“É injusto que cinco bancos fiquem com 80% das divisas do BNA”
CEO do Standard Bank Angola critica fortemente políticas de distribuição de divisas do BNA, que considera privilegiar um grupo de cinco bancos na gestão de 80% das divisas. O gestor abre-se ao VALOR e classifica as medidas do banco central de “jogo não claro”, admitindo um agravamento das condições económicas, caso o Governo insista na ‘lista’ das divisas.
A economia foi gravemente afectada com a perda dos últimos correspondentes bancários em dólares. Como o sistema bancário pode recuperar as relações com os correspondentes bancários e trazer de volta os dólares para Luanda?
O Banco Nacional de Angola (BNA) tem feito um grande trabalho no que respeita às políticas cambiais. As suas viagens na Europa e nos Estados Unidos da América revelam esta vontade de mostrar aos parceiros o que se tem feito em termos de leis e o que já foi feito para se conformar as normas internacionais, em matéria de boas práticas, e, também, pedindo conselhos. O papel do BNA é o que já tem vindo a fazer: comunicar fora do país, sendo o regulador do mercado, aquilo que se tem em termos de regulação e boas práticas de supervisão bancária, para que todos estejam no mesmo padrão. Já existem bancos a publicarem contas no sistema de controlo internacional, onde todos os bancos podem utilizar as mesmas regras, não só dentro do país, como no exterior. Sendo que as regras de apresentação dos resultados são todas em dólares, o Standard Bank Angola (SBA) pode fazer uma comparação com um banco que esteja em Hong Kong ou que esteja na Europa. Isto dá credibilidade `as contas auditadas, num padrão reconhecido internacionalmente. É muito importante controlar as transacções financeiras antes de elas saírem fora do país, acho que é isto que o BNA tem vindo a fazer. Tanto é que já existem os softwares e penso que, até 2018, todos estaremos neste padrão.
Dada a experiência internacional do SBA, que apoios concretos pode dar ao BNA?
Com a sua experiência, o SBA tem ajudado o banco central da África do Sul e de outros países onde opera. É óbvio que deve fazê-lo com o BNA. Por exemplo, muitas das cartas de créditos são abertas na África do Sul, através do Standard Bank, o que tem facilitado a aquisição dos produtos da cesta básica, para Angola…
Os apoios resumem-se às cartas de créditos?
Há outros apoios, sobretudo no que toca ao conhecimento e às boas práticas. Não se pode esquecer que o país perdeu o seu último banco correspondente em moeda estrangeira. Logo, isto reflectiu-se na importação dos produtos que tinha de ser feita em dólares, euros ou ienes. E nós conseguimos fazê-lo através da nossa ‘casa-mãe’ na África do Sul, porque continuamos a ter acesso aos mercados internacionais, e com outros bancos com os quais temos relações nos países da Europa, Ásia e América.
Acha que o curso actual da política cambial é compatível com as necessidades do momento?
O que tem faltado, a meu ver, é a transparência na alocação das divisas. Ao SBA são alocados, por exemplo, 10 milhões de dólares e, em certos casos, já nos são indicados os clientes. Há vezes em que recebemos dinheiro de clientes que não têm conta no banco, o que cria muita confusão. A outra questão está relacionada com a proporcionalidade com que se distribuem os valores: uns recebem 80% e outros ficam com 20%. Isto é injusto. Não entendo as razões que levaram à tomada desta decisão.
Como devia ser feita a distribuição das divisas?
No sector financeiro, as regras do jogo têm de ser claras e todos devemos saber como as coisas são tratadas. Este tipo de comportamento vai ter um impacto negativo [na economia], até para o estrangeiro que pretende investir no país, por não haver clareza na definição de medidas. Agora, com o processo de diversificação da economia, a coisa tornar-se-ia ainda pior, porque o país precisa de atrair investimento para o sector produtivo e, por fim, para poder exportar. Como se sabe, já temos banana de Angola a ser exportada para os países vizinhos e para os EUA, o que pode trazer um valor acrescentado à economia, mas, em tudo isto, é preciso haver um jogo claro.
O SBA faz parte dos cinco bancos que alegadamente vão gerir 80% das divisas?
É a isto que me referi. 80% das divisas vão para os cinco seleccionados dos quais não fazemos parte. Os restantes 20% é que serão distribuídos para os demais operadores. Antigamente, cada um dependia do seu ministério para a aquisição de divisas, mediante as necessidades apresentadas. Agora, tudo volta para o BNA, o que acho importante, na qualidade de regulador, evitando desta forma a dispersão de divisas. Mas a forma como está a ser feita a divisão é que não é boa, porque muitos bancos bons não fazem parte do dito ‘Top Five’ (Top Cinco). Para mim, o importante não é ter mais moeda estrangeira, quero apenas transparência.
