ANGOLA GROWING
NAS PRAIAS DE LUANDA

Escamam peixe para contornar desemprego

ESCAMADORES. Desempregados optam por escamar peixe nas praias de Luanda, chegando a receber, em média, entre três e cinco mil kwanzas. Foi a forma que encontraram para ‘fintar’ a crise e a falta de oportunidades de emprego.

pesca tarrafal01 21 01 2014

Dado o nível de desemprego, que, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), atingiu os 20% da população activa, muitos optaram por escamar peixe de clientes que não têm tempo.

É o caso de António Justino, de 40 anos de idade, escamador na praia de Cacuaco, desde 2015. Por um monte de cinco peixes, cobra 50 kwanzas, independentemente da espécie, com a excepção da garoupa, que chega a custar 200 kwanzas o monte, “por ser um peixe caro” e que não é de fácil acesso a todos os bolsos.

“Além do preço que normalmente cobramos, dependemos também dos clientes, que, na maioria das vezes, têm menos do que pedimos. Portanto, há vezes que conseguimos mais de oito mil kwanzas, e noutras vezes menos, depende da saída dos peixes do mar, da disponibilidade dos fregueses e da concorrência dos colegas”, conta Justino, para quem, embora tendo poucos ganhos diários, consegue alimentar a família e pagar a formação dos filhos. “O importante é que consigo levar dinheiro para comprar um quilo de fuba e conduto para ter forças de trabalhar novamente no dia seguinte”, afirma resignado.

Januário Rocha, solteiro, natural de Malanje, é outro escamador que considera o negócio “lucrativo”, dado que lhe dá a possibilidade de se alimentar, e, como diz, “satisfazer os vícios”. Todos os dias, consegue obter entre quatro e seis mil kwanzas. “Quando os colegas confusionistas não vêm, posso chegar aos 10 mil, e não o divido com ninguém”, conta. “Como e bebo sem ter que pedir favores”, insiste o jovem, que espera, em breve, colocar três motorizadas ao serviço de moto-táxi.

Menos satisfeito com o negócio, Maurício Quinguengue, morador do Zango III, escama peixe na praia da Mabunda, na Samba, mas considera a profissão “degradante” e justifica-se com a falta de oportunidades.

Os números do desemprego do INE são contestados, de facto, Development Workshop (DW), que os classifica com irreais. A ONG considera que tem havido muitos despedimentos por causa da crise económica.

Maurício Quinguengue, que quase todos os dias leva entre três e cinco mil kwanzas para casa, responsabiliza o Governo pelo alegado sofrimento porque passa e apela ao Presidente da República, para que crie políticas que absorvam a juventude. Com o dinheiro que consegue paga o táxi, compra arroz, fuba e uns tomates e leva o peixe da praia. “O pouco que sobra dou à esposa para guardar, para ter sempre alguma coisa em caso de doenças e para as propinas das crianças”, conta, sublinhando que tem sido difícil obter o montante desejado, por causa de colegas “confusionistas” que ficam com os clientes, pela força.

À semelhança de outros, Maurício Quinguengue, que pretende participar na construção da malha viária, que deverá partir do Porto de Luanda, passando pela praça da Mabunda até ao Benfica, cobra 3.500 a 5.000 kwanzas para escamar uma banheira de peixe, de tamanho médio. “Os de Cacuaco estão melhor, pois têm um preço fixo, nós não. Num dia, podemos escamar somente uma banheira de peixe e, no entanto, levar três ou cinco mil. Mas, reconheço, que nos fins-de-semana chegamos a levar para casa 20 mil kwanzas ou mais.” Para usar no trabalho, os escamadores compram a faca a 100 kwanzas, pagam 150 para afiá-la quando apresenta falhas, além de pagarem 300 kwanzas diários aos fiscais das praias.

Consumo e produção

Dados mundiais apontam para que cerca de 100 milhões de toneladas de peixe são pescadas anualmente, o que dá uma média de 13,5 kg por pessoa. Por cá, os pescadores artesanais garantem que a actividade é hoje meramente de sobrevivência, sendo que muitos procuram alternativas de sustento.

Muitos avançam que conseguem mais de 700 peixes/dia, mas lamentam que seja, na maioria, da família sardinha. “Se ao menos pudéssemos ter outras espécies em abundância, a pesca seria mais atractiva e lucrativa”, sublinha José Manolo, um dos pescadores da Madunba.