Angola ‘quebra’ confiança do Brasil com dívida de 1,1 mil milhões USD
FINANCIAMENTO. Brasileiros apertaram as regras de empréstimos para Angola, depois de sucessivos atrasos nos reembolsos do crédito dos anos anteriores. Dos 3,4 mil milhões USD recebidos, Angola pagou 2,3 mil milhões. Exigências incluem transparência nos contratos de empreitada e projectos a serem realizados à luz do financiamento. Analistas consideram “improvável” mais dinheiro para Luanda.
O Governo não concluiu o pagamento dos 3,4 mil milhões de dólares de empréstimos contraídos do Brasil entre 1998 e 2016, mantendo uma dívida de 1,1 mil milhões junto do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) daquele país, soube o VALOR do conselho de administração da instituição bancária.
De acordo com o seu presidente, Paulo Rabello de Castro, foi exigido a Angola o cumprimento de “várias condições”, para voltar a candidatar-se a novos empréstimos e ser levantada a suspensão de obras paralisadas no país.
“Da parte do BNDES, houve, sim, uma suspensão temporária de desembolsos [para Angola], no ano passado, em decorrência de um atraso nos pagamentos. Estas dificuldades foram superadas, porque tivemos de elencar [condições] o que era importante que Angola fizesse para que houvesse a retomada no pagamento e liberação de novas tranches”, confirmou Rebello de Castro, em resposta ao VALOR, que questionou a situação actual da dívida.
Os números da dívida chegaram ao VALOR, através de e-mail do BNDES, e foram confirmados pelo presidente da instituição, Paulo Rabello de Castro, numa conferência de imprensa do banco que se seguiu à visita do ministro das Finanças angolano, Archer Mangueira, àquele país.
Aliás, a viagem do ministro das Finanças, na semana passada, ao Brasil, previa, entre outros, a assinatura de vários acordos, incluindo o relançamento da linha crédito com aquele país e o afastamento da possibilidade de ‘default’ na liquidação dos empréstimos que Luanda já recebeu, numa altura em que o OGE-2018, aprovado na generalidade, em Janeiro, prevê um défice fiscal de quase 3%.
Das várias condições para a retoma do crédito, Angola foi obrigada a assinar uma declaração de “lisura nos contratos”, para todas as empresas que se candidatem aos empréstimos do BNDES. E inclui as construtoras brasileiras que operam em obras estratégicas no país, nomeadamente a Odebrechet, Queiroz Galvão e Andrade Guiterrez. “Existe uma condição que, por incrível que pareça, é um pouco delicada, que é uma declaração inequívoca de lisura na contratação dos projectos. Esta declaração, por escrito, de lisura e correcção na negociação dos projectos, tem causado uma certa dificuldade, em Angola. Mas já está a ser também objecto de superação por parte do nosso cliente final que é o Governo angolano”, reforçou Rabello de Castro.
O Brasil reconhece que os cortes no financiamento paralisaram obras importantes, mas lembra igualmente que o país já não estava habilitado a receber dinheiro. “Tivemos dificuldade de continuar a financiar quem não tinha condições de ser mais financiado. Isto não estava na previsão de Angola. E, neste caso, nós é que tivemos de superar isso. O ‘Acordo de Leniência’ com a Odebrecht já foi feito e podemos, em tese, retomar essas negociações com vista a novos projectos no futuro”, considera.
‘LAVA JATO’ INVESTIGA…
Apesar de Angola atrasar nos pagamentos, o Brasil reconhece, no entanto, que o Governo observou com as suas obrigações no reembolso e junta às causas do corte no financiamento o processo ‘Lava Jato’.
“É importante notar que o Brasil também teve uma dificuldade que esteve na base dessa suspensão de desembolsos alheia à vontade do banco, mas decorrente dos efeitos não controláveis da ‘Lava Jato’. Não controláveis quando são mencionadas as empresas [brasileiras] que foram objecto de investigação. Até que se fizessem os ‘acordos de leniência’, elas tornaram-se empresas de cadastro ruim do ponto de vista de operações com o banco, daí a suspensão”, sublinhou o gestor bancário.
O acordo de leniência diz respeito a um tratado judicial em que todas as empresas apontadas no processo ‘Lava Jato’ têm de colaborar com as investigações, sob pena de ficarem fora da assistência financeira daquele governo. Na lista, integram a Odebrecht, a Andrade Guiterrez e a Camargo Corrêa, que viram os seus gestores executivos investigados.
…CRISE POLÍTICA TRAVA CRÉDITO
Se, para o presidente do BNDES, “já há condições para voltar ao crédito”, vários analistas das maiores consultoras económicas e financeiras do Brasil apontam as disputas políticas e um “processo de reestruturação do BNDES” como prováveis barreiras à intenção de Angola receber mais dinheiro do Brasil.
Para Alex Agostini, da agência Austin Rating, há menos possibilidade de o BNDES libertar novos créditos, não só pelo histórico de dívida de Angola, mas pelo que chamou de “disputa pública” sobre um valor que o próprio credor tem de devolver ao Tesouro brasileiro. “Acho pouco provável que isso [o desembolso] ocorra em virtude da disputa entre o BNDES e a equipa económica, que ocorre desde Setembro passado, sobre os 130 mil milhões de reais que o banco tem de devolver aos cofres do Tesouro, bem como pela postura assumida pelo seu presidente, focada no apoio a micro, pequenas e médias empresas”, argumenta Agostini.
Também é apontado o cenário político actual como entrave a novos créditos. Segundo ainda Alex Agostini, a esquerda política brasileira é critica às políticas do banco, que, como sublinha, “empresta mais ao exterior, enquanto o Brasil segue com as suas mazelas em infra-estruturas”.
Já Jason Vieira, outro economista da Asset Management, considera igualmente “improvável” que haja saídas de novos financiamentos do BNDES para o exterior, já que se discute uma “revisão do papel do banco, principalmente em relação ao tamanho e retorno de investimento no Brasil”. “Para imaginarmos o BNDES a fomentar novamente obras em países estrangeiros, devemos aguardar a reconfiguração do papel do BNDES como instituição”, comenta Jason Vieira, que considera a visita de Archer Mangueira ao Brasil “importante” para dirimir rumores sobre a possibilidade de ‘default’ de Angola no compromisso com o banco.
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