“Ainda hoje temos muitas pessoas politicamente expostas na economia”
Desafiado a analisar o relatório do Afrobarómetro, começa por destacar a seriedade da instituição. E aponta três motivos que terão concorrido para a queda da condiança dos angolanos em relaçao ao combate à corrupção
Que opinião tem dos dados do inquérito do Afrobarómetro, que mostram que os angolanos estão menos confiantes com o resultado do combate à corrupção?
Primeiro elemento do estudo é o consideramos muito sério. Já há muito tempo acompanhamos os estudos do Afrobarómetro e têm apresentado dados realistas. Desceu o nível de percepção do combate à corrupção por vários motivos. O primeiro motivo é o que tem que ver com a expectativa criada. Quando o Presidente João Lourenço assume o poder em 2017, as expectativas eram demasiado altas. Em 2018, um ano depois, fez discursos muito fortes, mas a grande verdade, do ponto de vista prático, é que não tem mostrado os resultados que as pessoas esperam. Estávamos à espera de resultados imediatos. Isto tem que ver com um problema relacionado com os próprios processos judiciais, que são morosos. Os processos de combate à corrupção são-no ainda mais, porque quem terá levado o dinheiro do país e quem terá sido corrompido com o dinheiro do país tem dinheiro para pagar os melhores advogados. Como sabemos, o Direito dá voltas necessárias para, de alguma forma, defender aqueles que supostamente terão cometido crimes relacionados com a corrupção. O segundo ponto é que temos de ser realistas e dizer que o Presidente da República, de facto, esfriou o combate à corrupção. Esfriou, porque através de dados apresentados em outros relatórios, percebemos que de 2017 a 2022, o Presidente da República e os seus auxiliares, mas mais o Presidente da República, terá efectuado uma série de contratos simplificados ou de adjudicação directa.
E o que este dado tem que ver com a descrença dos resultados do combate à corrupção?
Aquele que tinha prometido que devia combater a corrupção – uma das maiores formas de corrupção que existe é na contratação pública – entrou no rol de contratação directa. Para se fazer contratação directa e simplificada, tenho de ter amigos nos corredores do palácio. A partir do momento em que o Presidente da República e toda a sua governação apostam na contratação directa e simplificada, ou então sem concurso público, não há como as pessoas acreditarem que este combate à corrupção tenha vindo para ficar. Mas isto não nos pode tirar a esperança. O combate à corrupção também não pode ser feito por uma única pessoa. A sociedade tem de se mobilizar no combate à corrupção. Embora o Presidente seja aquele que é o primeiro magistrado nesta matéria, o primeiro professor, mas isto também é provocado, porque as pessoas que estão à volta do Presidente da República, e ele próprio, com toda a excepção que isso merece, não são transparentes o máximo para se perceber das melhores intenções que possam ter nos actos públicos. Por outro lado, temos, além dos ajustes directos, verbas adicionais, que, em alguns casos, passam por metade do que se dá a uma província. Ou seja, é muita verba fora do Orçamento Geral do Estado autorizada por decretos assinados pelo Presidente da República, que são para fazer obras, são para acolher processos, sem que estejamos numa catástrofe. Tudo isso vem dizer que o Presidente da República parece ter desistido da sua primeira intenção de combater verdadeiramente a corrupção e de todas as más práticas que se registavam nos governos do Presidente Eduardo Santos, que demorou 38 anos. Não há como não baixar este índice. Qualquer pessoa consegue perceber como está o nosso poder judicial. Não dá confiança a qualquer pessoa. Ou seja, o facto de não se ter potenciado o poder judicial do ponto de vista financeiro e patrimonial, essencialmente financeiro e patrimonial, os juízes que não têm carros, procuradores que não têm carros, procuradores que não têm recursos para poder trabalhar à vontade, desde computadores, salas de atendimento, estudos, máquinas para imprimir papéis. Quando não há condições patrimoniais, é muito difícil que um procurador, que esteja envolvido em resolução de casos de milhões, não se deixe corromper, não temos como. Não há como baixar esta perceção do índice de corrupção no país, porque efectivamente há muita coisa que vai mal. Há, de resto, querelas que temos no poder judicial. O Presidente foi acutilante em chamar a atenção com o que se passou no Tribunal de Contas, mas existem muitas outras queixas no Tribunal Supremo e o Presidente não diz absolutamente nada. Não é que ele pudesse interferir, mas se teve coragem, enquanto titular do Poder Executivo, defensor do Estado Democrático de Direito, de fazer a intervenção no Tribunal de Contas, então deveria ter feito a mesma intervenção no Tribunal Supremo, não intervindo totalmente, mas chamando os pares para perceber qual é a realidade que se passa neste tribunal. Mas quando o poder judicial não é capaz de ter transparência e de ter processos honestos, havendo muita suspeição, não há como não desconfiar e não há como não baixar o índice de precisão da corrupção no nosso país. Este estudo vem dizer exactamente aquilo que é também a nossa percepção.
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