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MUDANÇAS NA PETROLÍFERA PÚBLICA

'Buraco' de 50 mil milhões USD coloca Isabel dos Santos na Sonangol

PETRÓLEO. A indicação da empresária para a liderança da petrolífera pública foi fortemente criticada por observadores. No entanto, fontes próximas ao dossier justificam a decisão com o trabalho da comissão de reestruturação do sector petrolífero que, além de concluir o apuramento de uma imparidade técnica a roçar pos 50 mil milhões de dólares, posicionou a liderança da comissão "diferenciadamente capaz", de renegociar contratos técnicos e de serviço, nocivos aos interesses do Estado. 

A decisão do Presidente da República para a colocação de Isabel dos Santos na liderança da Sonangol passou a ser ponderada, após a conclusão preliminar dos trabalhos da comissão de reestruturação do sector petrolífero que revelaram “prejuízos substanciais” nos cofres da petrolífera pública, indicam fontes consultadas pelo VALOR, após a divulgação da notícia, na última quinta-feira, que criou reações dispersas na opinião pública.

Além da identificação de vários contratos “danosos aos interesses do Estado”, a comissão liderada por Isabel dos Santos concluiu a apuração de uma imparidade técnica a roçar os 50 mil milhões de dólares, acumulados sobretudo durante a gestão de Manuel Vicente, actual vice-presidente da República.

As diferenças contabilísticas que já são “objecto de estudo apurado com o Ministério das Finanças”, processo iniciado no consulado do então ministro Carlos Alberto Lopes, resultam do valor dos financiamentos recebidos e dos valores investidos, comparados com o valor patrimonial de certos activos, como os incorporados pela Sonangol P&P. No caso dos contratos, além da supervalorização de alguns negócios que levaram subsidiárias como a Sonangol P&P a apresentar défices de caixa superiores a quatro mil milhões de dólares, entre 2010 e 2016, “e ainda assim encontrar-se sem capacidade de produção plena”, a comissão liderada por Isabel dos contabilizou cerca de 4500 consultores externos, num universo de oito mil funcionários. “É a única empresa que se deu ao luxo de pagar bolsas a muitos angolanos e manteve-os em casa por mais de um ano, pagando salários”, ironiza a fonte, referindo-se à “gestão danosa” da petrolífera que motivou a que a subsidiária P&P mantivesse sempre uma estrutura de custos desajustada àquilo que produzia, ao operar blocos marginais, deixados por outras companhias. “É preciso lembrar também que a Sonangol não contribuía em termos fiscais até há bem pouco tempo, com excepção da função concessionária que é exclusiva do Estado e que era assumida pela empresa”, aponta, indicando que todo o investimento feito para atingir os três milhões de barris dia entre 2017 e 2018 “não se faz sentir, pelo contrário a produção baixou cerca de 250 mil barris/dia”.

José Eduardo dos Santos ter-se-á assim mostrado agastado internamente com a alegada falta de confiança em outros nomes que serviriam de alternativa, numa altura em que se diz pessoalmente empenhado na recuperação da Sonangol, tendo em conta a elevada importância estratégica da empresa na manobra das contas do Estado. “Era preciso avançar com uma posição radical, até porque, ao contrário de muita especulação, na Sonangol não há o que saquear hoje. Quem entra hoje tem, pelo contrário, como única missão recuperar a empresa”, comenta.

Em princípios de 2014, após revelações de “falência técnica” do modelo operacional da empresa, Francisco de Lemos anunciou um plano de reajustamentos dos custos operacionais da petrolífera, inflacionados sobretudo por consultorias estrangeiras, e que incluía a revisão dos contratos mais simples. No entanto, as intenções reformistas do afastado PCA não terão gerado confiança suficiente para a renegociação dos grandes contratos que “certamente vai incomodar muitos grandes interesses instalados na indústria”, esclarece a fonte. “Não foi, de certeza, uma decisão fácil, foi necessária porque a Sonangol, nesta fase, precisa de alguém capaz de discutir situações contratuais danosas de forma aberta e, sobretudo, capaz de reportar ao titular do poder executivo a informação sem qualquer manipulação, porque a recuperação desta empresa é absolutamente decisiva aos interesses do Estado”, detalha outra fonte que esclarece, de seguida, a urgência da decisão: “Uma comissão de reestruturação tem competências limitadas e há decisões que têm de ser tomadas de forma imediata, por isso optou-se pela indicação dos membros da comissão. A escolha de Isabel dos Santos é uma questão exclusiva de absoluta confiança”, insiste, reconhecendo, entretanto, o “conflito ético”, na nomeação. “Mas convém lembrar que Isabel dos Santos não será gestora executiva”, insiste.

A alegada falta de opções de José Eduardo, segundo a primeira fonte que vimos citando, adensou-se também por conta de uma avaliação geral sobre os dois consulados anteriores na Sonangol que, em mais de 17 anos, não foram capazes de viabilizar qualquer dos projectos estratégicos na cadeia de valor do sector petrolífero. A refinaria do Lobito, por exemplo, ficou encalhada, após várias revisões do orçamento que permitiram uma redução dos 12 para os oito mil milhões de dólares, números próximos do valor que o nigeriano Aliko Dangote prevê investir na maior refinaria privada da Nigéria. Outro caso emperrado é o do projecto Angola LNG. Concebido 35% mais caro do que a sua avaliação patrimonial, foi forçado a parar por problemas técnicos de estrutura pouco mais de seis meses depois, “com prejuízos enormes, agravados agora com a baixa do preço e a falta de contratos de fornecimento”.

