ANGOLA GROWING
CAETANO CAPITÃO, SECRETÁRIO-GERAL DA CÂMARA DE COMÉRCIO ANGOLA-ÍNDIA

“As políticas têm estado a gerar instabilidade”

22 Dec. 2020 Grande Entrevista

Entende que tem havido “esforços isolados, mas a sincronia para o desenvolvimento económico ainda está em falta”. Identifica “instabilidade económica”, provocada pelas políticas do Governo e aconselha a que o próximo ano seja de “mais diálogo e coragem”

“As políticas têm estado a gerar instabilidade”
D.R

Qual é o actual nível das trocas comerciais entre Angola e a Índia?

Estão mais centradas no sector petrolífero. A Índia continua a ser o segundo maior comprador de petróleo bruto angolano. Mas também já se consegue perceber alguma exportação de produtos agrícolas angolanos como a Madeira, mas sobretudo feijão, café e banana.

                                                                 

Qual é peso dessas exportações?

Não temos quantidades exactas. Prefiro não arriscar, mas da informação de alguns dos nossos parceiros já há iniciativas concretizadas. Da Índia para Angola, chegam, na sua maioria, arroz, óleo alimentar, bolachas, mas também bens industriais como vestuário e calçado. Logo, a componente da Índia para Angola é mais diversificada. No conjunto, estamos a falar numa balança comercial entre os dois países na ordem de cinco biliões de dólares. Desse valor, 70% a 80% representam as exportações petrolíferas angolanas. As estiveram adormecidas, considerando os vários contextos, mas estão a ganhar outra dimensão. Os ganhos começam a surgir, não só no sector petrolífero, mas no diamantífero, considerando que pela Índia passam várias quantidades de quilates de diamante bruto angolano. Em Angola, já temos algumas estruturas de lapidação com a participação tecnológica de empresas indianas. Há a representação indiana na distribuição (uma das maiores cadeias é o ‘Alimenta Angola’), da indústria e das tecnologias. As relações estão a cimentar-se e ainda prometem muito.

 

Onde coloca o papel da CCIAI?

Temos estado a jogar um papel bastante activo no sentido de promover os interesses de investimentos, principalmente da Índia para Angola. Nos últimos dois anos, tem havido muito interesse de empresas indianas para investir, por exemplo, no sector diamantífero, não só na lapidação, mas também na exploração e na agricultura. A Índia é muito forte e pode entrar na produção de maquinaria. A ideia é estabelecer parcerias e temos trabalhado com o Ministério da Agricultura e Pescas, para instalar indústria que produza maquinaria. O mesmo ocorre na saúde, não só na promoção e venda de medicamentos, mas sobretudo na produção local incluindo material gastável. A cooperação passa também pela formação de angolanos. Temos trabalhado com o Ministério da Saúde e também com algumas clínicas renomadas.  Também há as tecnologias de informação e telecomunicações, onde a Índia é igualmente muito forte. Estamos a trabalhar com a Embaixada da Índia para que se possam aproximar as entidades para haver uma participação indiana mais significativa. O nosso papel tem sido dar a conhecer o potencial de Angola na Índia, porque os empresários indianos conhecem pouco das oportunidades do nosso país. Temos trabalhado directamente com a Aipex, a AIA e outras associações empresariais. O sector industrial da Índia também é pujante e o nosso país precisa desenvolver-se.

 

Podem também ajudar a nossa agricultura?

Sim. Aliás, já tivemos delegações de empresários indianos com a intenção de investir. Ou seja, ter acesso a terras e começarem a produzir e exportar para a Índia. Mas esse é só um exemplo concreto, porque a Índia está aberta a interagir com Angola de A a Z na agricultura. Dos engajamentos que já tivemos com o Ministério da Agricultura e Pescas, constatámos que há interesse e esperamos agora que, a partir do próximo ano, possamos consolidar algumas iniciativas. Há muita abertura por parte da Índia. Também se pode contar com o apoio financeiro de alguns segmentos indianos como o Exinbank para apoiar empresas indianas que se mostrem interessadas em investir em Angola.

