ENTREVISTA A PAULO BRACONS, CEO DA SAHAM ANGOLA SEGUROS

“É expectável que haja aumento de preços dos seguros devido aos custos”

CEO da segunda maior seguradora angolana, em quota de mercado, antevê, para breve, reajustes nos preços cobrados para subscrições de seguros devido aos altos custos de estruturas e pela dificuldade de pagamentos de compromissos com o resseguro, reparação e manutenção de sinistros. A partir dos indicadores da Saham Angola Seguros, Paulo Bracons estima crescimento negativo para todo o mercado segurador em 2016.

Saham Angola Seguros é um nome novo no mercado segurador nacional, mas surge da antiga GA Seguros. Que impacto está a ter a mudança de marca nos negócios da empresa?

Os primeiros meses de mudança da marca, globalmente, estão a correr bem. De vez em quando, surge um cliente que se dirige a um espaço nosso e diz: “Queria falar com a minha seguradora, a GA”. E, obviamente, esclarecemos que está na GA, porque somos a Saham e a Saham é a GA. É o tempo que se vai encarregar de clarificar todas estas situações e as dúvidas que possam existir. Nos grandes clientes institucionais, está devidamente clarificada. Fizemos uma comunicação muito direccionada. Nos clientes a nível do retalho automóvel, é um trabalho que, gradualmente, e com o tempo, as pessoas vão aprendendo. Não antevejo dificuldades maiores. Se me perguntassem se gostaria de fazer mais campanha de comunicação, é óbvio que gostaria, mas os recursos nas empresas e nas organizações são limitados e temos de os gerir em função dos momentos em que estamos.

De que forma a Saham tem gerido os negócios, numa altura em que todos os produtos registaram alteração dos preços?

Estamos a gerir com muito cuidado. O sector segurador tem algumas áreas que requerem mais atenção: tem uma área, desde logo, a nível de toda a estrutura de custos da empresa, que temos vindo a trabalhar no sentido de desligar ao máximo possível toda a estrutura de custos do dólar e dos efeitos da chamada dolarização. Este é um trabalho que temos vindo a fazer. Por outro lado, há situações a nível da inflação e da desvalorização cambial, sendo certo que, por um lado, o câmbio tem estado estável, mas houve um grande impacto no início do ano. Todos esses impactos cambiais se traduziram em perdas cambiais e em resultados a esse nível penalizante para o sector segurador.

Que negócios estão a ser mais afectados pela falta de cambiais?

É sabido que, por força das dificuldades cambiais, todo o sector tem dificuldade em pagar o resseguro, porque não há divisas disponíveis, particularmente o dólar, que não está disponível no mercado, para solver os nossos compromissos, ao nível dos pagamentos. Isto exige depois um cuidado maior do ponto de vista da subscrição do risco. Ou seja, vamos ter muito mais cuidado na subscrição do risco, da forma como taxamos e clarificamos o risco à entrada.

O resseguro é a única área afectada pela escassez de divisas?

A falta de divisas está a ter impacto nos pagamentos dos resseguros, por um lado. Por outro, e por força da excessiva dolarização da economia, isso tem um impacto na estrutura de custos das empresas, até para as coisas mais simples, desde a reparação de um sinistro numa oficina à prestação dos cuidados de saúde a um cliente, quer seja pelo seguro saúde, quer seja pelo seguro de acidente de trabalho. Tudo isso impacta na nossa estrutura de custos.

Estão a prever aumentos nos preços dos seguros?

Eu diria que sim. É expectável que haja aumento de preço dos seguros porque, se as estruturas de custos estão a crescer muito, se a receita está a crescer a um nível muito mais baixo que as despesas, só poderia dizer que é expectável que haja aumento de preços.

Como reagem as seguradoras face aos custos? Estão a recusar novas subscrições?

Não. Estamos a ser muito mais selectivos na realização da despesa, na realização de investimentos. Por exemplo, tinhamos previsto abrir dois novos espaços este ano e estou apenas a atrasá-los. Mas vamos fazer, porque a Saham Angola Seguros está numa política também de presença no terreno. Temos 10 agências próprias, seis das quais fora de Luanda e quatro na zona da grande Luanda, e temos 25 pontos de venda, que, no fundo, são espaços próprios onde estamos na zona de grande tráfego e onde fazemos a comercialização dos nossos produtos. Não estamos a deixar de fazer o que devemos fazer, estamos a ser muito mais prudentes na realização de despesa. Ou seja, estamos a ser mais moderados nas nossas políticas de expansão, porque o momento assim o exige. Neste momento, estou a atrasar um pouco mais os investimentos.

