DE XADREZISTA A FILÓSOFO: POBREZA EXTREMA NÃO É FOME

25 Sep. 2024 Editorial

Com o seu habitual aspecto monocórdico, mas com o rosto ainda marcado pela serenidade de quem gozava do benefício da dúvida da maioria dos angolanos, João Lourenço disse, à portuguesa RTP, em Março de 2019, que, em Angola, não existia fome. “Em termos de fome, por exemplo, não se pode dizer que existe fome em Angola”, sentenciou o Presidente com uma frieza perturbadora. 

DE XADREZISTA A FILÓSOFO: POBREZA EXTREMA NÃO É FOME

Suficientemente desinformado a respeito da realidade que questionava, o jornalista português quase que se adiantou a concordar com o Presidente. “Pode haver má nutrição…”, apressou-se o entrevistador. “Pode haver alguma má nutrição, há sempre alguma. Mas, mesmo assim, comparativamente aos anos de conflito, houve uma evolução bastante significativa”, respondeu-lhe o Presidente, em plena Cidade Alta. O tal Palácio que fica a escassos quilómetros de inúmeros bairros de lata, onde a fome, como um vírus inexpugnável, sempre residiu nos lares de milhares de famílias. 

A primeira declaração pública da ausência de fome em Angola seria dos primeiros calafrios que o Presidente da República teria  causado a qualquer ajuizado com dois dedos de testa. Ocorria que uma maioria expressiva dos angolanos ainda se encontrava inebriada com o projecto de desmantelamento do legado de José Eduardo dos Santos. Até mais provas em contrário, as palavras de João Lourenço deviam ser vistas como bem intencionadas e talvez até honestas. Ou, se tanto, como um mero deslize de um autoproclamado reformador que, nos instantes seguintes da entrevista, prometeu deixar os direitos e as liberdades dos cidadãos “num nível o mais alto possível”.

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