“Como se consegue ter um avalista na arte?”
MÚSICA. Em mais de 20 anos de carreira, lançou apenas dois discos, mas vive da produção musical. No novo disco, não conta ganhar dinheiro com as vendas. Está preocupada com a perda da identidade da cultura angolana.
Que avaliação faz da sua carreira em mais de 20 anos?
Faço uma avaliação positiva. Já passei por muitas coisas positivas e negativas. Enquanto artista, sempre procurei fazer o que realmente gosto e que o meu público desejou ouvir de mim. Fazer arte em Angola não é fácil. O processo de guerra que o país viveu fez com que muitos artistas desaparecessem. Nas décadas de 1960 e 1970, a música era feita numa outra perspectiva. Agora que enfrentamos um país com paz, a temática musical mudou muito, uns acham que é para melhor, outros para pior.
E no seu caso?
O mundo é feito de dinamismo e temos de acompanhar a evolução. Uma coisa que era feita há 20 anos não pode ser a mesma de hoje. A música angolana evoluiu muito, mas também perdeu identidade cultural. Claro que trazemos a essência que é muito forte, como a kizomba, kilapanga, massemba, mas são ritmos que, com o passar dos anos, vão acabar no esquecimento. A nova música feita pelos jovens perde-se nas influências ocidentais, esquecendo-se daquilo que realmente nos identifica.
A internacionalização é a sua meta?
Atingir o mercado internacional não depende muito do artista, mas da própria base que envolve o artista. Não vivo muito de sonhos, mas quero, como qualquer artista, fazer parte do mercado internacional.
Depende só do rendimento da música?
A música é o meu primeiro emprego, comecei a fazer música aos 16 anos. É difícil viver da música, mas vive-se. É necessário disciplina, orientação e sabermos como atingir os objectivos. Vivemos numa estratificação musical, não como queríamos. Tudo o que faço quando estou fora dos palcos é ligado à música. Estou há dois anos a trabalhar na Palanca Tv num projecto ligado à música. Estou sempre ligada à publicidade, produção e a fazer trabalhos para outros artistas. Nunca estou parada.
Enquanto se formava, ficou fora dos palcos?
Estive afastada, porque a vida é feita de prioridades. Enquanto artista, sou perfeccionista. Precisei de um tempo, para me focar nos estudos e ver novas estratégias. Sou formada em Psicologia e isso ajuda na minha carreira.
Sente-se ‘enteada’ do Ministério da Cultura?
Os artistas têm feito a sua parte. E precisam de meios para mostrar a sua arte, lugar adequado e público-alvo. Há artistas que, muitas vezes, fazem grandes deslocações e precisam de apoio. Se for pedir empréstimo a um banco, vão pedir um avalista e como é que se consegue um avalista se se trabalha com arte? Muitas vezes, faltam oportunidades.
As mulheres já ocupam um lugar de destaque na indústria cultural?
Com certeza! Falo da Nany, da Belita Palma, Lourdes Van-Dúnem que se souberam impor. As mulheres sempre foram excluídas das actividades realizadas por homens. A nossa sociedade sempre foi um pouco machista. Hoje, o mercado musical feminino cresceu consideravelmente e é visto com maior orgulho, não deixamos nada a desejar em relação aos homens. As Gingas do Maculusso, Isidora Campos, Eunice José, Dina Santos, Clara Monteiro vieram dar outro ‘input’ no contexto não pejorativo, porque as mulheres eram vistas como outra coisa. A partir daí, a música feminina começou a tomar outros contornos. Era impensável uma mãe deixar uma filha ir cantar a um centro cultural, mas hoje a realidade é diferente.
O que acha dos artistas que promovem músicas que contenham mensagens negativas?
Tudo tem que ver com o imediatismo e com a educação. As pessoas têm de saber o que querem na vida. Uns, por quererem aparecer, não vêem meios para atingir o fim. Tudo isso passa por um cuidado, estamos a perder a nossa essência. O Ministério da Cultura não se preocupa em passar o que é a cultura angolana. É mais fácil ouvir alguém que canta qualquer coisa, do que alguém que faça poemas numa música. O semba não é difícil, porque vem do coração, é bem mais difícil fazer um guetho zouk, porque tem influências norte-americanas.
Que novidades traz no ‘Sem Igual’?
Trago mensagens de amor e factores sociais que abrangem relacionamentos. Conto com a participação do Caló Pascoal, Agre G, Fhather Mack e os Man dos Santos. Além do duo Soft Voices, Beto Max e outro dueto com Djamila D’Elves. Não queria deixar o ano terminar sem esse compromisso com o meu público. Apesar de estar distante dos palcos, as pessoas não se esqueceram de mim.
Vai reaver os valores investidos?
O álbum não foi barato, no que toca a divisas. O artista tira o que investiu em ‘shows’, contratos, parcerias, publicidade e outras formas, mas com a venda não vê nada.
PERFIL
Nazarina Semedo é natural de Luanda, e aos 36 anos, soma 20 anos de carreira. Lançou dois álbuns ‘Sem Igual’, 2017, e ‘Alguém como tu’, 2005. Tem como referências musicais Aretha Franklin, Eunice José, (Afrikkanitha). Entre os artistas da nova geração, tem como preferência Edmazia, Cef, entre outros. Dia14 deste mês, actua no Chá de Caxinde Sucará, em Luanda.
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