Acha que o SBA devia fazer parte do grupo?
Acho que não deve haver nenhuma lista. As alocações deviam ser feitas com base nas necessidades dos clientes e das políticas do Estado. Se a prioridade for para a aquisição da cesta básica, todos os nossos clientes que importam estes bens terão benefício. Não é justo beneficiar cinco bancos, deixando 25 de fora ou dar-lhes apenas 20% do total das divisas. Isto pode fazer com que muitos operadores deixem de funcionar e passem as contas todas aos cinco.
O BNA é a única fonte de divisa do SBA ou recebe apoios da casa-mãe, na África dos Sul?
Se puder [a casa-mãe], manda, mas para o capital do banco e não para operações de mercado. Nós dependemos do BNA, para as operações de transacção.
Teve algum impacto a saída dos correspondentes em dólar para o SBA?
Não. Mas pode ser [que tenha] em termos de resultados na disponibilidade dos cambiais, mas continuamos a fazer as nossas operações em moeda estrangeira normalmente, porque conseguimos receber e transferir. Há problemas é na alocação das divisas [pelo BNA]. O BNA é que faz esta alocação aos bancos e, estes, por sua vez, transferem para fora. No caso de o BNA não ter divisas, não conseguimos efectuar transferências.
Além da crise de divisas, há uma efectiva crise económica e financeira no país. Em que medida esta conjuntura impactou nas operações do banco em 2016?
O ano passado foi um ano favorável, pelo que temos vindo a fazer, embora seja verdade que o momento que o país tem estado a passar, desde a redução do preço do petróleo, tem impactado nas nossas operações.
O banco tomou medidas de contenção para contornar a crise?
Tivemos de fazer alguns reajustes, sendo um banco novo no mercado. Tivemos de fazer uma redução de custos, não só com o pessoal, até porque registamos uma subida à volta dos 30% a 26% em custos de operações, no sentido de nos conformarmos ao índice de inflação que chegou aos 42%.
E qual foi o impacto dessas medidas nos resultados?
Em 2016, tivemos resultados mais elevados da nossa história, passados sete anos da nossa presença em Angola, fixando-se em 50%. Até parece um pouco exagerado, mas não é o caso, porque tem tudo a ver com o crescimento dos depósitos, dos clientes, que registaram um aumento na ordem dos 22%, face ao ano anterior. Este crescimento foi impulsionado maioritariamente pelos depósitos à ordem, no segmento empresas, com um montante de 57,4 mil milhões de kwanzas. Quanto à evolução dos depósitos, em 2016, registámos um incremento de 23%, resultante de clientes empresas, o que representa 58% do total dos depósitos do banco a retalho. Entretanto, tivemos uma inversão nos particulares, mantendo níveis superiores em relação ao verificado em 2014.
Já há uma presença considerável do retalho nas operações do SBA?
O número de clientes activos do banco sofreu um decréscimo face ao ano anterior, porém, foi compensado pelo aumento do envolvimento bancário dos clientes existentes, sobretudo empresas, concretamente as petrolíferas e prestadoras de serviços. Falo das pequenas e medias empresas, por um lado. Por outro lado, é porque muitos clientes investiram em depósitos, precavendo-se da actual situação do mercado, conjugado ao facto de sermos um banco forte em África, presente em mais de nove países, associado também com a nossa marca, que nos ajudaram a atingir os 30.635 clientes.
E os lucros?
O resultado líquido do SBA fixou-se em 7,9 mil milhões de kwanzas, um crescimento na ordem dos 50% relativamente ao registado no exercício de 2015, em que registou 5,2 mil milhões de kwanzas.
Este balanço é o terceiro, em sete anos, que fecha positivo. O que representa para os accionistas?
É um bom indicador, mas importa referir que tudo resulta de uma boa estratégia de investimento, sobretudo por ser um mercado com muita competitividade. Mas, neste momento, temos um grau de solvabilidade extremamente alto e que ultrapassa a média dos níveis recomendados pelo BNA, calculados em cerca de 10% contra os mais de 30% alcançados no ano passado.
