"Das receitas de 2,6 mil milhões USD, em 2014, hoje nem a mil milhões conseguimos chegar"
Director-geral da Unitel coloca a operadora entre as mais desenvolvidas de África “a nível de conhecimento tecnológico” e de infra-estrutura. Miguel Geraldes assegura que 2020 foi um ano bom, apesar da depreciação da moeda, mas admite uma queda acentuada de receitas.
Como foi 2020 para a Unitel?
Foi um ano altamente desafiante, em que a imprevisibilidade acabou por aparecer. Mas, no meio disso tudo, posso concluir que foi um ano em que conseguimos atingir os grandes objectivos. Diria que foi um ano que até acabou por ser bastante positivo, trouxe-nos grandes desafios os quais vencemos.
Traduzindo em números…
Os números ainda não podem ser divulgados, ainda não temos a contabilidade fechada, ainda não foi auditada nem apresentada à assembleia-geral, mas posso dizer que, diante de tudo o que apareceu, conseguimos, de facto, cumprir o que tínhamos como desígnio.
O ano passado também ficou marcado pelos vários aumentos das tarifas das operadoras, paradoxalmente nunca se questionou tanto a qualidade da rede das mesmas, em particular da Unitel. Como se pode entender esse contraste?
Nós fomos em contra-ciclo. Além de não terem reflectido o aumento da inflação, ainda conseguimos, de certa maneira, baixar os preços, especialmente nos preços dos dados, até porque fomos impactados com um acordo que tivemos com o Governo em oferecer o chamado 'pacote covid-19'. Este pacote ofereceu 350 milhões de minutos para todos. Esses minutos não foram cobrados e, como tal, tivemos esse impacto na receita, mas penso que foi a decisão correcta.
A Unitel perdeu com a oferta desse pacote?
Deixou de ganhar, mas obviamente não podíamos ganhar porque era um pacote gratuito para todos que aderissem ao pacote. Foi um ano em que mudámos drasticamente a nossa oferta, introduzimos os primeiros pacotes integrados que a Unitel não tinha no mercado, em que, numa subscrição, se consegue comprar minutos SMS e megabytes já incluídos para um, três e sete dias.
Portanto, o preço por cada utilização mudou drasticamente. Achámos que havia ali uma oportunidade de a Unitel ir em contra-ciclo relativamente à inflação e ter resultados vindos da chamada elasticidade e por isso acho que foi um ano positivo.
Como é que as operadoras de telefonia, e em particular a Unitel, têm feito a gestão da falta de divisas da desvalorização da moeda?
O acesso à divisa não é um desafio só das operadoras de telecomunicações, mas de todas as entidades angolanas e especialmente as que têm de comprar equipamentos fora e, como tal, têm de ter acesso a essas divisas. Obviamente há o desafio de um dólar, em 2014, valer 100 kwanzas e hoje estar para cima dos 600 kwanzas. O grande desafio que temos é o facto de cobrarmos as receitas em kwanzas, o que tem um impacto nas nossas contas, já que a aquisição é muito grande. No último ano e meio, a acessibilidade à divisa esteve bem, melhor que anteriormente, portanto não era uma questão de não haver acessibilidade, era o facto de a cotação ser muito elevada. Mesmo assim, a Unitel teve um valor muito grande sobre o investimento em divisas para fazer o aumento da rede.
Que medidas tiveram de tomar para se adaptarem à nova realidade que a pandemia causou à Unitel? Houve a necessidade de se fazer corte de pessoal?
Apesar de o primeiro registo da pandemia, em Angola, ter-se dado em Abril, a Unitel, já em Fevereiro, fez um plano de como entrar em teletrabalho. Preparámos muito o plano, identificámos as pessoas que não podiam estar em teletrabalho e as que podiam. Identificámos as que tinham recursos e, no dia em que decidimos implementar, foi simples porque estávamos preparados, portanto não tivemos impactos na operação. Este é um facto que gostava de deixar claro: foi um desafio que superámos e vencemos. Por outro lado, tínhamos um plano de crescimento de receitas que não conseguimos alcançar pela oferta do 'pacote covid' que obviamente teve um impacto no crescimento de receita, deixando os nossos resultados muito mais apertados. Mas a Unitel conseguiu o grande objectivo de manter toda a força laboral, não houve qualquer despedimento. A Unitel tinha 3204 pessoas antes de entrarmos em pandemia, hoje temos quase o mesmo número, mas não houve despedimentos. Foi um ano de algumas fatalidades, alguns dos nossos colegas faleceram, muito poucos felizmente, portanto o número já não é igual. Acabámos por ter também alguns processos disciplinares, mas não foi por necessidade de fazer ajustamentos devido à pandemia.