Costuma-se a dizer que os clientes são ‘verdadeiros’ accionistas…

Isto é verdade. E por maioria da razão isso é verdade nas seguradoras, porque, quando se analisa um balanço de uma seguradora e quando vêem as previsões, na sua esmagadora maioria, pertence aos clientes.

Esses clientes cumprem com os contratos de seguros?

É característica dos mercados muito ligados aos produtos não-vida haver uma relação muito directa com a evolução da actividade económica. Se a actividade económica reduz, este tipo de seguros também reduz. Estamos a sentir esse efeito. Se a actividade económica aumenta, esse tipo de seguros também aumenta. O sector segurador em Angola está fundamentalmente assente no ramo ‘não vida’. Estamos a falar em seguros ligados a patrimónios, estamos a falar em seguros de responsabilidades. Ainda é muito pouco, no mercado, seguros vidas desenvolvidos.

A que casos concretos se refere?

Dou um exemplo concreto do que estou a dizer: neste período de menor actividade económica, sentimos que alguns clientes estão a reduzir volume e consequentemente os seguros de acidente de trabalho, porque têm menos trabalhadores. Outra coisa que se nota no seguro automóvel é que há clientes que, por força do momento, estão a prescindir de ter coberturas de danos próprios, para ficarem só com coberturas obrigatórias de responsabilidade civil. É uma outra característica que se está a verificar.

Que estratégias têm seguido para manter os clientes?

Há que trabalhar muito na fidelização dos clientes. É muito importante manter os clientes, mesmo que reduzam os produtos que têm connosco. Isto é perfeitamente lógico em período de menor actividade económica.

“Fidelizar os clientes” significa dar facilidades?

Fidelizar significa manter os clientes, controlar e entender as dificuldades e o momento em que vivemos. Aqui, sentimos, e não só nós, mais dificuldades no cliente de retalho. É mais difícil, hoje, ter o cliente de retalho. E não é porque o cliente de retalho, muitas vezes, passa de companhia a companhia. É mais porque as companhias têm dificuldades de retenção por causa da dificuldade de comunicar com os clientes. É difícil comunicar por morada. O único meio possível é através do telemóvel. Mas há outros meios de comunicação a serem estudados.

As campanhas de ‘fidelização de clientes’ envolvem subscrições promocionais, ou por prestações?

Faz parte da nossa estratégia. Eu não vou dizer se vou ter subscrições a prestações, porque posso fazer um seguro anual com fraccionamentos periódicos, e temos de ter garantias de que o pagamento desses fraccionamentos periódicos se efectivem depois. O que posso dizer é que estamos a trabalhar para que, no curto prazo, tenhamos soluções que vão ao encontro destas preocupações.

Consegue contabilizar o volume de seguros reduzidos na Saham por força da crise?

Não consigo contabilizar, mas, por exemplo, posso dizer que, apesar de tudo, ao nível do ramo automóvel, estamos a crescer 11%. Face ao actual contexto, depende da perspectiva que se quer encarar. O que sei é que tenho uma inflação de 38% e estou a crescer 11%. Mas compreendo a redução da actividade económica e daí a importância de controlar os níveis de custos.

Entre empresas e particulares, quem mais reduziu o volume de seguros?

Temos uma abordagem completamente diferente para empresas e clientes particulares por dois motivos: a maior parte dos clientes-empresas são mediados por correctores e sociedades de mediação. Exige uma abordagem diferente. Para esse caso temos a aplicação da lei para o efeito dos prazos de pagamentos. Normalmente, uma parte muito significativa paga no momento da prorrogação do contrato. A nível do retalho, temos de pedir aos clientes particulares que venham junto de nós renovar o seu contrato. Quando vêm renovar o contrato, efectuam o pagamento. A dificuldade é conseguir criar condições para que, de facto, venham junto de nós para efectuar a renovação.

Há dificuldades em contactar clientes particulares?

As empresas são mais fáceis de contactar, porque temos endereços e temos um interlocutor que é o corrector, ou a sociedade de mediação que nos ajuda a chegar à empresa. Ao nível do particular é mais difícil. O objectivo, quando se fala de atractividade, é criar condições que levem os clientes a vir junto de nós, para fazer a renovação da sua subscrição.

De modo global, a crise está afastar clientes das seguradoras?

Todos compreendemos o momento por que passamos. Por um lado, sabemos que há a obrigatoriedade do seguro automóvel e dos acidentes dos trabalhos. Essa obrigatoriedade vai levar naturalmente ao crescimento dos seguros em Angola. O momento que vivemos não permite que a expansão possa ser feita de uma maneira mais estruturada. Estimo que o mercado, em 2016, no ramo automóvel, não vá crescer. Vai ter o mesmo volume de facturação, mais ou menos idêntico face ao ano anterior. O que se está a verificar é que há aumento de volume de negócios no retalho e a diminuição no volume de negócios nas empresas.

