Jean Claude Bastos de Morais, accionista do Porto do Caio

“Angola tem de baixar os impostos para atrair mais investimentos”

Accionista maioritário do projecto Porto do Caio defende mais redução de tudo que é imposto para permitir a entrada de mais investimento estrangeiro no país que considera ter uma posição estratégica a nível da região.

 

O que o motivou a investir numa infra-estrutura como a do Porto do Caio, em Angola?

Hoje, Angola desempenha um papel cada vez mais activo nas estratégias de integração regional dos países da África Austral. Em 2015, Angola assinou acordos transfronteiriços com a República Democrática do Congo, a República do Congo, a Namíbia e a Zâmbia, para facilitar ainda mais o comércio. Com a sua localização estratégica, o Porto do Caio, uma vez concluído, será uma importante porta de entrada comercial entre Angola e o resto de África, e não só. Enquanto nova e importante porta de entrada para os mercados internacionais da costa oeste, o desenvolvimento tornará igualmente as exportações mais fáceis e mais económicas para os fabricantes nacionais e regionais. O Porto do Caio pode verdadeiramente tornar-se num motor para o crescimento económico, elevando os padrões de vida e gerando oportunidades reais para os angolanos, reduzindo o custo dos bens importados que hoje representam 85% de todos os bens do país. E, ao estar integrado num grande centro de exportação e importação, a localização da zona franca representa uma decisão inteligente e estratégica de política económica.

Para além desta componente meramente económica, há alguma razão pessoal que o levou a abraçar o projecto?

Sou um angolano e africano com orgulho, comprometido com o desenvolvimento do nosso continente. Estou particularmente interessado em projectos que tenham impacto sustentável a longo prazo na economia. Quando o projecto foi lançado em 2008, a minha visão era assegurar a prosperidade social e económica da província de Cabinda e para Angola. O projecto está em linha com este objectivo. Não apenas este projecto gerará receitas significativas para a região, ao diversificar as exportações e aumentar as oportunidades de comércio internacionais, mas também servirá como factor-chave para o desenvolvimento económico, como também reduzirá a pobreza e criará múltiplas oportunidades de emprego. O continente precisa de empresas e investidores que estejam preparados para compromissos de longo prazo que permitam à economia crescer e prosperar. Embora ainda haja trabalho a ser feito e desafios face à crise do petróleo, sou um dos muitos angolanos que têm o maior orgulho pelos feitos do nosso país e fé na sua liderança. Ao invés de tentar minar o nosso país, é tempo de mostrar os muitos desenvolvimentos positivos que estão a ocorrer, para acelerar a diversificação económica, a criação de empregos e proporcionar oportunidades económicas iguais para todos os angolanos.

Como acha que os investidores externos analisam actualmente o risco político de Angola, principalmente nessa fase eleitoral?

Muitos investidores, quando olham para mim, dizem que tenho muita coragem por investir no Porto do Caio. O que acho é que temos de fazer para depois receber. Se ficarmos à espera que o outro faça, nada acontece. No princípio é difícil, mas depois ganha-se com as mudanças decorrentes dos investimentos. Mas devo dizer também que há muita procura neste momento. Há muitos investidores que querem saber como investir em Angola. No meu caso particular, pretendo abrir um bocado o capital mais tarde, quando o porto estiver já a operar, porque esta infra-estrutura ainda vai estar mais valorizada. Então eu vou ganhar e o Fundo Soberano também vai ganhar. Ou seja, todos vamos ganhar, até quem entrar no negócio mais tarde, porque uma grande parte do risco já foi tomada. Mas significa também que quem entrar mais tarde, paga mais, porque será menor.

O que é preciso fazer para se trazer mais investimento estrangeiro a Angola, na sua opinião?

Angola tem já acordos bilaterais, nomeadamente com países da SADC, acho isso muito bom. Agora, espero que o país seja também mais proactivo a nível de tudo o que é imposto. Acho que, para termos uma classe empresarial robusta, temos de rever a nossa política fiscal. Temos de baixar drasticamente os impostos para se atrairem mais investidores. Há vários investidores, com activos no estrangeiro, que pretendem entrar para o mercado nacional. Só que temos de optimizar a política fiscal para atrair estes investidores. Os que estão no mercado informal não estão a ver as vantagens que existem no mercado formal, o que é mau. Com um ambiente fiscal mais atractivo seria possível captar essas empresas e o Estado ganharia muito com isto.

Acha que a estratégia da OPEP de reduzir a quota de produção do petróleo está a funcionar?

Acho que, para o caso de Angola na actualidade, com a crise, o melhor seria termos que exportar mais petróleo. Nós não somos daqueles países que irão beneficiar, no curto prazo, dessa política. Agora, no médio prazo não sei, se essa política terá o efeito desejado de aumentar o preço do barril do petróleo. Penso que isso vai depender um pouco das economias mundiais. Está a acontecer algo que não é muito bom para o ambiente, mas que é bom para a nossa economia. O Presidente Donald Trump quer voltar para as economias tradicionais, ou seja não quer subvencionar as energias alternativas. Isso pode não ser bom para o clima, mas digo que seria bom para nós que dependemos do petróleo.