Os indicadores reflectem altos níveis de liquidez…
Sim, porque muitas empresas têm excesso de liquidez em kwanzas. Não havendo moeda estrangeira, a disponibilidade em kwanzas é utilizada dentro do país. O que faz com que se pague o crédito com facilidade, apesar de a nossa carteira descer consideravelmente. Mas acredito que, no próximo ano, as coisas tenderão para melhor. Porque pensamos apostar nos investimentos direccionados para o interior, no sentido de desconcentrar a área de actuação. Vamos dirigir o crédito sobretudo para o sector produtivo. Temos de apostar no sector da transformação, agricultura e do crédito, porque temos muito dinheiro disponível, mas também é preciso haver bons projectos. Aqui consiste a maior dificuldade.
Esta acção implicaria investir mais estruturas do banco. Prevê abrir novas agências?
Não. O actual momento económico aconselha que apostemos mais em produtos electrónicos, em termos de transacções. Em relação ao crédito, Luanda continua a ser o mais importante, mas fora da capital vão surgir muitas oportunidades.
Em que estruturas electrónicas prevê investir?
No sector informático. Pensamos que a banca se vai ajustando às novas tecnologias, fugindo do tradicional atendimento, o uso de dinheiro físico e operações de transferências efectuadas via electrónica. Hoje, podemos fazer tudo e mais alguma coisa com o banco, sem necessidade de ir ao balcão. Isto não significa que a nota deixe de ter o seu valor nas transacções, mas tem perdido em relação à utilização que se está a dar às novas tecnologias, até porque tem mais segurança.
Em que níveis anda a carteira de crédito?
O SBA registou uma desaceleração de 5,9 mil milhões de kwanzas. Na distribuição da carteira de crédito, por segmento de clientes, o banco alocou 75% do montante a particulares e 25% ficaram com as empresas, o que resultou num crescimento na ordem dos 6%, no descoberto, em relação ao período homólogo, contra os 3% no leasing e 2% no crédito habitação.
Que segmento de empresas recolheu maior parte do crédito?
Acho ser o sector das micro, pequenas e médias empresas, onde temos vários produtos, com realce para o sector das pescas, indústria de transformação, temos também uma ligeira carteira de individuais, sobretudo para colaboradores de empresas.
Que efeitos gerou a desaceleração no crédito?
O abrandamento registado na concessão de crédito teve impacto no rácio de transformação em 2016, fixando-se em 21%, menos 12 pontos percentuais face ao período homólogo anterior (2015) em análise cujas taxas se fixaram em 33%. Quanto ao reembolso, o segmento empresas obteve 42%, o que reflecte a aposta. Porém, a qualidade de crédito, por imparidade, concedido apresentou uma queda de 2%, passando de 51,4 mil milhões de kwanzas, para 50,2 mil milhões, incidindo numa diminuição da carteira de crédito calculada em 4,3 pontos percentuais, o que reflecte um aumento nas operações em divisas, passando de 35,5% para 39,8%. Tivemos de adoptar medidas internas de aceitação de crédito, relativamente ao nível de análise de risco e das garantias recebidas, porque o ambiente por si só propicia o grau de incumprimentos. Mas conseguimos manter os níveis aceitáveis, em que a taxa de incumprimento registou um aumento de 1,9 mil milhões de kwanzas, cerca de 4,6% da carteira total de crédito, contra os 1,1 mil milhões de kwanzas, alcançados em 2015 o que representa cerca de 2,5%.
E o malparado?
O malparado resulta do ambiente que o país vive, que tem resultado em redução de muitos trabalhadores, mas tivemos medidas cautelares que fizeram com que o crédito malparado não disparasse para níveis muito altos. O banco tem uma responsabilidade social e achamos que não devemos entalar o cliente. Temos de garantir ao cliente que o crédito deve ser feito de forma responsável, para se evitar a situação de incumprimento que pode incidir em hipotecas e colocar a sua família em péssimas condições de vida.
Olhando para a situação económica, a ‘medida cautelar’ com o crédito é para durar?
Acredito que as coisas vão melhorar, porque os ciclos não duram para sempre. E acredito que já estamos a passar pela parte negativa. Acho que a parte positiva vem a seguir. Mas isto não tem só a ver com o preço do petróleo, mas com as medidas que o país e o Estado vierem a tomar no que respeita à redução de custos, controlo da inflação, diversificação da economia e aumento do investimento em infra-estruturas. É importante perceber que o sector eléctrico tem grande impacto nos custos de operação no país, o que encarece o produto final, devido às despesas com os combustíveis e geradores que são obrigados a trabalhar 24 horas ao dia. Isto também tem impacto na moeda estrangeira e cria poupanças para a economia.
