Dívida do Censo gera ameaças e queixas na ONU
DÍVIDA PÚBLICA. A realização do Censo Geral da População e Habitação, em 2014, gerou dívidas com fornecedores estimadas oficiosamente em cerca de 70 milhões de dólares. As dívidas internacionais, até ao momento não saldadas pelo Governo, estão na base de ameaças de processos judiciais e queixas junto da Organização das Nações Unidas, contra o Estado. O descontentamneto dos fornecedores israelo-alemães e sul-africanos agravou-se particularmente após a divulgação dos resultados definitivos, que serviam de garantia contratual de pagamento.
A publicação dos resultados do Censo Geral da População e Habitação 2014, em Março último, pelo Instituto Geral de Estatística de Angola (INE), gerou ameaças de queixas e processos judiciais por parte das entidades estrageiras que prestaram serviços ao Governo para a recolha e consolidação dos dados censitários. Em causa está o incumprimento de contrato por parte do Governo de Angola, já que o Ministério das Finanças (Minfin) não saldou a dívida contraída em 2014, e o INE divulgou a informação censitária, que servia de garantia de pagamento, soube o VALOR de fonte conhecedora do processo.
A empresa israelo-alemã TIS, especializada em licenciamento de serviços, e a empresa de processamento sul-africana DAS ameaçaram processos judiciais e queixas às Nações Unidas, entidade que supervisiona os processos censitários de modo a que a sistematização da informação recolhida esteja de acordo com os parâmetros internacionalmente padronizados.
Contactado, o director geral do INE, Camilo Ceita, não revelou o montante em causa mas confirmou a dívida externa e o ‘agastamento’ dos parceiros internacionais. Camilo Ceita explicou que tem estado em contacto permanente com as empresas internacionais e nacionais às quais o Governo deve pagamentos pelo Censo, e com o Minfin que, por sua vez, promete pagamento para as dívidas consolidadas a breve trecho. O responsável do INE explicou ao VALOR que a publicação dos dados era urgente para a planificação dos objectivos do Governo e que o trabalho censitário obedece a normas internacionais que já estariam a ser atropeladas pelo atraso na publicação, mas que os cofres públicos não permitiram o pagamento de todas as dívidas, quer externas quer internas porque o Censo foi “apanhado pela crise”. Os resultados estavam prontos para publicação três meses antes, um mês antes da data inicialmente prevista, mas ficaram suspensos “no aguardo da regularização das dívidas”.
O Censo Geral, inicialmente orçamentado em 200 milhões de dólares, poderá ter custado cerca de 360 milhões, no entanto as contas não estarão completamente consolidadas. O director-geral do instituto colocava em 2014, ao início da empreitada a maior fatia do orçamento para a alimentação dos cerca de 100 mil agentes censitários mobilizados por todo o país, estimando que esta despesa representaria cerca de 65% do orçamento. O censo implicou, para além desta, despesas com transportes (estimadas inicialmente em 50 milhões de dólares), com salários e subsídios e com empresas prestadoras de serviços vários, onde se incluem a TIS e a DAS.
Segundo Camilo Ceita “o projecto estava a decorrer bem do ponto de vista financeiro e orçamental até Junho de 2014, mas foi por esta altura que a crise começou a fazer-se sentir. Se tivesse tido início depois desta data, não teríamos Censo de todo”, assegurou ao VE. O Minfin terá começado a ter dificuldades de pagamentos, “e começámos a ter deficiências no recebimento das quotas e o INE deixou de conseguir assegurar toda a cadeia de pagamentos”. Segundo o responsável, o INE conseguiu pagar, apesar de alguns atrasos, a 99 mil das cerca de 105 mil pessoas mobilizadas para o Censo, no entanto “6500 pessoas e algumas empresas ficaram por pagar porque deixou de haver verbas.
Entre a lista das dívidas encontram-se sobas, coordenadores de bairro, inquiridores e empresas prestadoras de serviços como alimentação, formação e processamento de informação. Camilo Ceita contou ao VE que as dívidas geraram “situações complicadas” em que teve de pessoalmente ir responder a pessoas que “com razão” reclamavam pagamentos. “Cheguei a ir responder na polícia porque algumas pessoas pensavam que tinha ficado com o dinheiro. Mas o dinheiro não existia, e a conjuntura era prova viva, se não conseguíamos pagar salários da função pública, que fará outras despesas. O que podemos confirmar é que a dívida está reconhecida e que estamos a trabalhar com o Ministério das Finanças para pagarmos, ou na sua totalidade ou parceladamente, assim que se houver verbas. Temos interesse em que as dívidas sejam saldadas, até para podermos continuar a contar com os parceiros para inquéritos que continuamos a elaborar”.
Camilo Ceita lembra, no entanto, que há empresas que vão ao INE cobrar pagamentos que lhes são devidos por empresas com que o INE celebrou contrato de prestação de serviços e que devem cobrar às empresas com quem celebraram os contratos e não ao INE. Acerca do valor final do orçamento do Censo, responde que foi necessária “a aquisição de materiais e serviços extra” que ainda não foram pagos e que, para além de disponibilidade de verba, vão aguardar o encontro de contas. A dívida com a DAS enquadra-se nesta despesa. Quanto à divida com a TIS, que constava do primeiro orçamento, o responsável assegura o pagamento “para muito breve”.
“Foi necessária muita negociação, mesmo a título pessoal para que os parceiros compreendessem que o pais não podia estar refém da situação conjuntural e que era necessária a publicação dos resultados. Acredito que compreenderam que esta dívida não é porque se quer dever assim como acredito que vamos resolver o problema em breve. Se receber o dinheiro hoje, amanhã pago todas as dívidas”, explicou Ceita, acrescentado que é do interesse do INE pagar “porque precisa de continuar a contar com os parceiros internacionais e particularmente a nível local para a continuidade dos levantamentos estatísticos levados a cabo pelo Censo”.
JLo do lado errado da história