Como é que o actual contexto da geopolítica do petróleo pode afectar o desenvolvimento do projecto do Porto de Caio?

O sector petrolífero é importante para nós, porque garante potencial adicional. Mas o nosso negócio esteve sempre focado num contexto de independência do sector petrolífero.

Qual é o futuro imediato que vê para Angola?

Acho que Angola está bem posicionada para jogar um papel determinante na região da SADC. Só que tem aproveitar as vantagens que o país tem. Hoje todos falam da diversificação, mas é preciso notar que a diversificação da economia vem com a eficiência. Só se pode diversificar a economia, se se for competitivo. A nossa economia não pode ser artificialmente gerida. Tem de ser gerida pela eficiência, pelo custo baixo. Como é possível hoje, no mercado imobiliário, o preço do metro quadrado ser ainda 100 dólares por mês, isso é muito alto. Temos de baixar os preços para sermos mais competitivos. O nosso mercado não é grande, mas temos capacidade, inteligência e também alguns recursos para diversificar a nossa economia e para criar um cenário industrial que passa pela agricultura, pelo sector mineiro e até mesmo pelo sector alimentar. Temos vários sectores interessantes que podem servir para alavancar a economia. E o Porto do Caio, que prevê zonas industriais para transformação de produtos, é um exemplo disso.

Em que fase é que se encontra actualmente a construção do Porto de Caio?

O porto de águas profundas do Caio está a ser desenvolvido em duas fases ao longo de três anos. Os primeiros desenvolvimentos da construção da fase de infra-estrutura de base na área marítima serão concluídos no segundo semestre de 2017. As operações de amarração de navios de grande porte e o manuseio de carga em contentor no porto de águas profundas de Caio devem começar com uma abertura gradual no final de 2018. A segunda fase de finalização das instalações está programada para ser concluída em 2019. Para esta fase está prevista o desenvolvimento de uma base adicional, que incluirá uma parede de cais de 630 metros, armazéns, uma central de energia e uma zona de comércio livre. Nas fases de desenvolvimento futuras ver-se-á a infra-estrutura portuária estender-se a dois quilómetros de comprimento e 1.200 metros de largura, dos quais 1.130 metros serão para encaixe de quatro navios capazes de transportar mais de 5.000 contentores cada. Actualmente, a nossa principal actividade e factor de custo é a parte de dragagem.

Há quanto tempo está a ser construído o Porto do Caio e como está a decorrer o processo da sua implementação, do ponto de vista técnico?

O porto está em construção há cerca de 10 anos. Durante este período o conceito do porto foi expandido e alterado de modo a reflectir a realidade do mercado actual. Após o lançamento do Porto, em 2008, foi investido um tempo significativo na análise de dados críticos, na formação de parcerias comerciais, na abordagem da realidade do mercado e na realização de vários estudos técnicos, o que inclui um estudo empírico de sedimentos, um estudo de ondas e correntes, estudos batimétricos e geofísicos, uma investigação do solo offshore e um estudo de simulação de navios. Grandes projectos de infra-estrutura, como portos de águas profundas, levam em média 10 a 15 anos para ser concluídos. O mesmo inclui o planeamento, licitação, negociações, estudos ambientais, estudos técnicos e de construção. Há uma série de eventos significativos e alguns retrocessos no decorrer do projecto, mas os responsáveis pelo desenvolvimento do porto não perderam de vista o objectivo final, que é construir um porto de águas profundas de renome que opere como um catalisador e ajude a aumentar a prosperidade económica da região.

Quanto é que já se investiu até ao momento na infra-estrutura?

Esse projecto surge de uma parceria público-privada. Mas o acordo é que recebemos esta concessão para trinta anos, findo este prazo passa tudo para o Estado. Entretanto, temos uma prorrogação de 15 anos, mas isso é o Estado que vai decidir, se prorroga ou não. A parte pública vai ser responsável de cerca de 80 por cento da fase inicial da infra-estrutura, que corresponde a um custo total de 831 milhões de dólares. O Estado paga 85 por cento deste custo. A entidade de gestão participa com 15 por cento do custo da infra-estrutura, significa que nós, enquanto entidade gestora, vamos investir no projecto 120 milhões de dólares, sendo que, até ao momento, já investimos 70 milhões de dólares. Mas temos custos elevados para pagar salários, os equipamentos, os peritos. Portanto, tudo o que é custo operacional, de manutenção, equipamento ou terminal adicional o Estado não paga nada.

E quanto se prevê gastar nas restantes fases do projecto?

Na segunda fase, tendo em consideração um novo contrato rubricado, o projecto obteve um valor de activos de 635 milhões de dólares em apenas oito anos de concessão. Com o financiamento e novos acordos com a República Democrática do Congo, o valor dos activos aumentou para 1,2 mil milhões de dólares. Na terceira fase, com o lançamento gradual do projecto no primeiro trimestre de 2018 e com a avaliação de activos em aproximadamente 1,2 mil milhões de dólares, iremos direccionar um financiamento adicional para construir um segundo terminal para mais 500.000 TEU (Unidade Equivalente de Vinte Pés) exclusivamente para o destino de Boma, RDC (República Democrática do Congo). O nosso objectivo é obter uma pequena participação pró-forma de 30 a 60 milhões de dólares de grandes investidores institucionais para aumentar o valor do activo para até dois mil milhões de dólares.