Com um nível actual de desvalorização do kwanza e o índice de inflação a furar os 40%, que reformas acha que devem ser tomadas para a estabilidade monetária nacional?
A desvalorização da moeda, para um país como Angola, que depende em grande medida de um único recurso, que é o petróleo, daria mais benefícios para o Estado do que para o cidadão, porque o Governo paga os salários em kwanzas. Mas é preciso saber que muitos investimentos do Estado são feitos em moeda estrangeira. O que acontece, na verdade, com a desvalorização da moeda é que os custos do Estado reduzem. No caso, precisaria de menos divisas para vender, ou seja, o seu custo em salários com a moeda estrangeira desce, isto seria um dos benefícios. Para a população, no caso, o preço de importação sobe, o que criaria um impacto negativo na balança de aquisição do cidadão, porque os preços vão disparar em kwanzas o que obrigaria a subida do salário dos funcionários, e, não sendo, provocaria um impacto negativo no poder de compra sobretudo da cesta básica. Eu acho que a medida de não desvalorizar a moeda é boa.
Que outras medidas podem ajudar na estabilidade dos preços?
O Estado deve é reduzir o custo de produção do petróleo porque, se vender o barril a 50 dólares, o custo de produção deve descer para além dos 40 para duplicar as receitas. A redução da inflação nos últimos dias reduziu de 42 para 36 e acredito que vai continuar à descer devido a queda que se tem registado no câmbio, mas pode não atingir os níveis previstos.
Se se prolongar o actual quadro económico, já se pode falar em fusões e aquisições?
Claro que isto vai acontecer, sobretudo para os bancos mais pequenos. Isto é se não se melhorar o ambiente do mercado. A fusão resulta no corte de custo e uma capacidade maior em termos de compra de moeda estrangeira, mas também por ser uma das formas de resolver a liquidez dos próprios bancos. A banca angolana é muito atractiva, mas também existem aqueles que não têm lucros e, se existir esta possibilidade, é uma importante fase.
O SBA estaria disposto a negociar uma fusão na banca nacional?
Se for um banco com interesse, estaríamos abertos em negociar, porque não podemos fazê-lo por fazer. É preciso que haja benefícios para os nossos clientes, os accionistas e o próprio Estado. Ou seja, todos os intervenientes devem sair a ganhar.
O VALOR sabe, através de informação já divulgada, da venda da participação dos 49% das AAA a um novo investidor. Este processo já está fechado?
Não está nada fechado. Continuamos com os nossos dois accionistas, que são o Standard Bank e as AAA. Ainda não houve uma assembleia-geral, em que se mudasse de accionistas.
Isto quer dizer que o negócio com outro comprador não fechou?
Isso vocês têm de falar com as AAA. O que eu sei é que os AAA estão a vender.
O que representaria para SBA a entrada do novo accionista?
Continua-se a operar normalmente. Temos a nossa reunião de accionistas, temos o nosso conselho de administração, o banco opera bem, temos a nossa ligação estrangeira, com a nossa ‘empresa-mãe’ e temos um resultado bom. O nosso resultado, nas nossas demonstrações financeiras, fala sobre o desempenho do banco. Não há problema. Se os accionistas um dia mudarem, se acontecer (não se pode especular), o banco continua a operar. O banco tem os seus padrões, tem as suas regras, é uma instituição sólida, tem as suas políticas, e não é o acionista que vai ter impacto naquilo.
O grupo SBA foi acusado recentemente, na África do Sul, de participar de um esquema de manipulação cambial, com o risco de ser condenado a altas multas. Como se defende o banco?
O caso está em curso no tribunal, mas posso assegurar que é uma acusação falsa. Ainda não foi ultrapassada, mas o Standard Bank não aceita aquela acusação. O sector bancário é complexo e muito exigente e cumprimos com as regras estabelecidas internacionalmente, para garantir que as boas práticas são devidamente observadas. Temos contratado peritos para investigar o caso, enquanto isso o Standard vai defender-se.
PERFIL
António Coutinho é um contabilista de formação, de nacionalidade moçambicana. Dono de uma carreira de cerca de 20 anos, já exerceu, entre várias actividades, funções de auditor sénior na Deloitte & Touche e de director financeiro do Grupo Manica Limited, em Moçambique, além do cargo de presidente da Interbancos. O vínculo com o grupo Standard Bank inicia em 2004, no posto de administrador, responsável pelo pelouro das finanças e de informática. Já no banco, é promovido a administrador-delegado, função que desempenhou até 2015, altura em que chega a Luanda para a condução dos destinos da sucursal do banco em Angola, onde continua até à data.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...