ENFIM, LAÚCA
Angola presenciou, na sexta-feira passada, o que poderá ter-se tratado do último grande acto público do Chefe de Estado angolano, semanas antes de se aposentar do cargo. Contrariando o senso mais ou menos generalizado de que estaria gravemente debilitado, José Eduardo dos Santos mostrou-se para o país descontraído, atento ao momento e, acima de tudo, decidido a presenciar os primeiros instantes do início de produção de energia da mega estrutura que é a hidroeléctrica de Laúca.
Do actual Chefe de Estado haveremos, certamente, de falar dentro de dias, quando as cortinas descerem sobre o homem que decide os destinos do país há quase quatro décadas. O momento é de Laúca, um gigante projectado em momento de bonança e construído num cenário de carência não planeada.
O início da produção de energia marca o fim de uma fase importante nos esforços do Executivo que visam reduzir o défice de um bem sem o qual Angola, por muito que a retórica nos queira convencer do contrário, não irá trilhar desenvolvimento algum. Marcou-se mais um passo importante rumo ao desafio de se adicionar nove mil megawatts de energia à rede eléctrica nacional até, o que permitiria aumentar o número de beneficiários muito para lá dos oito milhões de Laúca.
Não importando tanto as propaladas motivações político-eleitorais do acto, releve-se o facto concreto: o país tem à disposição mais energia eléctrica.
Quer queiramos quer não, com todos os argumentos bota-abaixo que possamos esgrimir ressalte-se o facto de se ter podido erigir um projecto estruturante em meros cinco anos num contexto de profunda adversidade económica e financeira que chegou a perigar o cumprimento de prazos.
Espera-se que, para trás, fique o frenesim popular, com fortes laivos de ´xinguilamento´ durante os quais as províncias na rota de Laúca sofreram cortes sucessivos e electricidade porque se precisava de prover a famigerada albufeira de água desviada de Cambambe.
E acreditamos também ser justo que, concretizada a primeira das diversas fases, fora do perímetro de Laúca, se tenha acautelado toda a cadeia seguinte que permitirá a que o ´precioso bem´ chegue ao consumidor. Esta referência não é para menos, se atendermos que o drama destes anos todos abrange algo mais que a produção da energia em si. Já é sem graça quando Angola houve, amiúde, responsável disso e daquilo escudar-se nas deficientes estruturas de transporte e de distribuição para justificar o ritual de cortes endémicos. Mais do que isso, chega a ser abusivo quando se espera que o cidadão-contribuinte perceba a razão dos sucessivos apagões; ou que o industrial veja na contabilidade da sua empresa custos com combustíveis subirem constantemente.
Angola não se pode dar ao desprestígio de adquirir um Lamborguini sem que, para tal, tenha acautelado estradas à altura por onde rolar a portentosa máquina. O país não poderá dar-se ao luxo de construir uma hidroeléctrica da dimensão de Laúca, um sorvedouro de fundos públicos e linhas de créditos, sem que tenha equacionado formas viáveis e seguras que levem a electricidade ao seu destino último.
As reluzentes torres nas principais vias que ligam as províncias do Norte a Luanda dão uma ideia clara que assim não foi, mas espera-se que só nesta fase em que o gigante de Malanje produz 334 megawatts, não nos surja um iluminado esgrimindo os argumentos de sempre.
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