E a licença do Governo? Suspende-se?
É indiscutível. Levados os factos ao limite, pelos seus incumprimentos com a imprensa, o Governo também deveria ter a sua licença suspensa. Vejamos apenas alguns poucos exemplos. O número 1 do artigo 44.º da Lei Magna dá dignidade constitucional à liberdade de imprensa, determinando que esta não pode “ser sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística”. Pergunta: o poder em Angola respeita a liberdade de imprensa? Resposta: não, não a respeita nos órgãos públicos e são conhecidas há décadas repetidas interferências nos órgãos privados. É uma violação à Constituição, mais grave do que o preenchimento de papéis junto da pasta da Comunicação Social.
Passemos... Pelo menos desde 2006, as leis de imprensa vêm fixando o estabelecimento de um sistema de incentivos à comunicação social. “Nos termos da lei, o Estado estabelece um sistema de incentivos de apoio aos órgãos de comunicação social de âmbito nacional e local com vista a assegurar o pluralismo da informação e o livre exercício da liberdade de imprensa e o seu carácter de interesse público.” É a mesmíssima redacção que se encontra nas Leis 7/06, de 15 de Maio, e 1/17, de 23 de Janeiro. É ainda o texto que está proposto na futura Lei de Imprensa, uma vez que a actual será revogada a qualquer altura. Pergunta: alguém sabe dizer de algum sistema de incentivo que tenha sido criado para apoiar a imprensa? A resposta é um seguro não. Ninguém sabe. E não há dúvidas de que se trata também de uma violação mais grave do que o preenchimento de papéis no Ministério.
Continuemos... Pelo menos desde 2017, a Lei de Imprensa passou a incluir a carteira profissional entre os direitos dos jornalistas, mais especificamente na alínea g) do seu artigo 17.º. Pergunta: quando mesmo é que os jornalistas angolanos passaram a receber carteiras? Resposta: desde 2021. Então, quanto tempo foi necessário, após a publicação da lei, para que as primeiras carteiras começassem a sair? Mais de quatro anos. Muito bem.
Agora, olhemos para a decisão do Ministério. Quanto tempo deu às televisões suspensas para preencherem os requisitos alegadamente em falta? Nenhum dia. E o mecanismo imediato que as leis prevêem é a suspensão da actividade? Não. Para os artigos 22.º e 31.º, citados no comunicado do Ministério, a Lei de Imprensa estabelece multas, em caso de violações. O mesmo diz-se em relação aos artigos 7.º e 18.º da lei que regula o exercício da televisão. Quanto ao artigo 21.º da Lei sobre o Estatuto do Jornalista, o mesmo estabelece que o reconhecimento da carteira de jornalista é da competência da Comissão de Carteira e Ética (CCE). Então, a pergunta: sendo que até a emissão de carteiras para profissionais angolanos mal começou, é justificado impedir a actividade de um jornalista estrangeiro, caso exista, por ainda não estar reconhecido pela CCE? Reposta: não, de forma nenhuma.
Para fechar. É ou não legítimo considerar o cancelamento provisório da licença do Governo? Enfim... Que decida o leitor, porque este não é um texto de advocacia, muito menos de defesa corporativista. É uma simples listagem das contradições, dos equívocos e das arbitrariedades do Governo no uso das leis. As tais que o próprio aprova e que evoca para suspender a actividade de certos órgãos em Angola. Enfim...
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...