“Ao reciclar contribuo para o ambiente”
ARTES PLÁSTICAS. Nelo Teixeira, carpinteiro e artista plástico, realiza quarta exposição individual, em Luanda. Aproveita material reciclável para construir obras. Esteve na Bienal de Viena e já participou em cinco exposições individuais internacionais. Dá formação grátis, assume que vive da arte, mas só recentemente recebeu primeiro apoio do Ministério da Cultura
A formação em carpintaria influenciou a entrada para as artes plásticas?
O percurso foi extenso desde os 13 anos. Nesta altura, estava ligado a trabalhos manuais com o meu irmão mais velho. Foi a carpintaria que influenciou as artes plásticas, mas entro nas artes por influência de um amigo.
A carpintaria é uma arma para aplicar nas artes plásticas?
Sim, porque a carpintaria me dá vantagem de conviver com tudo o que é arte. Porque também faço cenografia em cinema, teatro, decorações de bares e restaurantes.
Está a decorrer a quarta exposição. O que retrata?
‘NotBok: Aglomeração no Espaço e nas memórias’ é resultado das transformações de objectos que encontrei pelas ruas de Luanda, a cidade onde o maior foco são materiais recicláveis.
Vive em frente ao mar. Sente alguma motivação para trabalhar com material reciclável?
Aproveitar o material reciclável é um contributo que dou ao ambiente e à sociedade. E é um material bom para se trabalhar. Se nós não o fizermos, ninguém o fará por nós. Não é nada mal experimentar e tirar um resultado bom dele. Vivo à beira-mar e vejo a quantidade de lixo que o nosso mar transporta e é difícil manter-me afastado disso.
Há clientes para esse material?
Nunca sobram peças das minhas exposições. É importante dar um bom acabamento e criar um historial para a peça. Porque, se não for bem tratada, as pessoas tratam o produto final como lixo.
Dá para viver desta arte?
Vivo disso há muitos anos. Estou agora com 41 anos e só trabalhei como assalariado durante dois anos. Dificilmente tiro tempo para ir a discotecas ou festas. Vivo todo o tempo a trabalhar. Já participei de um leilão solidário, em Londres, onde a minha obra foi a mais cara. Trava-se de uma escultura de uma mãe grávida e foi leiloada por cerca de 15 mil dólares.
As formações que ministra nas escolas e em casa, são gratuitas?
Todas as formações que dou são grátis. Em artes plásticas, carpintaria, construção civil, canalização e electricidade.
Como vê o estado das artes plásticas em Angola?
Está num nível top. Há artistas conceituados que aparecem internacionalmente. Já aparecem pessoas a valorizarem mais os artistas, quer em dança, música quer em artes plásticas. Com a nova urbanização de Luanda, já há mais espaços de exposição e facilita na abertura do artista. Quando comecei a pintar, tínhamos apenas três salas de exposição. Antigamente, nas exposições, eram sempre as mesmas pessoas, professores e alunos. Hoje, já há mais salas, pessoas que valorizam mais a arte, empresas que fazem encomendas. Está a evoluir bem.
Os artistas nacionais são valorizados no estrangeiro?
Quais os de referência? Já há muitos artistas principalmente jovens, como Edson Chagas, Kiluange Kia Henda, Yona Mine, entre outros. Mas tem de se fazer um bom trabalho, porque estamos a ser observados e não imaginamos. Quando fui a Veneza, foi a mesma coisa, fiquei admirado pelo convite.
Como surgiu o convite para participar na Bienal de Veneza?
É pelo meu trabalho que ando a ser observado. Admirei-me quando disseram que tinha de ir. Foi a primeira vez que recebi dinheiro do Ministério da Cultura. Foi bom, porque há um contacto directo com todos os artistas nacionais e internacionais.
O que espelham os seus trabalhos?
Sou do gueto, então quase tudo o que exponho tem que ver com os problemas sociais, como a falta de água e energia, a carência do pão, a gravidez precoce, entre outros. Não adianta falar dos outros, tenho de falar do que vivemos.
PERFIL
Manuel de Oliveira Martins Teixeira, de 41 anos, natural de Zaire, tem a arte como fonte de vida e como lema de vida ‘só bumba’. A sua referência nas artes em Angola é António Ole e internacional é Salvador Dali. Já participou em mais de cinco exposições colectivas internacionais e quatro individuais nacionais. Constrói também cenários para teatro e cinema, como aconteceu nos filmes ‘O Herói’, de Zé Gamboa, e ‘Cidade Vazia’, de Maria João Ganga. A exposição ‘NotBok: Aglomeração no espaço e nas memórias’ foi inaugurada na semana passada e fica patente até Janeiro de 2017, na galeria do Banco Económico, em Luanda.
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