ANGOLA GROWING
KOOL KLEVER, MÚSICO E COMPOSITOR

“Angola atravessa um momento desafiador, complicado e interessante”

21 Aug. 2017 Marcas & Estilos

MÚSICA. Kool Klever é um dos pioneiros do rap em Angola e é considerado ‘revolucionário’ por cantar a realidade. Aos 44 anos, o artista sente-se “mais capaz” para divulgar o seu trabalho com maior abrangência. O rapper critica a nova geração por ser conformada e por ter o “sexo” e as “festas” como temas favoritos das canções.

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Porque lançou o primeiro disco em 2008?

Quando comecei, não levava muito a sério. Fazia porque gostava. Depois, por pressão de amigos e familiares, resolvi começar a gravar o ‘Kooltivar’. Juntei-me ao Kaleb, ao CMC e depois ao Kennedy e gravámos o disco que, alguns anos depois, foi editado pela LS Produções.

Não acha que devia divulgar mais o seu trabalho?

Mas essa é a minha relação com a música. E depois isso não depende só do artista… Hoje, sinto-me mais capaz de divulgar o que quer que faça com maior abrangência. Existem outros recursos e plataformas que permitem isso. Antes era difícil.

Considera-se ‘pai do rap’ em Angola?

Não. Considero-me um dos pioneiros. Sou pai do Raschid, do Ricardo, do Rubem e do Roger.

Já se sentiu privado de se expressar?

Não. O que aconteceu é que já fui considerado ‘revolucionário’ por cantar a realidade do país e das pessoas. E isso de ser considerado revolucionário por expressar a opinião artisticamente acaba por criar entraves a nível de divulgação do trabalho.

Merecia mais reconhecimento?

Tenho o reconhecimento do pessoal do hip-hop e das pessoas que acompanham o estilo. De jornalistas e outros. Acho isso incrível para alguém com dois trabalhos de originais. E que anda nisso desde o início.

Que avaliação faz da nova geração do rap?

A música da nova geração do rap em Angola é resultado da conjuntura. A nova geração tem medo de ser séria, interventiva e ousada. A nova geração autocensura-se porque sente e sabe que a censura existe como uma espécie de cultura. Há uma cultura do medo. Os jovens são aconselhados a não falar de política, quanto mais cantá-la. A vida das pessoas e a relação que existe entre elas e que quem as governa é a política. E isso não deve ser cantado. Se o fazes, és rotulado de ‘revu’, do contra. E os miúdos têm medo, conformam-se e cantam apenas o que lhes é ‘permitido. Por isso é que a maior parte dos temas varia apenas entre sexo e festas.

O que falta aos músicos?

Aos músicos falta coragem e ousadia. Aliás, falta-nos a todos.

O que pode ser feito para melhorar?

Essa é uma pergunta perigosa. O sistema (conjunto de leis, instituições, organismos e a sua forma de actuação) tem de mudar. Falta essa tal liberdade, essa cultura do “‘pischiu’, isso não se diz”, tem de deixar de existir.

É possível viver apenas do rap?

Viver apenas do rap? Inteiramente do rap? Não conheço ninguém. O Yanick, talvez. Já é difícil viver da música em Angola. Do rap então…

Que referências tem em Angola?

SSP. Pela ousadia, por nos mostrar que era possível ir mais distante. Filhos da Ala Este, pela coragem de levarem para as músicas as grandes questões políticas. Phathar Mak, por ter sido o primeiro MC a lançar um disco duplo e único até agora e por usar regularmente uma banda nas suas actuações. McK, por não ter medo de usar a sua música como veículo de divulgação daquilo em que acredita. Das suas ideias políticas. Por ser, a nível pessoal, um exemplo de superação, pela acutilância e humor nas suas músicas. Francis MC Cabinda, por me ter ‘ensinado’ que o sucesso não é uma questão de sorte. Gosto de muitos por motivos diferentes.

Mas os SSP foram os impulsionadores?

Claro! Com certeza.

Como avalia os ‘beefs’?

Para avaliar teria de acompanhar estas trocas de insultos em forma de rimas sobre uma batida. Não acompanho. Quem faz o melhor rap em Angola? Alguns dos artistas que citei anteriormente. Mas isso muda com o tempo.

E no mundo?

Não existe um melhor rapper do mundo para mim. Aprecio diferentes artistas por motivos distintos.

‘Kool Klever’ tem algum significado especial?

O nome foi dado por um amigo chamado Newton. Ele dizia que Cool e Clever descreviam bem a minha personalidade. Cool é igual a fixe, calmo, porreiro. Clever é igual a inteligente. Substituí o C por K e adoptei como nome artístico.

Vive dividido entre a música, docência, rádio e televisão.Como concilia?

24 horas por dia chegam e sobram. A tv e a rádio só me ‘roubam’ dois dias na semana. Onde se sente mais confortável: no palco, a dar aulas, na tv ou na rádio? Rádio e sala de aulas. A tv é uma experiência nova para mim. Aprendo todos os dias e cada vez gosto mais.

Está a preparar o seu filho?

Não de forma directa. O meu filho já nasceu artista, por assim dizer. Converso com ele e apoio o que ele faz. Mas, nesse momento, a prioridade dele são os estudos.

Como vê a juventude angolana actualmente?

A juventude angolana é super. Questiona, vai à luta, reclama, mas não deixa de viver. Essa é provavelmente a geração mais aberta que o país já teve. Eu acredito nessa juventude.

Como avalia o contexto sociopolítico que Angola atravessa?

Desafiador e complicado, no entanto, interessante.

PERFIL

Nome: Francisco Manuel ?Fernandes Bernardo

Idade: 44 anos

Natural: de Luanda

Filhos: quatro, todos rapazes

Estado civil: vive maritalmente

Álbuns: ‘Kooltivar’ e ‘Menos Kool, Mais Klever’