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Carlos Martins, director-geral da Vidrul

“As novas regras de exportação retiraram-nos alguma vontade”

ENTREVISTA. Líder da única vidreira do país considera não fazer “muito sentido” a obrigatoriedade de vender 50% das divisas resultante das exportações à banca, acrescentando que esta exigência diminuiu a “vontade” da empresa de exportar. A fábrica reformulou planos e fornos, mas a prioridade continua a ser abastecer o mercado nacional.

 

 

“As novas regras de exportação retiraram-nos alguma vontade”

Que avaliação faz de 2018?

Foi muito parecido com 2017. É evidente que há algumas coisas que estão um bocado diferentes, quanto mais não seja a desvalorização do kwanza e depois estes novos métodos para poder importar. Com as cartas de crédito, com bancos a reterem uns 110% outros 120% do valor. A grande alteração relativamente a 2017 foi essa.

Em termos de volume de negócios, qual é a comparação entre os dois anos?

Vamos estar muito parecidos. Em 2017, realizámos à volta de 40 milhões de vendas, 2018 vamos estar muito próximo disso.

Notou alguma tendência de melhoria da crise, olhando para os quatro anos?

Espero que isso melhore. Todos os empresários esperam que melhore, toda a gente tem esperança que esteja no bom caminho. Relativamente a nós, o mercado existe, estamos a investir, a aumentar a nossa capacidade produtiva. Vamos arrancar dentro de 15 dias com um novo projecto.

Este novo projecto consiste em quê?

Aumento da capacidade instalada na ordem dos 60%. Depois, como é óbvio, uma parte vai ser consumida internamente e a outra queremos que seja para exportação.

Qual é a realidade actual na exportação?

Em 2018, tivemos muito pouca capacidade de exportação.

Quão pouca?

Muito residual, nem 2%. Só agora, em Dezembro, é que fizemos uma exportação. Para a República Democrática do Congo. Não tivemos capacidade durante 2018 porque as marcas nacionais absorveram a nossa produção.

Como foram as exportações em 2017?

Fizemos à ordem dos 10%. Em 2018, o que aconteceu foi que as marcas nacionais mudaram a capacidade das garrafas, mudaram também as garrafas para retornáveis, todos andaram a mudar o tipo de embalagens e fazer estas alterações absorveu a nossa capacidade. Estas novas regras de exportação, que são mais complexas, também nos retiraram alguma vontade, porque não achamos que seja normal uma empresa exportar e ser obrigada a vender 50% das divisas que recebe dessa exportação à banca.

Como pensa contornar isso?

Vamos fazer exactamente como fizemos até agora. Não vamos fugir à lei e aos regulamentos. É como tudo, não temos outra hipótese.

A venda à banca dos 50% gera perdas?

Claro que equivale a perdas porque vai vender a um valor que depois se quiser comprar vai comprar a um valor superior. Tem sempre uma perda. Se eu tiver 10 mil dólares para vender, o banco nunca me vai dar o mesmo valor que eu lhe vou dar para comprar os 10 mil dólares.

Mas, ainda assim, pretende aumentar a exportação?

Sim, porque continuamos com algumas dificuldades em obter divisas para a nossa matéria-prima. Se bem que o forno foi um empréstimo feito através do BNI, como ComerceBank. Precisamos de importar matéria-prima e peças, sobretudo para a maquinaria. Precisamos de continuar a exportar porque a banca nacional continua com muita dificuldade em arranjar-nos divisas.

Sente, na prática, a intenção manifestada pelo Governo de apoiar o desenvolvimento da indústria?

Existe intenção dessa ajuda, não tenho a menor dúvida e as coisas estão a ser alteradas para que a indústria tenha mais facilidades. Agora, relativamente a duas coisas que nos afectam drasticamente, podemos estar de acordo ou não, entendemos perfeitamente a política de importações que foi implementada. Percebemos que o Governo quer controlar as coisas e as importações e acho isso muito bem. Mas temos é de ter cuidado para não descapitalizar as empresas, porque cada vez que é aprovada uma compra de um produto qualquer ou de uma importação temos de estar a pôr 110% ou 120% desse valor no banco, enquanto esses produtos só chegam passados dois ou três meses. Durante esse tempo, não temos o dinheiro porque fica bloqueado. Esse é um dos grandes problemas. O segundo é para as empresas que exportam, a obrigatoriedade de venda dos 50% do valor dessa exportação a um banco. Não faz muito sentido.

Então a importação e exportação são as principais dores de cabeça das indústrias?

Neste momento, sim. Falo pela Vidrul, não posso falar pelas outras.

