadamente Camarões e Moçambique, que deverão aderir à Associação.
Alguns países que integram a Associação foram recentemente alvo de sanções por parte do Processo de Kimberley devido a problemas de instabilidade política. Como a ADPA lida com essas situações?
Os nossos países são membros de pleno direito. Aquando da criação da Associação, foi assinada a declaração de Luanda, assinada por todos. Temos tido alguns problemas a nível do cumprimento dos requisitos mínimos do Processo de Kimberley. Há países que estavam sob sanções das Nações Unidas. Estou a falar do Zimbábue, da Libéria, da Costa do Marfim e da República Centro Africana que são países membros da nossa Associação. Isto porque o Processo Kimberley exige que os países cumpram com os requisitos emanados pela organização e quem os extrapola sofre sanções. Um dos grandes trabalhos que temos vindo a fazer é apoiarmo-nos uns aos outros, sob a liderança do nosso secretariado, para que os países que tenham alguma dificuldade se conformem dentro dos requisitos mínimos exigidos no Processo de Kimberley.
E que requisitos são esses exigidos pelo Processo de Kimberley?
Há grandes exigências. O simples foco de tensão e instabilidade política numa área em que se exploram diamantes é suficiente para que esse país sofra sanções, por causa do pouco controlo na saída dos diamantes provenientes daquela zona. A medida serve também para evitar que os diamantes duma zona em conflito possam parar nas mãos de rebeldes que podem depois comprar armas para derrubar governos legitimamente eleitos. Por isso estamos agora a fazer uma promoção, passando a imagem de que, em África, os diamantes de conflitos passaram agora a ser os diamantes da prosperidade.
Não há, portanto, mais qualquer preocupação com os diamantes de sangue?
Já não constituem, porque, com a criação do Processo de Kimberley, 99,9% dos diamantes produzidos a nível mundial são comercializados no canal legítimo.
Como avalia a parceria que a Associação mantém nomeadamente com o Processo de Kimberley?
Hoje já não há uma matéria relevante a nível do sector diamantífero que não envolve os países africanos e a Associação. Hoje estamos também no centro das atenções. Somos membros observadores do Processo de Kimberley, onde fazemos parte de três comissões, nomeadamente do comité de monitorização, que é o comité que viaja em determinados países para ver como estão a ser implementados os requisitos mínimos. Pertencemos ao comité de exploração de diamantes aluvionares, que Angola e África, pelo menos a nível dos países produtores, também produzem em grandes quantidades. E participamos ainda do comité de participação, que dita as sanções de alguns países quando não se está a cumprir com o estipulado a nível do Processo Kimberley.
“No tempo de crise, o luxo se mete de parte”
Até que ponto a crise do petróleo afectou os diamantes?
Esta crise tem afectado muito o sector diamantífero. Nesta fase, os investimentos têm estado a abrandar, não só no sector dos diamantes, mas em vários outros de uma forma geral. Os investidores, aqueles que ainda estão em condições de investir, também têm estado a colocar um pé atrás, com receio de fazer investimentos e não haver retorno. Diz-se que, no tempo de crise, o luxo se mete de parte. Tem de se ir às prioridades. O diamante rende a nível das joalharias, mas também tem outras utilidades. No sector petrolífero, pode servir para a produção de brocas, na indústria para o corte de vidro. Portanto, o diamante tem também a sua utilidade a nível da indústria. Mas é muito pouco. Mesmo nas joalharias sente-se, nessa altura, algum abrandamento nalguns mercados precisamente por causa da crise.
Mas há alguma estratégia no sentido de minimização, pelo menos, dos efeitos da crise nos diamantes?
Continuamos a promover as potencialidades do sector. Principalmente quando se trata de países virgens, aqueles em que os recursos ainda não foram muito explorados. Há países africanos com reservas consideráveis, ainda por quantificar. E tudo porque ainda não foi feito um trabalho aturado de prospecção. Em Angola, está agora a implementar-se o PLANAGEO (Plano Nacional de Geologia) a partir do qual vamos ter uma ideia do que temos. Estamos a seguir também um outro plano, o Mano River, que são os países da África Ocidental em que entram a Costa do Marfim, a Libéria e a Serra Leoa. Estamos a seguir um programa específico que concebemos para aquela zona por causa das debilidades que têm esses países. Este programa, como será financiado pela União Europeia, também está incluído o programa de prospecção dentro desses países. Portanto, são países virgens que ainda têm muito para dar. Temos recursos e nós vamos promovendo, falando com bancos, com organizações internacionais que possam vir investir no nosso continente.
“A Antuérpia continua a ser dos principais mercados para o nosso diamante”
Qual é o principal mercado do diamante produzido em África?
Das principais bolsas, onde temos vendido os nossos diamantes, o destaque é a Antuérpia, na Bélgica, os os Emirados Árabes Unidos, para além de outras bolsas da China, Israel, Estados Unidos da América. No entanto, mesmo nessa fase de crise generalizada, os principais mercados ainda continuam a ser a Antuérpia e os Emirados Árabes Unidos, onde os nossos diamantes estão a ser comprados num preço ainda aceitável.
Há já alguns anos falava-se na criação de uma bolsa de diamantes a nível dos países africanos. Em que pé está esse projecto?
Este é um processo que está em curso, porque isso não se faz de um dia para o outro. Há exigências para que um país albergue uma bolsa de diamantes, através da Federação Internacional de Bolsas de Diamantes. A implementação de um projecto deste passa, primeiro, pela existência de um país estável, onde as instituições são funcionais, com zonas francas. Passa também por eliminar algumas barreiras, como a questão dos vistos e tem de ser em países com um trafego aéreo alargado, com muitas rotas. Mas o processo continua em curso. Até porque traz muitas vantagens. E isso temos visto em países como a Antuérpia, Emirados Árabes Unidos e Bélgica, onde as vantagens, pela adopção deste tipo de iniciativas, são inúmeras. Para além das transações bancárias diárias de milhões de dólares, estes países recebem pessoas de toda a índole que podem depois ser cativadas nos outros investimentos.
Como funcionaria, em termos concretos, essa bolsa dos diamantes em África?
Funcionaria como toda e qualquer bolsa. Uma bolsa instalada, por exemplo, em África iria permitir que todo o diamante produzido no continente passasse por essa bolsa. Ali na bolsa é onde se encontra o preço verdadeiro do diamante. Quando se tem uma pedra de boa qualidade o que se verifica, às vezes, é que ele (o diamante) vai a leilão. Quem dá mais leva a pedra. Não é como o petróleo. O barril são dólares e não muda. Na bolsa, encontra-se também a maior facilidade de comprar o diamante legítimo, ou ainda o diamante com preço ajustado. Na bolsa pode-se comprar também o diamante já lapidado, da forma que o cliente quer. Portanto, são essas as vantagens de ter uma bolsa a funcionar dentro dos países africanos.
Que lugar ocupa África em termos de produção de diamantes, quando comparado com outros continentes?
Temos um lugar de destaque. Mesmo com alguma debilidade nos investimentos, a nível dos Estados-membros da ADPA, mais de 60 por cento dos diamantes produzidos actualmente no mundo saem de África.
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