 

A covid-19 não retraiu o desempenho da CCIAI?

Sem dúvida. A covid-19 tornou o ano 2020 improdutivo para todos. O empresariado indiano já tinha uma agenda definida connosco, teve de adiar a vinda e protelar os projectos, mas conseguimos realizar algumas actividades, por via virtual. Por exemplo, em Setembro realizamos uma conferência que engajou o empresariado indiano de forma diversificada. Tivemos, aproximadamente, 300 participantes do lado indiano e do lado angolano um número bastante significativo. Honrou-nos a presença do ministro das Relações Exteriores, Tete António, e foi uma iniciativa primária que permitiu despertar o sector indiano. A Aipex jogou um papel importante ao fazer uma resenha bastante detalhada sobre o que o país tem a oferecer. A nova Lei do Investimento Privado foi uma ferramenta transmitida ao investidor indiano. Tivemos outro engajamento com a ‘Indoafrica chamber of commerce’  que tem estado a trabalhar a partir da Índia para todo o continente africano. Prevemos que alguns empresários desta câmara interajam com indianos em alguns segmentos principalmente da indústria. Também foi possível realizar uma conferência sobre produção de jóias e lapidação de diamantes. Engajamos nisso a Sodiam e a Endiama. Cremos ter lançado as sementes para que, em 2021, comecem a germinar.

 

Os empresários angolanos lamentam o difícil acesso ao crédito. Concorda?

Concordo em parte porque iniciativas locais e vindas de fora existem em grande número para que a nossa economia possa ganhar uma outra velocidade. Apela-se mesmo a  a que a banca, ou seja, a componente financeira apareça para impulsionar o empresariado a outro nível. Angola está a viver um momento bastante crítico relacionado com a queda do preço do petróleo e a covid-19 entre outros constrangimentos, mas entendemos que o sector bancário deve trabalhar mais para o empresariado para que o acesso ao crédito seja desburocratizado para encorajar soluções bancárias. Ao mesmo tempo, também deve haver uma ‘mão’ do Executivo para que se motive o investimento com soluções bancárias locais. Mas o que temos estado a assistir é o contrário.

 

Como, por exemplo?

Há empresas a fechar porque não conseguem trabalhar, por não terem uma ‘esteira’ financeira para alavancar os projectos. Queremos um sector bancário amigo do empresariado. Há vezes em que se chega ao banco e vemos que não há diálogo entre o empresário e o funcionário bancário. A nossa banca tem de estar mais diversificada. Por exemplo, fala-se muito da promoção do sector agrário, mas a nossa banca não está preparada para lidar com esses projectos. Analisa um projecto do sector agrário como se fosse imobiliário.

 

Não se pode sonhar com uma agricultura desenvolvida e competitiva?

Grande parte dos projectos não vai de encontro à expectativa do empresário agrícola. Temos de ter políticas bancárias mais atractivas e céleres que sejam mais ajustadas. Por exemplo, se o empresário vai pedir um crédito é importante que saia antes do início do ano agrícola. Se sair depois, já não faz sentido. A nossa banca tem de estar ajustada à demanda do empresariado e com o processo mais facilitado.

 

Como avalia o ambiente de negócios?

Já melhorou bastante considerando a realidade de há dois três anos. A começar pela própria Lei do Investimento Privado. Só o facto de o investimento não exigir a participação de um parceiro angolano é um bom princípio. Percebemos alguns esforços da própria Aipex para que o processo de atracção do investimento seja mais facilitado só que ainda existem alguns pontos que não encorajam muito e depois temos de entender que o investidor estrangeiro ouve muito dos parceiros que cá já estão.

 

Quais são outros desafios?

Temos desafios relacionados com o repatriamento de capitais. Mesmo tendo o projecto passado pela Aipex e outras entidades, há dificuldades de repatriar dividendos. Isso retrai o investidor e faz com que quem investiu hoje se calhar já não o faça amanhã.

 

Qual tem sido o vosso conselho?

