CARLOS ALVES, ARTISTA PLÁSTICO, CARTOONISTA E ACTOR

“Artes plásticas deram-me tudo”

27 Feb. 2017 Marcas & Estilos

ENTREVISTA.Enquanto pintava um muro, Carlos Alves revelava como já ganhou mais dinheiro com as artes plásticas do que com as cénicas. Este ano, está empenhado em dar aulas de desenho e pintura, em casa, onde terá uma galeria, ao mesmo tempo que grava um novo filme.

Das artes plásticas e cénicas, em qual se sente mais confortável?

Gosto das duas, embora gostasse de dedicar muito mais tempo às artes cénicas, só que, no nosso país, é complicado.

Em qual delas se ganha mais dinheiro?

As artes plásticas é que me deram tudo até hoje. Construí duas casas e ainda tenho espaço, um restaurante, um salão de beleza, a minha viatura, tudo fruto dos meus desenhos, cujo ponto de partida foi no Namibe, onde decorei uma creche de raiz, sozinho. Pagaram-me muito bem, 11 mil dólares.

É o trabalho que lhe deu mais dinheiro até aqui?

Foi um trabalho para a Chevron, foram oito murais, numa escola. Pagaram-me 45 mil dólares, dos quais comprei o carro e construí a segunda casa.

E o que ganha por mês?

É assim, além de ela (artes plásticas) ser generosa, não aparecem sempre trabalhos. Muitas vezes, quando vem, se tiver sorte, paga uma quantia para aguentar uns mesitos, e agora com o restaurante tenho sempre algum rendimento.

Quais as entidades que mais lhe solicitam para desenhos?

Creches, hospitais, ultimamente recebo muitos pedidos para desenhar em paredes de quartos de casais, fazer rosto, rosas, dois olhos na parede junto da cama. Faço muitos desenhos com base em ‘desenhos animados’.

Que projectos tem para este ano?

Vou começar a dar aulas de desenho e pintura, em casa.

Como é que entra para as artes cénicas?

Por curiosidade. Por ter visto na televisão um amigo (Jone), que vivia no mesmo bairro (Mártires) a participar nas mini-séries da TPA, na última é onde entro.

Em que ano?

Nos anos 1980. Foi a minha primeira participação, numa pequena história de 12 capítulos, em que fui protagonista. Bebi muito dele (do amigo). Aquela coragem, garra partiu mesmo dele. Mas actualmente tenho gravado mais em filmes do que novelas.

Participou nos filmes ‘Assaltos em Luanda2’, ‘A guerra do kuduro’, ‘Crimes do dia-a-dia’. Já não grava mais?

Estou a gravar um novo filme (realizado por Henrique Narciso Dito). A história baseia-se em mais velhos que conquistam meninas pela internet. Foi feita para alertar para o perigo da internet.

Nas artes cénicas, qual foi o contrato que mais lhe rendeu?

Que deu um bocadito foi (a telenovela) ‘Doce Pitanga’. Foi modesto.

Quanto deram na altura?

Deu para comprar uma máquina de lavar e um televisor… (risos), daí não passou.

Entre o cinema, televisão e o teatro, qual é o contrato mais aliciante?

(silêncio) Ainda não tive a sorte de ter grandes contratos nessas áreas. Mas a televisão deu mais.

Variam de quanto a quanto?

Posso falar melhor dos filmes (pelas recentes participações). Recebi 1.500 dólares por cada um. Pelo novo filme ainda não recebi. Aqui é mais por amor à camisola, até porque os artistas estão parados, por isso quando aparecem essas oportunidades temos de as aceitar para manter a actividade.

Por qual motivo saiu do Jornal de Angola?

Sinceramente, até hoje não consegui perceber. Dizem que houve um ‘cartoon’ que criou certa polémica na época, por essa razão cortaram os ‘cartoons’. No início de 2000, não sei precisar a data, fui entregar o trabalho, disseram-me simplesmente que já não estavam a publicar mais ‘cartoons’ no JA!

Na altura estava sozinho ou havia mais cartoonistas?

Estava eu e mais dois. Mas pronto, agora há a necessidade de recomeçarmos a produzir para não perdermos a prática e a vontade.

Para quem trabalha?

Estava na ENSA, onde fiquei 30 anos a fazer ‘cartoons’. Criei explicações sobre seguros em banda desenhada, como a famosa mascote do risco que está sempre à espreita, as histórias do Man Gugas. Mas já não estou na ENSA por causa da mudança que houve (redução do pessoal), embora quisessem tanto que voltasse a produzir, mas as publicações já não têm muitas saídas.

Como é que está o cartoon em Angola?

Está vivo, tenho muito orgulho e muito gosto em dizê-lo, temos a sorte de ter dois irmãos, Lindomar e Olímpio de Sousa, que fizeram com que o ‘cartoon’ não morresse. Por isso, assistimos todos os anos a festivais de banda desenhada, passei a participar desde a 10.ª edição e isso facilita que estejamos cada vez mais activos. Vai bem, apesar de faltar apoio, as pessoas não têm noção do quanto isso vale. As artes em qualquer país são uma fonte de informação.

PERFIL

Carlos Manuel da Cruz Alves nasceu em Luanda a 13 de Junho de 1965. É actor, cartoonista e artista plástico. Nesta última, representou Angola em exposições internacionais, como no Festival Internacional de Humor de Oeiras, em Portugal, na Bulgária ganhou o 3.º prémio, onde publicou pela primeira vez em 1986 uma banda desenhada intitulada ‘A hora da justiça’. Além do Jornal de Angola, fez ‘cartoons’ para diversas companhias publicitárias, incluindo a seguradora ENSA, onde ficou por 30 anos. Considera-se um humorista “satírico com uma visão amarga, mas lúcida do dia-a-dia angolano”.