No total, em quanto estará estimado o investimento aplicado pelo Estado no projecto do Porto do Caio?

O Governo de Angola garantiu um investimento de 710 milhões de dólares no projecto, enquanto o montante restante será financiado por investidores privados. Prevemos que o valor do activo líquido do Porto aumente para três mil milhões de dólares ao término dos 30 anos e que se espera gerir rendimentos fiscais potenciais de 350 milhões de dólares por ano.

Qual é a importância estratégica do Porto do Caio do ponto de vista económico para a província de Cabinda, para o país e para a região da África Ocidental e Austral?

Este é um novo porto no novo milénio, com instalações e tecnologia de ponta. Será o grande transformador de que realmente precisamos em Angola, um catalisador que vai aumentar a prosperidade económica e ajudar na rápida criação de emprego. Ao introduzir melhores infra-estruturas, zonas de comércio livre e zonas industriais, o porto será uma âncora para o desenvolvimento económico de Cabinda. O novo Porto do Caio será o mais eficiente da África Ocidental. Quer dizer que não vai beneficiar somente Cabinda ou Angola, mas é de dimensão regional. Vamos ter 1.600 empregados directos e indirectos e vamos ter até 30 mil postos de trabalho induzidos, reduzindo assim a taxa de desemprego para cerca de 16% do nível actual, e aumentando as oportunidades de comércio internacional e o PIB de Cabinda em até 20%. A par disso, vai mudar também a rota do comércio que vai criar outras possibilidades. Diversificar as exportações, reduzir os custos logísticos, o custo de vida e os níveis de pobreza.

Como é que o Porto vai operar, em termos efectivos, ao ponto de reduzir os custos logísticos?

A nossa estratégia é a de investir no equipamento para depois nos focalizarmos na eficiência. Quer dizer que um grande barco, com grande quantidade de carga, terá canais com capacidade para receber e descarregar 60 contentores por hora. Em resumo, teremos menos tempo de espera, o que significa que teremos menos custos. E com isso pode baixar-se o preço. Achamos que podemos baixar o preço até 50% ao que é praticado hoje e isso deverá causar um efeito contra a inflação. Reitero que neste projecto, temos também uma zona económica especial, temos uma zona industrial e uma zona franca. O nosso objectivo é que o barco chegue com grandes quantidades de mercadorias com a possibilidade de, ao mesmo tempo, poder armazená-los nos espaços já referidos. Os produtos ficam lá e não pagam impostos. Isso deverá resultar num outro negócio. Ou seja, vai permitir ao negociante comprar produtos já cá no país ao invés de ter de ir ao estrangeiro. Achamos que isso vai fomentar, em parte, a vontade dos empreendedores em criar a transformação de produtos internamente. Se o investidor consegue hoje comprar mercadorias a um preço inferior, sem ter de pagar taxas para armazená-los, isto poderá permitir também a compra de produtos semi-acabados.

Qual é efectivamente a natureza da parceria que existe entre o Porto Caio e o Fundo Soberano?

Os investimentos do Fundo Soberano têm sempre de criar retorno. O Fundo Soberano diz que não quer participar só na infra-estrutura, mas também no lucro das empresas. Esta é uma estratégia inteligente, porque, se o investidor só participa na infra-estrutura, signfica que é somente o proprietário dela, mas não da sabedoria, ou seja saber de como gerir e fazer portos. O Dubai Port, por exemplo, quando começou a ser operado, os proprietários não sabiam como o haviam de fazer. Por isso apostaram numa empresa de gestão. O Fundo Soberano do Dubai Port, que é o Dubai Investment Corporation, investiu numa empresa de gestão que hoje já é dona de mais de cem portos. Porque geriram com saber e hoje já sabem como gerir um porto de forma eficiente.

A vossa gestão à frente do Porto do Caio foi duramente criticada em artigos recentemente divulgados na internet, nomeadamente nas redes sociais. Como é que encara essa situação, em particular?

Apesar do bom trabalho que continuamos a fazer em Angola, há indivíduos entre os meios de comunicação e grupos de interesse especial que desejam manchar a nossa reputação. Relatórios recentes dos média que fizeram alegações directas e difamatórias contra mim foram atendidas com uma resposta robusta, legal e firme, pois sempre nos defenderemos contra as campanhas destinadas a destruir a minha reputação duramente conquistada. O trabalho que estamos a fazer apoia a mudança socioeconómica tangível: proporcionar formação e competências a toda uma nova mão-de-obra de angolanos, criando verdadeiras oportunidades de emprego nas comunidades locais e desenvolvendo infra-estruturas críticas para aumentar o potencial de desenvolvimento da economia angolana.