Tem havido algum diálogo. O nosso primeiro contacto tem sido a Aipex, que tem estado aberta para engajar entidades que facilitem o processo como o Banco Central, mas, de um modo geral, os resultados ainda não são muito encorajadores. Por outro lado, o processo de licenciamento de empresas e de segmentos de actividade também é muito burocratizado. Há muitas fases, muitos embaraços para instalar projectos e pô-los em andamento. É certo que existem zonas económicas especiais, mas ainda existem muitos embaraços de um modo geral.

 

Na lógica do investidor indiano, a agricultura é a grande prioridade, certo?

As energias renováveis são outro segmento de interesse. Também a agro-indústria e a área têxtil. A Índia tem uma enormidade em termos de áreas de intervenção que quer trazer para Angola, desde que o mercado seja atractivo e menos burocratizado. A Índia é o segundo maior país do mundo em termos de população e tem também um número excessivo de pequenas e médias empresas que estão a ter algum sucesso e querem se internacionalizar. Angola está na lista de prioridades.

 

De que forma avalia as políticas do Governo para corrigir os desequilíbrios?

Ainda continuamos muito dependentes de um único produto de exportação, o petróleo. Há alguns desafios para sairmos desta realidade que gera desemprego.

 

Com um kwanza fraco, não se pode sonhar com uma incitação à produtividade das empresas...

Não podemos estar distraídos com o que se passa ao redor das nossas fronteiras. Há países que também estão a posicionar-se no sentido de atrair investidores. Angola está a ter alguns posicionamentos positivos, mas precisamos de trabalhar mais até mesmo no processamento de vistos. Quanto mais burocratizados formos, mais desencorajadores seremos.  O câmbio flutuante também é outro desafio, não ajuda muito. Quem investe quer ver estabilizado o negócio com grande potencial de crescimento. Quando isso é sinónimo de regressão já é complicado.

 

Como avalia a situação económica do país?

Está estacionária. A instabilidade económica ainda desafia os projectos de investimento. As políticas têm estado a gerar instabilidade. Percebe-se os esforços isolados, mas uma sincronia que promova o desenvolvimento económico ainda está em falta. Precisamos de olhar para que o próximo ano deva ser de mais diálogo e coragem para superar os estrangulamentos.

 

Uma hipotética subida dos combustíveis também pode ser um entrave, não?

Todo o investidor que entre na agricultura precisa de combustível para a locomoção e produção. Se o preço aumenta, isso vai impactar no produto final. Fica tudo mais apertado. Estamos num país em que as infra-estruturas de apoio ao sector empresarial são quase inexistentes como estradas, energia eléctrica, água. Tem de começar do zero. O Executivo está muito lento na criação de condições para que o empresariado possa instalar-se  e ajudar no processo de desenvolvimento.

 

Isso complica a adesão de Angola no mercado livre africano?

Angola está geograficamente bem posicionada. Mas, internamente, precisa de se organizar mais. Precisa consolidar as bases para poder ombrear com outros países e retirar daí vantagens, porque não temos infra-estruturas de apoio. Uma das ferramentas necessárias seria a industrialização, mas isso precisa muito do investidor estrangeiro, além de termos de ter uma malha rodoviária eficaz.

 

O país também tem o problema de quadros…

As políticas públicas têm de pensar  deforma que daqui a cinco anos possamos ter quadros capazes de alavancar o desenvolvimento. Precisamos de competências tecnológicas. Tem de haver maior diálogo entre o Executivo, a academia e o empresariado. Falta o entrosamento nas políticas públicas. O país continua a formar quadros que impactam pouco o ambiente de trabalho. Não são criativos, nem inovadores. A academia não deve formar só para fazer número. No âmbito da integração económica, por exemplo, temos quer ter quadros angolanos que dominem línguas sobretudo o inglês e o francês.

 

Perfil

É secretário-geral desde a criação da câmara, em 2016, uma entidade que congrega 45 empresas angolanas e indianas. Caetano Capitão nasceu no Huambo, em 1973e é Mestre em metodologia do ensino da língua inglesa, pós-graduado em gestão aplicada, e mestrando em ciências jurídico-económicas na Faculdade de Direito da UAN. Foi ainda o primeiro director do extinto Centro de Apoio Empresarial (CAE).