Editores defendem que política do livro provoca “concorrência desleal”
LITERATURA. Editoras desejam que os escritores sejam legalmente obrigados a abdicar da edição e impressão das próprias obras. Instituto Nacional das Indústrias Culturais assegura que o mercado não precisa de mais regulamentação.
Algumas editoras desejam influenciar as autoridades para alterar o regime regulatório do mercado de livros, visando a proibição de edição de obras por parte de escritores e correctores independentes. No entender das empresas, as “actuais regras”, ou seja, a política nacional do livro e promoção da leitura, versada no decreto presidencial 115/11, bem como a lei sobre os direitos do autor e conexos, propiciam uma “concorrência desleal”.
Os operadores justificam-se com os custos que acarretam com água, luz eléctrica, impostos e pessoal, sendo que os editores independentes retêm o prémio sem ter que pagar nada ao Estado. Para a publicação de uma obra, sem a chancela de uma editora, o autor tem apenas custos com a produção e beneficia gratuitamente de um número de depósito legal, concedido pela Biblioteca Nacional. Mas a obra jamais poderá ser distribuída fora de Angola, porque a Agência Portuguesa de Editores e Livreiros, órgão responsável pela atribuição do Número de Livro Padrão Internacional – ISBN às obras na lusofonia, só atribui o código às editoras associadas.
João Correia, professor de língua portuguesa, assim como muitos que se dedicam à edição de livros, entende que o ISBN “não é muito importante para a natureza de alguns livros”. O professor, que por enquanto se recusa a criar uma empresa, compreende que as obras ligadas à política doméstica e desenhos animados não precisam de ter credencial internacional. João Correia regista dois a três pedidos por ano e considera “absurda” a ideia de se proibir os escritores de editarem ou de acorrerem a profissionais independentes. O docente garante que poderá formalizar uma empresa caso as solicitações aumentem.
André Mateus, também professor de português, que já desempenhou funções de revisor em diferentes jornais, sem quantificar os pedidos que recebe e em que períodos, assegura ser “bastante procurado”, mas que nos últimos dias se tem recusado, por motivos de agenda. Para editar uma obra, o docente cobra 700 kwanzas por página de estrutura simples e 1.500 kwanzas por estrutura profunda. A definição de preços por estrutura tem que ver com a qualidade dos textos. A estrutura simples é aplicada a textos que, mesmo contendo alguns erros linguísticos, não apresentam imprecisões e a estrutura profunda é atribuída a textos que exigem correcções profundas.
Ao VALOR, Sandro Feijó, director-geral da Viana Editora, é dos que dá a cara na luta contra os editores independentes (muitos preferiram falar no anonimato). Considera que as companhias se encontram em “estado de estagnação” e aponta a edição independente e a onerosa impressão como responsáveis desse fenómeno.
O director da Viana Editora, que defende a alteração do regime regulatório do mercado, aconselha os escritores a abdicar da edição das próprias obras ou de procurarem editores independentes, por alegado risco da “não observância dos pressupostos” que tornam a obra atractiva.
Para Sandro Feijó, a edição não pressupõe apenas a revisão, paginação ou uma criação artística de capa. “A obra deve ser observada e discutida por um conselho editorial capaz de olhar para o texto e compreender se tem ou não chances de sucesso no mercado”, avisa. Para edição de uma obra, a Viana Editora realiza cobranças de acordo com a temática e conteúdo, mas, caso o texto lhe suscite interesse, opta por custear todas as despesas, recorrendo a patrocinadores. E retém 60% das vendas.
Em posição contrária, a Editora Dois03, com presença em Brasília e em Luanda, recorda que o mercado é livre em “quase todo mundo”. Sérgio Ventura, editor responsável da instituição em Angola, embora compreenda que, sem uma observação profissional, a obra “perde muito na qualidade e acaba por ter uma distribuição deficitária”, sublinha que o autor “ganha muito mais” com a edição independente. Quando as editoras se responsabilizam pelos custos da produção e distribuição, ao autor é entregue apenas entre 5 e 10% do valor de capa. Mas a Editora Dois03, por exemplo, cobra 400 mil kwanzas por edição e atribui 60% do valor caso o autor consiga um patrocinador.
INIC nega concorrência desleal
Michel Kanianga, director-geral-adjunto do Instituto Nacional das Indústrias Culturais (INIC), recusa-se a aceitar que haja concorrência entre editoras e escritores e responsabiliza as empresas pelo facto de os autores optarem por editar as obras de modo independente. O responsável defende que “não é tarefa do escritor editar a própria obra, mas, se o fazem, é porque as editoras inverteram os seus valores, tornando-se meramente prestadoras de serviço”.
Na perspectiva de Michel Kanianga, a razão primária da existência de editoras é cultural, “daí que não devem cobrar ao autor, como o têm feito”. Entre outras, o director-adjunto do INIC garante perceber que as editoras “engajam muitas despesas”, com a revisão, capa, produção gráfica e distribuição, mas critica o facto de haver operadoras que “inclusive se recusam” a editar textos de autores desconhecidos, por alegadamente “presumirem” que não serão rentáveis.
No entanto, para formalizar uma editora, o pretendente deve constituir uma empresa no Guiché Único de Empresas e atribuir esse sector aos estatutos e, de seguida, solicitar um alvará.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...