O atraso da base logística de armazenamento em terra; os processos de licitação opacos, como o caso Colbat, que continua no encalço das autoridades norte-americanas; os prejuízos do investimento no pré-sal e a “displicência em relação ao on shore são outros falhanços imputados às administrações anteriores e que terão justificado o desgaste do Presidente”.

É pela “gravidade da informação” na posse de José Eduardo dos Santos pelo trabalho da comissão, como calculam as fontes do VALOR, que o vice-presidente da República já terá tomado a iniciativa, de forma oficiosa, de revelar indisponibilidade para ocupar a segunda posição na lista do MPLA que vai a votos em 2017.

 

Toda poderosa

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Isabel dos Santos reagiu logo a seguir à divulgação do despacho presidencial, em que era nomeada PCA da Sonangol, elencando cinco objectivos imediatos: diminuir os custos de produção e optimizar recursos, aumentar a rentabilidade da empresa e os dividendos para o accionista Estado, assegurar a transparência na gestão e aplicação de standards internacionais de reporte e de governança e melhorar a relação com fornecedores e com os restantes parceiros do sector.

No entanto a sua chegada à liderança da maior empresa pública não escapou à controvérsia pública, como demonstram as declarações de vários agentes ouvidos pelo VALOR. Com o controlo da Sonangol, a empresária estende assim sua a presença no sector mais importantes da economia, em que até ao momento não tinha influência efectiva. Nas telecomunicações onde mantém interesses privados com a Unitel e ZAP, e como já noticiado em primeira mão pelo VALOR, a empresária lidera o processo de reestruturação da Angola Telecom, processo que envolve um investimento superior a 400 milhões de dólares e que vai transformar a operadora pública de telefonia fixa no terceiro player da rede móvel. Na banca consolida a sua presença em quatro dos principais bancos privados. Ao BIC e ao BFA, em que é acionista, alarga agora a influência ao BAI e ao Millennium Atlântico, ambos participados pela petrolífera pública. Outra área estratégica do Estado com fortes interesses da empresária é o sector mineiro, em que já se admitem reformas semelhantes às que sucederam na Sonangol, além da energia eléctrica, com ligações contratuais com a ENDE.

Fora de portas, vários observadores preveem a possibilidade de a empresária produzir movimentações na banca portuguesa, já que a Sonangol é accionista do maior banco privado português, o Millennium BCP. A imprensa portuguesa já atribuiu a Isabel dos Santos o interesse de entrar no capital do BCP, através da Santoro, a sua holding de participações financeiras, como contrapartida à sua previsível saída do BPI, onde mantém braço de ferro com os espanhóis da CaixaBank, numa ‘briga’ que já envolveu uma decisão polémica do governo português, que aprovou uma lei que desblinda os estatutos do banco, alegadamente em cumprimento de directivas da Comissão Europeia.

Entre quinta e sexta-feiras, os títulos do BCP na bolsa de Lisboa reagiram negativamente à perspectiva de aumento de capital e à nomeação de Isabel dos Santos, desvalorizando 10,11%, com prejuízos nominais superiores a 150 milhões de euros.

Nova administração

A nova administração da integra uma comissão executiva presidida por Paulino Fernando de Carvalho Jerónimo. Os outros administradores executivos são César Paxi Manuel João Pedro, Eunice Paula Figueiredo de Carvalho, Edson de Brito Rodigues dos Santos, Manuel Luís Carvalho de Lemos, João Pedro Saraiva dos Santos, Jorge de Abreu ao passo que José Gime, André Lelo e Sarju Raikundalia foram nomeados administradores não executivos.

 

REACÇÕES

Luís Nascimento, advogado “Nunca esperei que isso se desse. O Presidente devia pelo menos ter mais respeito por todos. Não pode dizer: Eu posso eu faço e mando. É demais. Estou indignado. O Presidente tem de saber que não está a tratar da sua lavra. Este acto viola o que Angola apresenta constitucionalmente.”

Esteves Hilário, jurista “Fomos todos apanhados de surpresa. Espero da nova gestão o que todos os angolanos esperam: que a Sonangol seja gerida com padrões e parâmetros de governança internacionais, com lisura e transparência, por ser o maior activo que o Estado tem. A falência causaria um mal às estruturas do Estado.”

José Severino, presidente da AIA “A nomeação do novo Conselho de Administração da Sonangol EP é uma questão secundária, pois o que deve imperar, acima de tudo, é o espírito de gestão colectiva e modéstia.”

Pedro Kaparakata, jurista. “A indicação de Isabel dos Santos para liderar a Sonangol EP não fere a Lei da Probidade Administrativa. Trata-se de uma empresária que vai indicada a exercer uma função numa empresa pública, porém levanta questões de ordem moral. Entendo que está em condições para dirigir qualquer uma empresa pública, não importando que seja o seu pai.”

Josino Samora, economista “A empresária Isabel dos Santos tem muita experiência em gestão, além de estar habituada às negociações em mercados mais exigentes, tal como é o mundo do petróleo. A nível empresarial as poucas empresas angolanas internacionalizadas com sucesso, duas ou mais são detidas por Isabel dos Santos.”

Rui Malaquias, economista “O novo conselho de administração Sonangol EP está muito bem estruturado. Trata-se de uma empresa para engenheiros, o papel central deve estar focado nestes profissionais. Nas realidades anteriores, os economistas é que detinham o papel central, agora o paradigma é mais acertado.”