A exportação garante boas margens?

Não se ganha muito dinheiro, temos custos muito elevados nas exportações, essa é mais uma coisa para a qual o Governo tem de olhar.

A opção pelas garrafas retornáveis dos vossos clientes é-vos prejudicial?

Prejudica em termos de quantidades vendidas, se fossem garrafas ‘one way’, estaríamos sempre a produzir. Pegava-se, deitava-se fora, nós recolhíamos o casco, voltávamos a meter, tínhamos o custo de produção mais baixo e tínhamos mais rotatividade. As retornáveis baixam o custo ao consumidor final e reduzem a quantidade de garrafas vendidas, porque aquilo volta à fábrica pelo menos umas 14 ou 15 vezes, só têm uma perda de 2/3%.

Em 2017, estava com capacidade instalada de 160 toneladas por dia. E em 2018?

Foi a mesma coisa. Para 2019, vamos ter 280 toneladas instaladas por dia. O que não quer dizer que tire 280 toneladas por dia, porque o forno tem capacidade, mas os produtos a fabricar é que mandam aquilo que vai tirar do forno. Se estiver a fabricar garrafas para exportação, vai tirar as 280 toneladas porque são todas garrafas pesadas. Se estiver a fazer para o mercado nacional já não é bem assim porque o mercado tem garrafas mais pequenas e mais leves.

A África do Sul continua a ser prioritária nos planos de exportação?

Isso foi algo que disse há uns anos quando começámos a exportar. Para qualquer produtor nacional, um dos objectivos é atingir o melhor mercado que existe e o melhor mercado que existe aqui à nossa volta é o sul-africano. Não vale a pena estarmos aqui com rodeios. É evidente que se olhar nas embalagens, a África do Sul consome muita garrafa para vinho, o que não é nada fácil fazer, é preciso ter uma grande qualidade e é preciso ter muita coragem para chegar á África do Sul e tentar vender essas garrafas.

Já têm os fornos, agora só falta coragem?

Não tínhamos equipamentos para isso. Estamos a instalar, algumas linhas vão arrancar daqui a 15 dias e têm capacidade para fazer isso. São do último grito tecnológico. É o último modelo. Os nossos trabalhadores estão aptos a trabalhar com elas, temos os nossos procedimentos de qualidade, somos certificados, portanto temos tudo para poder fazer isso, para amanhã se quisermos ir tentar vender alguma da nossa produção na África do Sul. Agora, sinceramente, não vai ser esse o meu objectivo para 2019.

Qual será?

Para 2019, o objectivo vai ser acabar esta alteração que está a existir no mercado nacional do tipo de embalagens, poder fornecer a outros clientes nacionais e depois, se sobrar alguma coisa, exportar. Em 2020, porque também vai entrar uma segunda fábrica de vidro em funcionamento. As coisas vão estar muito mais estáveis e muito mais equilibradas e aí sim podemos pensar na África do Sul. Mas temos outros clientes. Exportamos para 15 países, portanto não precisamos de ir já para a África do sul.

Exportam para 15 países e só atingiram os 2%?

Se não tiver capacidade para produção… Conseguimos começar a exportar quando tínhamos dois fornos em funcionamento e tínhamos excesso de capacidade relativamente ao mercado nacional. Depois tivemos de parar um forno, não conseguimos, de imediato, repor. Só agora, quatro anos depois, é que conseguimos. Durante estes quatro anos, a capacidade instalada da Vidrul pouco dava para exportar, só esporadicamente, fazíamos uma acção aqui, outra acolá. Agora, com dois fornos, a partir do próximo mês, vamos ver o que vai acontecer. O que tenho em carteira para 2019 é prioridade para o mercado nacional, depois logo se vê.

Além do aumento de produção, há outros projectos para 2019?

Isso já é um grande projecto, foram cerca de 40 milhões de dólares investidos e temos de ter muita paciência e calma e levar isto avante. Temos também um projecto que é uma central de tratamento de casco. Há uns anos, pedimos às pessoas para recolherem e trazerem que nós comprávamos e isso continua a acontecer, mas chegam um bocado sujos. Decidimos, para proteger também os nossos fornos, fazer uma parte deste investimento para fazer uma central de tratamento desse vidro. É praticamente uma fábrica dentro da fábrica e isso vai arrancar também agora. O edifício está pronto, faltam os técnicos para montar os equipamentos. Esperamos ter a funcionar em finais de Fevereiro.

Em 2018 não houve necessidade de corte de pessoal.

Não, inclusive estamos a aumentar o pessoal, vamos aumentar cerca de 40 a 50 pessoas.