Angola prevê apresentar oferta tarifária em 60 dias
COMÉRCIO. É considerado oficialmente um passo para a plena adesão de Angola ao mercado africano, mas há empresários que, para já, ‘torcem o nariz’ à ZCLA. Antevendo “fracasso”, argumentam, por exemplo, com a falta de preparação dos países africanos. Há, entretanto, os mais optimistas que acreditam no sucesso das trocas comerciais intra-africanas.
Angola prevê apresentar, dentro de dois meses, a sua proposta de oferta tarifária à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLA), que arrancou dia 1 deste mês, com o objectivo de impulsionar as trocas comerciais.
A oferta tarifária já está elaborada e encontra-se na fase de divulgação, de modo a obter-se “maior consenso nacional”, como garantiu ao VALOR o responsável do departamento de intercâmbio do Ministério da Indústria e Comércio, Alcides Luís, que aponta a necessidade do contributo do sector privado, antes da aprovação do Governo.
Com o desmantelamento progressivo da pauta aduaneira na mira, os países que ratificaram o acordo deverão liberalizar até 97% das linhas pautais, quando a Zona de Comércio Livre Continental atingir à maturidade. E o processo deverá obedecer a uma categorização de produtos.
A primeira corresponde a 90% das linhas tarifárias relacionadas com produtos não sensíveis. Já a segunda categoria, que corresponde a produtos sensíveis, será de 7%, ao passo que a terceira abarca o conjunto de produtos de exclusão, que correspondem a 3% da linha tarifária.
Angola na ZCLA sem unanimidade
A entrada de Angola na ZCLA não recolhe unanimidade junto de empresários. Os mais optimistas entendem que “devemos avançar, porque o caminho se faz caminhado”. Outros não vêem o país preparado.
Filomena Oliveira, que sempre esteve na ‘linha da frente’ na abordagem do tema, é mais crítica e entende que, em Angola, há uma dificuldade que tem que ver com a “política externa, que nunca está alinhada com a política interna”.
A empresária considera que “a Aipex tem de fazer mais”, ao mesmo tempo que se deve “ter uma estratégia assente nas vantagens comparativas”. “Para não fazermos o mesmo que os outros, mas, antes, ver o que eles precisam e podemos produzir aqui e em que tempo”, argumenta, sugerindo que os empresários se engajem em cooperativas para direccionar a produção para o mercado interno e externo.
Oliveira lamenta, por outro lado, que haja “muitos estudos dispersos”, levando a que “andemos muito desencontrados, sem objectivos claros, o que se leva a que se perca muito tempo com assuntos desnecessários”.
Com a adesão à ZCLA, Filomena Oliveira sugere a construção de uma ponte sobre o rio Chiloango, em Cabinda, para a entrada na região centro-norte, um projecto que, de resto, já tinha sido previsto pelas autoridades coloniais, em 1925.
A empresária, porém, é contrariada por Sérgio Calundungo, membro do Conselho de Concertação Económica e Social, que acredita no projecto comum e desvaloriza a ideia de Angola não estar preparada. “O caminho faz-se caminhando, tivemos o mesmo tempo que os demais para estar, e se não estamos agora é por falha.”
O empresário Domingos David, por seu lado, acredita que a adesão à ZCLA “pode impulsionar a internacionalização das micro, pequenas e médias empresas que representam 80% da empregabilidade no continente”, mas, para se atingir esse objectivo, considera “crucial o aumento da produtividade e da qualidade dos produtos, ao mesmo tempo que se deve potenciar o corredor do Lobito e a melhoria das estradas para o escoamento da produção”.
Muitas debilidades
O economista Samuel Muecália Felino identifica muitas debilidades, “por termos uma economia pouco diversificada assente num único produto de exportação, o petróleo”. “Não temos uma produção capaz de inundar o mercado interno. As empresas estão a falir, o que vamos impor no mercado comum africano?”, questiona-se, antevendo “um fracasso”.
Ainda mais pessimista está Fidelino Queiroz que diagnostica falta de preparação a quase todos os países africanos. “A maioria dos 55 países do continente não está preparada”, detalha, exemplificando com o caso concreto do país. “Angola não vai longe, porque tem um tecido empresarial muito débil, que não evoluiu, em que o comércio é totalmente dominado por estrangeiros, assim como o sector industrial. Já o tecido empresarial agrícola tem um índice maior de nacionais, mas é desprezado em benefício da agricultura familiar”, observa. “Se nem sequer a nível da SADC se conseguiu instalar o livre comércio nem sequer funciona a livre circulação de pessoas e bens, como se fará isso a nível de todo o continente?”, interroga-se.
Maior mercadodo mundo
A ZLCA abrange um universo de 1,2 mil milhões de consumidores e tem potencial para se constituir o maior mercado do mundo. Os 55 Estados membros da União Africana (UA) representam um produto interno bruto de 2.500 mil milhões de dólares.
Lançada no Níger, em 2019, na 12ª Cimeira da UA, a iniciativa deve “colaborar para promover a paz e a prosperidade do continente”, defendeu o chefe de Estado nigerino. Mahamadou Issoufou entende ser “o maior evento histórico no continente africano desde a criação da OUA (Organização para a Unidade Africana), em 1963”.
O presidente do Níger foi o primeiro a assinar o acordo, seguido do líder do Ruanda, Paul Kagame, e de Idriss Deby, antecessor de Kagame, na presidência da UA.
João Lourenço foi o quarto, tendo considerado o acordo “uma vitória da persistência e da acção empenhada que criou a Comunidade Económica Africana”, acto marcado por “muitos desafios, sucessos e insucessos no caminho da integração económica, social e cultural das respectivas comunidades económicas regionais e do continente em geral”.
O chefe de Estado angolano manifestou-se esperançado no êxito da ZCLA, apontando como exemplo de contributo concreto de Angola ao projecto a reabertura do Caminho-de-Ferro de Benguela, que deve impulsionar o escoamento de mercadorias entre Angola e os países vizinhos, como a RDC e a Zâmbia. A UA estima que, a longo prazo, a ZCLA poderá aumentar em 60% o comércio dentro de África.
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