Que resultados aguardam até 31 de Dezembro?

A Saham Angola Seguros irá fechar o ano com talvez mais de 130 mil apólices, quando há meia dúzia de anos, a GA Seguros tinha 15 a 20 mil apólices. Isto porque o retalho, e particularmente o retalho automóvel, fez crescer muito o número de apólices. Isto exige também, do ponto de vista do sistema de gestão e do acompanhamento do negócio, uma lógica de funcionamento muito diferente ao nível das companhias.

Deste número, todas apólices surgem do segmento retalho?

Em Angola, o índice de posse de apólice será relativamente pouco superior a um, ou seja, cada cliente terá uma apólice, porque o que se vende hoje, fundamentalmente, a nível do retalho, é o seguro automóvel e o seguro de viagem, nomeadamente para quem viaja para o espaço Schengen. Admitimos que há muitos clientes de viagens, que também são nossos clientes, do seguro automóvel. Há muito trabalho por se fazer para aumentar a posse de apólice por cliente. Quando falo em 130 mil apólices, falo em apólices em vigor. Se for a contabilizar apólices anuladas, estamos a falar de números muito superiores.

Que projecções de crescimento se esperam até ao final do ano?

Para o caso da Saham Angola Seguros, é expectável que se verifique um crescimento dos prémios, em kwanzas, mas, se considerarmos as taxas de inflação, no geral, o crescimento será negativo. Há solidez financeira no negócio das seguradoras em Angola? Não posso falar em nome do mercado, mas, a partir dos dados da Saham, posso extrapolar. Vai ser necessário para a expansão da actividade das seguradoras em Angola mais capital. Aliás, nós, a Saham, estamos autorizados a aumentar o capital de 3,2 biliões de kwanzas para 5,8 biliões de kwanzas. Isso traduz uma quase duplicação dos nossos capitais próprios. Acreditamos que para a expansão da nossa actividade e do nosso volume de negócios, precisamos de ter mais capital. É muito importante porque, nos momentos de crise, o cliente valoriza muito o preço. E é compreensível. Mas é importante saber que, quando se subscreve um seguro numa determinada seguradora, qual é a estrutura de capital que está por detrás, qual é a capacidade que essa seguradora tem para solver os seus compromissos. Cabe também ao regulador, no caso a Agência de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG), promover a solidez do próprio sector segurador e estarmos em condições de fazer face aos desafios que a economia angolana tem sobre si. Nós, Saham, somos seguradora há já muitos anos. Somos grupo pan-africano que está presente em 26 países, com 34 companhias de seguros.

Defende maior supervisão e obrigatoriedade para a maioria dos seguros?

De forma alguma. Não poderíamos fazê-lo no momento em que vivemos. Seria contraproducente. O que tem de ser feito por nós e por todos os stakeholders do mercado é criar condições, particularmente ao nível da literacia financeira, para que o seguro seja visto de uma outra forma. Há um potencial de crescimento do sector segurador em Angola, porque ainda representa menos de 1% do Produto Interno Bruto.

Mas a obrigatoriedade dos seguros ‘arrasta’ clientes às companhias?

Os seguros obrigatórios apresentam algum papel importante, até porque todos temos noção. Olhando para os números que se conhecem, ainda haverá muito veículo a circular sem seguro obrigatório e ainda haverá muita empresa que não tem o seu seguro de acidentes de trabalho. O seguro obrigatório é relativamente jovem. É um caminho que se vai percorrendo, sensibilizando as empresas, para a necessidade e os benefícios.

Soube-se que seis seguradoras vão arrancar com o seguro agrícola. A Saham integra o grupo?

Fazemos parte deste grupo piloto. É grupo de seis seguradoras, onde estamos integrados. Estamos a tentar fechar os últimos detalhes de produtos e soluções e preços. E, se tudo correr como desejamos, poderemos ter o seguro agrícola explorado.

 

PERFIL

Gestor de 57 anos, Paulo Bracons começou a actividade seguradora em Portugal, numa extinta companhia actualmente integrada na Fidelidade, accionista da angolana Universal Seguros. Em 1999, chega ao posto de director da companhia inglesa de seguros Royal Exchange, cargo que desempenhou por dois anos. Em 2014, salta para o grupo Axon, na sequência da compra da Royal Exchange. Chega a Angola, em Julho do ano passado, pela GA Seguros, actualmente denominada Saham Angola Seguros.