“É necessário ter cuidado com a patente da dança”
DANÇA. Conhecido artisticamente como Gato Vaiola, dança há mais de 30 anos, apesar de ser deficiente físico. É um dos dançarinos de maior referência nacional nos estilos vaiola, kizomba e semba. Tem uma escola, onde ensina jovens, crianças e adultos. É também músico e um dos maiores incentivadores de militares que sofreram amputação nos membros. Além da dança, é chefe dos recursos humanos, numa das unidades militares. Defende que se patenteiem as danças nacionais, pelas projecções internacionais que possam vir a ter.
Onde tem actuado?
Fui convidado pela RNA para o ‘Top dos Mais Queridos’, na homenagem à kizomba. Mas tenho participado essencialmente em eventos como casamentos, aniversários, conferências e actividades de empresas. Não sou convidado para os grandes eventos, porque, nestes, não chamam bailarinos.
É mais conhecido pela dança do que pela música…
Estou pendente na música, por causa da dança. Fiz parte do grupo ‘Tic Tac’. Depois do lançamento do primeiro álbum, houve alguns desentendimentos e rompeu-se com o grupo. Estou mais por dentro da dança, apesar de que o país não oferece condições nem oportunidades para se viver dessa arte.
Já foi excluído de alguma espectáculo por ser deficiente?
Não! Porque a dança incentivou-me bastante e sirvo de incentivo para quem vive também com essa deficiência, embora haja brincadeiras de colegas, a chamarem-me aleijado. Mas acho normal, porque afinal, todos nós temos alguma deficiência, embora algumas não sejam visíveis a olho nu.
A sede da dança deu-se com maior força depois de ser mutilado…
Sim! O tempo em que fiquei acamado, ouvia e via o dançarino Zé Vaiola, que me serviu de incentivo. Mas, depois disso, não cruzei os braços e tive autodomínio das muletas e fi-las minhas companheiras na dança. Mas, antes disso, já dançava, mas não era tão conhecido.
Reconhece que tem fama por ser deficiente?
Sim! Tive a repercussão que tive por ser deficiente. E hoje sou o ‘Gato Vaiola’, porque quebrei todas as barreiras da discriminação e exclusão social. Sou motivo de inspiração para muitos deficientes e não só. Depois da actuação no ‘Top dos Mais Queridos’, recebi uma chamada de um jovem também deficiente que pediu parceria. A minha patente de ‘Gato Vaiola’ vem das minhas vistas que são rasgadas e, também porque sempre dancei ‘break’ e, na altura, chamavam-me de Leonel Vaiola, mas o nome não se adequou à arte e troquei para ‘Gato Vaiola’.
Nunca pensou em usar uma prótese?
Tive duas, mas não gosto muito, porque com muletas sou mais dinâmico e as próteses causam-me dores na coluna. Já algumas vezes fui interpelado por ortopedistas a levantarem a hipótese de usar prótese.
Sente-se suficientemente reconhecido e valorizado?
Sou reconhecido pelos grupos particulares, não pelas instituições competentes. Devia ser mais! Porque, embora seja conhecido desde a década de 1980, sou, muitas vezes, chamado aos programas televisivos, revistas e jornais. Aqui somos valorizados e reconhecidos depois de morrer. Venho a incentivar, principalmente a camada jovem e deficientes, desde o tempo de guerra, na companhia dos músicos Beto e Moniz de Almeida. Estávamos quase sempre lá a sensibilizar a tropa e os portadores de deficiência.
A parceria de dança é sempre a sua esposa?
Boa parte das vezes sim, porque sempre conseguiu acompanhar-me no compasso. Foi mesmo através da dança que nos conhecemos e começámos a namorar.
Já foi burlado por agentes culturais?
Já passei por isso, inclusive já me ofereceram uma viatura, mas não cheguei a ter contacto com ela, porque simplesmente a pessoa que esteve à frente das contratações me burlou. O evento foi em Cabinda, mas prefiro não revelar nomes. Depois apercebi-me, porque a pessoa que ofereceu a viatura perguntou se recebi a oferta. Uma das grandes ofertas que já recebi foi uma viatura ‘Kia Picanto’, de um administrador do Cazenga.
Hoje consegue diferenciar-se o semba da kizomba enquanto dança?
Hoje, a juventude mistura tudo. Há bailarinos que buscam toques de lambada, para pôr no semba, embora se diga que tem de haver inovação, mas não podemos confundir ao pôr toques da rumba, samba, lambada, kuduro, semba. E é necessário ter-se cuidado com a patente da dança, porque os formadores, que estão no estrangeiro, fazem mistura que poderá levar depois a outras ‘nuances’.
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