Crise ameaça segurança social
A protecção social enfrenta vários desafios, apesar da estrutura demográfica jovem. O aumento do desemprego e da economia informal são alguns dos factores que condicionam o alargamento da base contributiva.
À semelhança do que acontece em várias partes do mundo, a protecção social, em Angola, é entendida e aceite como um direito que assiste a toda pessoa de aceder, pelo menos, a uma protecção básica para a satisfação das suas necessidades, em determinada fase da vida.
Analistas consideram, no entanto, que, apesar da criação de legislação específica no país, o quadro de protecção social não tem sido capaz de garantir aos contribuintes, em geral, e aos trabalhadores, em particular, um sistema justo e equitativo, no qual os beneficiários tenham realmente acesso às prestações, quer em quantidade. quer em qualidade.
Além de não garantir ainda a assistência a determinados tipos de protecções, como o subsídio de desemprego e a pensão de invalidez (que carecem de regulamentação), os benefícios legais, previstos no sistema de segurança social, têm-se revelado insuficientes, para a cobertura integral das necessidades dos segurados.
A lei estrutura três níveis de protecção, nomeadamente a social de base, a social complementar e a protecção social obrigatória. É neste último nível em que, segundo observadores, o grosso de subsídios e pensões atribuídos aos segurados estão completamente desfasados, face ao contexto socioeconómico do país.
Do conjunto das assistências tipificadas em lei, para o regime obrigatório, a protecção na velhice prevê a atribuição de dois tipos de pensões ao trabalhador reformado, no entanto, os valores atribuídos inquietam os beneficiários.
A renda mensal vitalícia para a pensão de reforma por velhice, por exemplo, ronda os 5,3 mil kwanzas, enquanto a pensão de reforma antecipada, voltada igualmente para a protecção na velhice, está na ordem dos 5,6 mil kwanzas mensais. A estes valores pode ainda ser acrescentado o abono de velhice, calculado em 2,6 mil kwanzas. Ou seja, o trabalhador reformado recebe, como pensão de velhice, pouco mais de 13 mil kwanzas mensalmente.
O mesmo cenário verifica-se nos subsídios previstos para a protecção na maternidade, sendo de destacar o subsídio de aleitamento que está calculado em três mil kwanzas. Ou ainda, no capítulo da protecção na morte, em que a pensão de sobrevivência vitalícia – renda mensal destinada ao depende do segurado já falecido – está fixada em 4,6 mil kwanzas.
Classificando-o como um quadro remuneratório “baixo”, analistas explicam que possíveis mudanças dependem necessariamente de alterações pontuais na legislação, além do alargamento da base das contribuições. “Se a ideia é ter um subsídio mais elevado, deve contribuir-se com mais rendimentos, mas é preciso notar também que o subsídio de reforma não corresponde à remuneração completa do tempo da prestação efectiva do trabalho”, explica o docente universitário Fortunato Paixão.
SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA
As sistemáticas crises económicas que se verificam em vários países do mundo começam a ser apontadas, em alguns estudos internacionais, como um dos principais factores para o desequilíbrio financeiro de vários sistemas de segurança social, incluindo de realidades como a de Angola.
A sindicalista Maria do Carmo Tavares, de nacionalidade portuguesa, alerta que, nestes casos, “o problema não deverá estar no sistema de segurança social público, que tem um papel fundamental na sociedade, assim como não está no modelo de repartição intergeracional, como não decorre de factores demográficos”. Um eventual desequilíbrio deverá decorrer dos impactos de medidas de austeridade que venham a ser tomadas e do empobrecimento dos trabalhadores e das políticas económicas aplicadas, o que exigiria uma inversão urgente das políticas.
No caso de Angola, a crise continua a impactar negativamente no mercado do emprego, com várias empresas a cancelarem ou suspenderem as actividades e com a consequente redução de mão-de-obra.
Os dados do Instituto Nacional de Estatistica (INE) indicam que a taxa de desemprego, no país, situa-se actualmente nos 24% e atinge, sobretudo, a população jovem entre os 15 e os 24 anos, situação que, no médio e longo prazos, como observam analistas, pode representar uma ameaça à sustentabilidade financeira do sistema de segurança social nacional.
Por isso, Maria do Carmo Tavares defende que a sustentabilidade financeira “não pode nem deve ser ignorada”, aconselhando, pelo contrário, o combate à fraude e à evasão contributiva, a recuperação de dívidas, bem como o alargamento da base de incidência contributiva, “o que poderia passar pela criação de uma taxa sobre a riqueza criada nas empresas que não pagam contribuições para a segurança social”.
Outro desafio que ´perturba´ o sistema de segurança social prende-se com o lado informal do mercado de trabalho. O coordenador do Plano de Sustentabilidade e Gestão da Segurança Social, Manuel Moreira, confirmou ao VE a existência de empresas com actividades regulares, mas que estão escalonadas na economia informal, “logo estão fora do sistema de segurança social”. Os dados na posse do Instituto de Segurança Social, segundo Moreira, indicam um potencial significativo de crescimento do número de segurados. O Instituto lançou um programa especial de contacto com as empresas inscritas na segurança social que, em nove meses, permitiu o cadastramento de 3000 trabalhadores, num universo de cerca de 600 empresas de micro, pequena e média dimensões.
COMO FUNCIONA O MODELO ANGOLANO
Para a gestão do sistema nacional de segurança social, Angola adoptou o modelo da repartição, que assenta no princípio da solidariedade inter-geracional, em que as prestações sociais, designadamente as pensões de reforma, são pagas pelas contribuições dos trabalhadores no activo. “A repartição é a melhor forma de dar uma resposta colectiva a um problema colectivo e fá-lo de forma solidária”, concretiza Manuel Moreira.
O responsável explica que o modelo assenta, sobretudo, na composição demográfica da população. Ou seja, quanto mais população jovem e em idade activa houver por comparação à população idosa, mais sustentável torna o sistema de segurança social. “O nosso actual e futuro contexto demográfico, inclusive da região africana, assenta, exactamente, numa estrutura populacional em que há e haverá, ao que tudo indica pelas projecções internacionais até 2050, uma circunscrita percentagem de população idosa face à população em idade jovem e idade activa”, antecipa.
A legislação permite, no entanto, modelos complementares que, em resultado de opções de cada empresa ou dos trabalhadores, contribuam o rendimento dos reformados. “Encontrou-se, assim, um modelo que, assentando fundamentalmente na protecção social obrigatória, incentiva a que possam existir outros sistemas que complementem o sistema de base, onde os modelos de capitalização estão presentes”, explica Moreira.
O financiamento do sistema
A protecção social obrigatória, em Angola, é gerida pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), e financiada, fundamentalmente, pelas contribuições dos trabalhadores e empregadores. Destina-se a dar protecção aos trabalhadores por conta própria ou por conta de outrem e suas famílias, em situações de falta ou diminuição da capacidade de trabalho, maternidade, acidente de trabalho e doenças profissionais, desemprego, velhice e morte, bem como nas situações de agravamento dos encargos familiares.
No âmbito da protecção social obrigatória, os funcionários públicos são protegidos por regime próprio. Entretanto, enquanto não for estabelecida a necessária regulamentação específica, estão, transitoriamente, abrangidos pelo regime dos trabalhadores por conta própria ou por conta de outrem, sem prejuízo do sistema de segurança social das Forças Armadas Angolanas (FAA).
As prestações consistem em valores pecuniários pagos pelo INSS aos segurados ou aos seus dependentes na ocorrência de determinados riscos sociais tipificados na lei e podem ser de concessão única, como por exemplo o subsídio por morte ou de concessão continuada.
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