ANGOLA GROWING
CREMILDA DE LIMA, ESCRITORA

“Deve criar-se um plano nacional de leitura”

LITERATURA. Cremilda de Lima está insatisfeita com o estado da literatura infantil em Angola. Defende, por isso, a criação de um Plano Nacional de Leitura. A escritora mostra-se preocupada com a forma de falar de determinados locutores e recomenda uma maior interligação entre os Ministérios da Cultura e da Educação.

 

Como está a literatura infantil em Angola?

Gostaria de dizer que está minimamente aceitável, mas não posso, porque a maior parte das crianças desconhece a literatura dirigida para elas. A literatura infantil é muito pouco divulgada. Nos grandes eventos culturais, devia arranjar-se sempre um pequeno espaço para a literatura.

Quem (ou o que) anda a falhar?

Todos sabemos quem está a falhar. Eu não sei… Claro que sabe! Não se está a apostar na criação de bibliotecas escolares. Não temos livrarias. As crianças não têm o hábito de ir a uma livraria comprar um livro. Esperamos sempre pelo ‘Jardim do Livro Infantil’, que é um evento que acontece apenas uma vez por ano.

O que deve ser feito para a mudança deste cenário?

Deve criar-se um ‘Plano Nacional de Leitura’. A partir da 2.ª classe, instituir, nos currículos das escolas, que os alunos leiam obrigatoriamente determinados livros. Por exemplo, no primeiro período, a criança lê ‘O Balão Vermelho’, ficando a saber que se trata da obra de um escritor angolano, que nasceu no sítio ‘tal’ e que tem outras obras também. Na 3.ª classe, institui-se, por exemplo, um livro da Gabriela Antunes, ‘A águia, rola, as galinhas e os 50 lwei’. Na 4.ª classe, os meninos já estão a ler Dario de Melo. Nas classes seguintes, começam a ler ‘Aventuras de Ngunga’, ‘Quem me dera ser Onda’. Para a 8.ª e 9.ª classes, podem escolher-se livros de Ondjaki, Agualusa, Pepetela, Luís Fernando. Até chegar à universidade, o jovem já tem um bom percurso de leituras.

Que garantias teremos de que os jovens leram?

Como o livro deverá constar do currículo, sempre que passar de classe, o aluno terá de ter uma ficha de leitura em que conste a interpretação sobre o que leu, um pequeno resumo (com palavras suas), além de resolver exercícios gramaticais elaborados com base na obra de leitura obrigatória. Com fichas de leitura, poderia avaliar-se se o aluno leu ou não e, partir dai, dar-lhe uma nota que influencie a classificação geral de Língua Portuguesa. Entre os Ministérios da Educação e da Cultura, através dos respectivos departamentos, bem como os governos provinciais, deve ver-se o que se pode fazer nesse sentido. Mas só com um Plano Nacional de Leitura é que teremos as crianças e a juventude ligadas à literatura nacional e não só.

Que certeza se pode ter de que o plano vai sair do papel?

Se não funcionar, temos de sentar para perguntar “porque é que não funcionou?” Para o Plano Nacional de Leitura, a fiscalização começaria na própria escola, através de reuniões em que se avaliaria porque é que isto foi cumprido e aquilo não. As direcções das escolas colocariam tudo num relatório que, por sua vez, transformado num único ‘dossier’, deverá ser apresentando ao ministro da Educação para as devidas avaliações. E pode, depois, haver admoestações, revisões, sanções, etc.

Receia que os seus livros ‘apanhem poeira’ nas estantes?

Por isso é que vou às escolas. Há tempos, estive no Bengo. O escritor tem de procurar divulgar os seus livros.

E isso exige meios, dinheiro…

Aí é que entram as editoras. Através do Jardim do Livro Infantil, por exemplo, que já chega a mais províncias, coube a mim e a outros escritores ir ao Huambo apresentar livros em parceria com o Instituto Nacional da Indústrias Culturais.

Mas este apoio é para uma escritora prestigiada. Como ficam os principiantes?

Não é só pelo prestígio. É o querer fazer. Tudo depende da organização que se dá às coisas. Devem reeditar-se determinadas obras, sob pena de ficarem esquecidas.

Preocupa-se com o português. Faz o mesmo com as línguas nacionais?

Quem tem de fazer isso são os estudiosos das línguas nacionais. Falo kimbundu empiricamente. Não sei escrever ainda. Em relação ao português, aí sim, não aguento quando os locutores dizem “comprimento” quando devem dizer “cumprimento” ou em vez de “mais açúcar”, dizem “más açúcar”.

O que a motivou a escrever ‘História da Literatura Infantil Angolana’?

É uma obra que tem como base um colóquio realizado em Agosto de 1986 pela Secretaria de Estado da Cultura, através do Instituto Nacional do Livro e do Disco). Como notei que as pessoas, cada vez que precisam de saber alguma coisa sobre literatura, recorreriam a estes documentos, reuni e compilei algumas comunicações sobre a literatura infantil (da década de 1980 para baixo) apresentadas neste encontro por escritores como Manuel Rui Monteiro, Dario de Melo, Gabriela Antunes. Mas há também contribuições sobre o estado actual da literatura infantil, a sua internacionalização, os prémios literários, os mapas sobre as editoras que temos, etc.

Com “valores de cidadania”

Cremilda de Lima nasceu em Luanda há 77 anos. Licenciada em Pedagogia pelo ISCED de Luanda, é professora do 1.º ciclo desde 1964, pertencendo ao grupo que frequentou o primeiro curso do Magistério Primário em Angola, em 1962. Em 1977, integrou o grupo de trabalho do Ministério da Educação que elaborou a reforma educativa e os manuais escolares. Membro da União dos Escritores Angolanos, desde 1984, participa em simpósios, seminários e colóquios nacionais e internacionais. Com dezenas de livros já lançados, foi distinguida em 2016 com o Prémio Nacional de Cultura e Artes na categoria de Literatura por ter “um estilo de escrita ancorado à oralidade angolana”. Em Abril deste ano, lançou o livro ‘História da Literatura Infantil