E recrutamentos?
Em 2020, não tivemos recrutamentos.
A pandemia terá trazido alguma vantagem para as operadoras móveis, uma vez que muitas empresas tiveram de forçadamente recorrer mais à internet para o teletrabalho?
É verdade, mas o que se tem visto basicamente no mundo todo é que houve sempre parcerias com os governos para que fossem oferecidos serviços com o custo bem mais reduzido para que as pessoas tivessem acessibilidade. Tivemos de dar todos estes pacotes gratuitamente e houve muito mais procura do serviço. Tivemos de entregar o serviço de uma forma gratuita.
Está, há sensivelmente dois anos como director da Unitel, no entanto já vem de uma larga experiência nas telecomunicações em África. Como avalia o sector em Angola, comparativamente aos países por onde passou?
A infra-estrutura cá está muito mais bem desenvolvida que a maior parte dos países por onde passei e a Unitel, a nível de conhecimento tecnológico, é talvez das mais desenvolvidas. O grande desafio que a Unitel teve foi a depreciação do kwanza. De receitas estimadas em 2,6 mil milhões de dólares, em 2014, hoje nem a mil milhões de dólares conseguimos chegar. Não é que em kwanzas não tenhamos crescido, mas a depreciação de facto impactou-nos, portanto temos uma dimensão diferente.
E quais foram os grandes desafios na gestão de uma empresa como a Unitel?
O meu desafio foi fazer face a este impacto. Estamos a reposicionar a Unitel, garantindo que continuamos com a mesma fonte de trabalho, o desafio está aí.
Quando entrou na Unitel disse que pretendia ter uma transição suave. Assim foi?
Obrigada pela recordação. Acho que sim. Dois anos depois, posso dizer que a transição foi bem suave.
Os últimos dois anos ficaram marcados por desentendimentos entre accionistas da Unitel. Não prejudicou o desempenho da empresa?
Eu separaria a questão accionista pelo facto de estar na representação da gestão e a gestão não se pronuncia sobre as questões accionistas.
Como vê a medida que obriga a partilha de infra-estruturas com os novos 'players', uma vez que a Unitel investiu nelas?
Faz parte da nossa concessão, ela foi baseada numa lei e nessa lei já estava definido que haveria essa partilha. Não teríamos de discutir se devia ser partilhada ou não, poderemos discutir o preço da partilha. E as discussões que temos com o Inacom é o custo da partilha, porque a Unitel investiu cinco mil milhões de dólares na infra-estrutura que tem e, obviamente, iremos lutar para que o acesso a terceiras partes sobre a nossa infra-estrutura seja um custo justo e que ajude também a recompensa do investimento que a Unitel fez.
Quais são as perspectivas para este ano?
As perspectivas são sempre positivas, se não desistíamos e abandonávamos. Este ano será melhor do que 2020, é a grande perspectiva que temos. Temos muitas perspectivas de negócio, muitas coisas que vamos fazer este ano.
Pode adiantar?
Vamos entrar na área da 'mobile money', que é um complemento e não uma competição na área bancária. Estou muito convicto que vamos lançar o 5G e, com isso, vamos trazer novos serviços. É um ano que temos muita expectativa de o conseguir.
Perfil
Formado em Administração e Gestão de Empresas, Miguel Geraldes é diretor-geral da Unitel desde Maio de 2019. Até então foi representante dos chineses da Huawei na África do Sul, mas antes foi, por 9 anos, diretor-geral da Mobile Telecommunications (MTC) Namibia. Entrou na operadora de telecomunicações namibiana através da Portugal Telecom, quando a empresa portuguesa comprou em 2006 uma participação de 34% do capital social da MTC.
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